terça-feira, 30 de dezembro de 2008

O mundo de Viagem e Turismo

O mundo de Viagem e Turismo
(Editora Abril, 2008)

Meu amigo diz que não viaja porque tem preguiça. Dá preguiça, mesmo. Fazer mala, enfrentar o aeroporto, a fila do check-in ou da PF, chegar cansado, descarregar tudo... Mas nem eu, que pago pra ficar encostada, deixo de viajar por causa disso - e volto sempre estourada de tanto andar pra cima e pra baixo, percorrer museus e lojinhas, mais magra de tanto caminhar. Pra quem precisa de inspiração, esse livro é um achado: traz uma bela foto e um texto superbásico sobre cada um dos 192 países membros da Onu.

2008 foi um ano de recolhimento - com exceção das duas primeiras semanas de janeiro, acho que não saí de São Paulo nenhuma vez. Gostaria que fosse diferente daqui em diante. Muitas viagens me esperam, por mais que, por enquanto, eu me arrisque apenas nas também importantes viagens verticais. Quero convencer alguém a partir comigo para um lugar bem bizarro, como a Capadócia ou a Islândia. A Ilha da Madeira. Zanzibar. Talvez ir a Belém para comer o tacacá da dona Maria. Desafiar os mosquitos e me hospedar num hotel de selva na Amazônia. Até que enfim conhecer Porto Alegre, de preferência durante a Feira do Livro. Aproveitar. E gastar minhas milhas para ir à Ilha de Páscoa (eu até já sei o que significa tingo), o lugar mais isolado do planeta. Como não querer conhecer o lugar mais isolado do planeta? Eu vou.

domingo, 28 de dezembro de 2008

O Natal no Sabadoyle

O Natal no Sabadoyle
organização de Olímpio José Garcia Matos (Massao Ohno, 1994)

O Natal era bom quando eu era criança e minha avó materna se vestia de Papai Noel, e havia sempre uma discussão familiar sobre o que seria servido na ceia do dia 24, e no almoço do dia 25 estávamos todos lá, de volta à casa da vó, pra curtir os presentes do dia anterior e almoçarmos espremidos em volta da mesa da sala. Depois que minha avó morreu - e isso já faz muito tempo -, descobri que na verdade o Natal é uma festa muito deprimente quando não se têm mais tradições ou uma pessoa que simbolize a união. Foi só de uns tempos pra cá que eu consegui assumir: detesto essas festas de fim de ano que só servem pra gente reforçar o auto-engano. E, recentemente, duas das melhores noites de Natal da minha vida foram passadas dentro de um avião, com destino aos Estados Unidos, nocauteada por alguns comprimidos tarja-preta.

Mas não é por isso que eu sou insensível às coisas belas que o Natal já produziu - boa parte do repertório de Bing Crosby, A felicidade não se compra e esse livro, O Natal no Sabadoyle, uma edição comemorativa das atas de Natal escritas pelos freqüentadores do Sabadoyle. Começou em 1972, com Carlos Drummond de Andrade (eu quase coloquei uma foto do poeta no lugar dessa do Plínio Doyle, mas achei melhor homenagear o dono da casa), e seguiu até pelo menos 1994, quando o livro foi editado, com textos e poemas também de Pedro Nava, Alphonsus de Guimaraens Filho, Homero Homem, Homero Senna. Revendo agora meu volume, encontrado num sebo em condições quase excelentes, percebo que o livro trata mais da amizade, do Sabadolyle e das letras do que da festa em si. Como disse Drummond em seus versos finais de Natal na biblioteca de Plínio Doyle:

"(...) Mas tenho que concluir a versalhada
antes que soe a hora da consoada,
pois é Natal, ou quase, nestas salas
em que os livros, amados, formam alas,
agradecendo, num carinho mudo,
o que por eles faz o Plínio: tudo
que se chame cuidado, zelo, amor
de desvelado colecionador,
e os convivas, em roda, tecem loas,
por todas essas coisas muito boas,
ao amigo leal, firme, sem balda,
junto à doce presença de Esmeralda."

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Cozinhando para amigos

Cozinhando para amigos
Heloísa Bacellar (DBA, 2008)

Quando meu amigo disse que esse era o melhor livro de receitas que ele já tinha visto em português, achei exagero. Além do mais, era caríssimo. Mas um dia eu folheei numa livraria, depois em outra, fui lendo os textos da Heloísa Bacellar e, mais importante, comecei a ter vontade de fazer aquela massa, aquela salada, organizar um jantar com o cardápio inteirinho que ela sugeria. O que mais um livro de cozinha precisa para ser bom?

Faz um tempão que ele está na minha estante, e essa semana eu finalmente estreei o livro com duas receitas que deram supercerto: um prosaico frango assado (uma das comidas que eu mais gosto de preparar, massagear o bicho com temperos, o cheiro delicioso do frango no forno, à medida em que vai ficando pronto) e uma salada de grãos, frutas e ervas, que adaptei um pouco para combinar melhor com o que eu ia servir. Testado e aprovado, restam agora dois problemas: coragem pra fazer as receitas mais calóricas (que prometem ser deliciosas) e coragem pra comprar o segundo volume, que acabou de sair - mas tem coisa que vale cada centavo.

Precautions

Precautions
Eugenio Montale

Há dias eu acordo com esse poema do Montale na cabeça, nessa versão em inglês que não sei quem traduziu, e que conheci quando o metrô de Nova York resolveu fazer uma campanha edificante para apresentar poesia às pessoas. (Aliás, não sei nada sobre Montale - se chegou a escrever em inglês, se esse poema foi realmente traduzido.) Here it goes:

Not incorrectly
they advised me
to use the long spoon
if I went to dine with the devil.

Unfortunately
on those rare occasions
the only one available
was short.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Inside Cuba

Inside Cuba
Julio César Pérez Hernández e Gianni Basso (Taschen, 2006)

Ele parafraseou Hemingway e Bogart ao mesmo tempo na dedicatória que escreveu pra mim: "Nuestros daiquiris en la Floridita, nuestros mojitos en la Bodeguita... We will always have Habana." Bem, we won't have Havana anymore, mas eu espero ter sempre esse livro por perto para, ao lado das minhas fotos, me lembrar de tudo o que vi de bacana (e nem tanto) em Cuba. Ou ver o país de outros ângulos, já que não sou boa fotógrafa e que em muitos lugares onde estive era proibido fotografar.

Mas está lá o Palácio Brunet, em Trinidad, onde funciona o Museo Romántico - um dos poucos museus em que pagamos para poder tirar fotos; a bateria da minha máquina acabou depois do segundo clique e a dele simplesmente pifou. E o Hotel Nacional, em Havana, onde tomamos o primeiro de uma série quase vergonhosa de mojitos em Cuba. A sorveteria Coppelia, parecida com um disco voador, onde só conseguimos tomar um helado de morango quando entendemos que havia uma fila para turistas e outra para cubanos. O lugar mais quente do mundo: a Real Fábrica de Tabacos Partagás. Os dois melhores jantares da viagem: no Paladar La Guarida, num cortiço de Centro Habana. Sinto por não aparecer no livro o Edifício Bacardi, tão belo e inacessível.

Uma curiosidade: essa minha edição é trilíngüe, em espanhol, italiano e português. Mas o olho que segue o nome de cada lugar retratado aparece... em inglês. Hotel Habana Riviera - The empire of the Mafia in Cuba. Weird.

Maysa

Maysa - Só numa multidão de amores
Lira Neto (Globo, 2007)

Vi outro dia na TV a chamada para a próxima minissérie da Globo, sobre Maysa, e quase caí pra trás: a atriz escalada para o papel principal é a cara da cantora, uma semelhança impressionante. Já vi que vou ter de fazer o esforço de dormir tarde (ou melhor, de largar a leitura noturna mais cedo) pra acompanhar o programa; sempre gostei da voz de Maysa, de sua interpretação apaixonada de Ne me quitte pas e de Se todos fossem iguais a você.

Não sei se a biografia de Lira Neto ajudou na composição da minissérie; sei que o filho da cantora, Jayme Monjardim, colocou à disposição do autor arquivos familiares e os diários da mãe para ajudar na elaboração do livro. É bem feito, tem boas histórias e permite à gente entender os tais oceanos não pacíficos que mostravam seus olhos, no dizer de Manuel Bandeira. Maysa era precoce: compôs e cantou cedo, casou-se cedo, teve um filho cedo e começou a beber muito cedo. Não é de se espantar que também tenha morrido cedo, aos 40 anos, deixando pra trás um turbilhão de amores, tristezas, porres e gravações cheias de sentimento. Como em quase toda biografia, porém, só lamento que a quantidade de fotos do livro seja reduzida: é muito interessante ver a evolução da beleza de Maysa, da maquiagem pesada e cabelos arrumadinhos dos anos 50 à liberdade leonina das calças jeans e cabeleira revolta dos anos 70.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Bilac vê estrelas

Bilac vê estrelas
Ruy Castro (Companhia das Letras, 2000)

Há alguns anos, eu e um querido amigo começamos a preparar uma edição revisada de O momento literário, um livro do João do Rio publicado talvez em 1908. Na virada do século, João do Rio escolheu trinta e poucos escritores relevantes da época e a todos entrevistou com cinco perguntas, entre elas "quais foram suas influências literárias" e "o que você acha da intersecção entre o jornalismo e a literatura" (ou algo do gênero). Mas o bacana de O momento literário nem são as respostas, algumas chatíssimas, e sim ver que tipo de figura formava o mundo cultural carioca há 100 anos - houve espaço até pra um maluquete que acabou (merecidamente) sumido, um sueco chamado Magnus Söndahl.

Eu e meu amigo investigamos e escrevemos um miniperfil de cada autor entrevistado por João do Rio. E um deles, o padre Severiano de Resende, não é outro senão o modelo usado por Ruy Castro para um dos personagens de Bilac vê estrelas: o padre Maximiliano da Gama. Quem lê esse pequeno romance, parte de uma coleção policial que previa escritores famosos como protagonistas, vai entender por que só ele, entre tantas outras figuras da época, aparece disfarçado com pseudônimo. De resto, estão lá vários medalhões do mundo literário na Belle Époque carioca: Medeiros e Albuquerque, Coelho Neto, Emilio de Menezes, José do Patrocínio, quase todos envolvidos numa trama mirabolante em que Olavo Bilac se vê no papel de detetive. Levinho e inofensivo, e mais divertido para quem conhece ou já ouviu falar desse monte de escritores do passado.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Os escritores

Os escritores - As históricas entrevistas da Paris Review
(Companhia das Letras, 1988)

Estou lendo a "biografia" de George Plimpton, o sujeito que colocou de pé a Paris Review, uma revista literária criada por americanos na década de 50, em Paris. (O motivo das aspas será devidamente explicado no post sobre o livro, assim que eu terminar a leitura.) E então me deu vontade de tirar da estante os dois volumes de Os escritores, lançados em 1988 e 1989 por uma iniciante Companhia das Letras, com a reunião das melhores entrevistas publicadas pela revista ao longo de décadas. (Segundo parêntese: é engraçado ver como eram fraquinhos o projeto gráfico do livro e o texto de orelha no ano em que a editora abriu as portas.)

Logo no primeiro volume encontrei dois post-its e várias frases grifadas. Na entrevista com Dorothy Parker, a respeito de colegas escritoras que, a seu ver, não mereciam muito respeito: "E pensar que havia aquele pobre otário do Flaubert que rolava no chão durante três dias procurando a palavra certa." Em Borges, um post-it laranja e nenhuma anotação (Ruy, eu gosto do Borges quando são livros de entrevistas; tem um dele com o Sábato que é muito bacana.) O segundo volume (é a capa que ilustra o post) tem Nabokov, Garcia Márquez, Isak Dinesen, Auden, Hemingway... Ambos estão esgotados há séculos; consegui os dois volumes graças àquele meu livreiro infalível.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Secrets of style

Secrets of style
In Style magazine (In Style Books, 2005)

Outro livro basicão e bacaninha sobre estilo, roupas clássicas, como comprá-las, identificar sua qualidade, aprender a tirar proveito delas de acordo com o tipo de corpo etc etc etc - não tem a mesma graça de The little black book of style e The one hundred, nem o humor de Trinny e Susannah, mas serve como um bom guia para quem está começando a se inteirar do assunto.

Para mim, o divertido ao consultar esse livro é me lembrar de algumas roupas que já tive e que marcaram minha vida para o bem ou para o mal. Um vestido cor-de-rosa, de tafetá, que usei no aniversário de 15 anos de uma amiga (era um desastre fashion típico dos anos 80 e me dá uma certa depressão lembrar dele, mas o lado bacana foi que minha mãe fez questão de mandar fazer o vestido que eu queria, sem tirar nem pôr); um conjuntinho de saia e twin-set amarelo (mais ou menos da mesma época, e que eu amava); tênis all-star de cano longo, também amarelo; uma época de keds branco com vestidinhos soltos e floridos que me engordavam pra caramba; uma saia preta longa maravilhosa que eu me dei de presente de natal e usei meia dúzia de vezes; uma calsa fuseau de veludo laranja (!!!); o short cru e a camiseta regata colorida usados no réveillon que deu origem a um longo relacionamento; o casaco azul e vermelho da GAP que eu comprei pela metade do preço, perdi num incêndio (isso mesmo) e acabei comprando de novo, pagando afinal o preço inteiro; meu primeiro casaco de camurça; as camisetas da finada Philippe Martin (era isso mesmo?), incluindo uma camisa verde e cor-de-laranja que eu usava em parceria com meu irmão; uma camisa de patinhos que eu também dividia com meu irmão; uma calça fuseau preta que eu usava com a camisa de patinhos; o vestido de veludo azul estampado que usei, aos 8 anos, no casamento do meu padrinho; um vestido preto e decotado, também de veludo; uma camisa pink que usei horrores, já nos anos 2000... Eu poderia ter escrito a primeira frase de A louca da casa: "Estou acostumada a organizar as lembranças da minha vida em torno de um rol de namorados e livros." Mas eu incluiria também as roupas.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Fazendo as malas

Fazendo as malas
Danuza Leão (Companhia das Letras, 2008)

É pra ler de uma tacada, de preferência no intervalo entre dois livros mais densos; nada como crônicas leves, divertidas e alto-astral para zerar o cérebro. Melhor ainda, como é o caso, quando o prazer da leitura dá vontade de fazer uma loucura, empacotar tudo e embarcar no primeiro avião - sorte de quem pode sair por aí como Danuza, com liberdade, independência e conhecimento sobre os lugares que vai visitar.

O ideal seria mesmo ter dinheiro suficiente e passar no crivo de Danuza para poder viajar com ela a seus lugares preferidos. Curtir a Feria de Sevilha, hospedar-se na rua de Lisboa onde, segundo Eça, ficava O Ramalhete, de Os Maias, conhecer o hotelzinho onde ela se hospeda há vinte anos em Paris (e bater perna para conhecer seus estilistas japoneses preferidos), pegar carona no carrinho de Luciano para jantar com eles e ver Roma à noite. Ok, Danuza parece inacessível. Mas com grana no bolso e uma companhia que pareça tão divertida quanto ela, Sevilha, Lisboa, Paris e Roma, aqui vou eu.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Some of me

Some of me
Isabella Rossellini (Random House, 1997)

Isabella Rossellini está entre os meus principais modelos de beleza; eu sempre pensei "quero chegar aos 40 (ou aos 45, ou aos 50) linda como ela". E adorei quando duas amigas-irmãs queridíssimas e xarás me deram de presente essa espécie de autobiografia, com dedicatórias bem sugestivas: "que seu sonho se realize", "ela é bem o seu padrão para se ter como ideal".

Estou longe, a anos-luz de distância de ter a beleza de Isabella Rossellini, mas gosto de pensar que é possível chegar aos 40 (e aos 45, aos 50) bem de rosto, corpo e espírito. E bem de corpo não significa ser magra; IR quase nunca foi. Mais importante: deve ser bem bacana chegar aos 45, a idade que ela tinha ao escrever o livro, com tanta história pra contar sobre experiências pessoais e lembranças dos outros - esse é o tal "bem de espírito" (alma, astral, humor, whatever). Tá certo que Isabella gasta metade das páginas pra dizer como é linda e como as pessoas costumam confundi-la com a mãe, que também era linda. Mas na outra metade ela fala de seus casamentos com Martin Scorsese e David Lynch, relata conversas imaginárias com o pai morto, conta dos filhos, da fase de modelo, de como virou atriz. Tudo cheio de fotos (eu sempre acho que poderia haver mais), incluindo a minha preferida: um quadro feito por David Lynch para ela, cheio de... abelhas mortas. Sensacional.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Assombrações do Recife Velho

Assombrações do Recife Velho
Gilberto Freyre (Topbooks, 2001)

O motorista de táxi, em Recife, queria me cobrar 100 reais só pra me levar à oficina de Francisco Brennand - dali seria outro táxi até a Fundação Gilberto Freye e mais sei lá quanto para voltar a Boa Viagem. Não fui. Sim, bate um certo arrependimento, mas 100 reais numa só corrida de táxi, em 2002, doía ainda mais do que hoje, e eu não tinha ninguém com quem dividir a viagem. Paciência.

Mas eu não me conformava em sair do Recife sem trazer alguma coisa de Gilberto Freyre, mesmo que não fossem as fotos que eu pretendia tirar em sua antiga residência de Apipucos. Por isso fiquei feliz da vida quando encontrei, na Casa da Cultura, uma livraria bagunçada que vendia edições da Fundação e outros títulos de Freyre, como esse então novinho relançamento. Que vontade de poder encontrar, no Recife de hoje, as ruas, casas, fantasmas e aparições que o velhinho reuniu nesse livro: o sobrado da Estrela, a casa da esquina do Beco do Marisco, o sobrado das três mortes, a casa da Imbiribeira... Outro dia eu li um guia de Londres que sugere uma série de roteiros, digamos, macabros na cidade. Será que ninguém se anima a fazer o mesmo com as assombrações de Gilberto Freyre?

Dentro da noite

Dentro da noite
João do Rio (Antiqua, 2002)

Ainda não encontrei o João do Rio aqui em casa, então resolvi escrever a partir apenas de minhas lembranças. Ia começar dizendo que os dois melhores contos desse livro - acho que os dois melhores do autor - não servem para estômagos fracos. Mas que se danem os estômagos fracos: a morbidez é fundamental em Dentro da Noite e O bebê de tarlatana rosa. E quem torcer o nariz para comportamentos igualmente tortos vai perder literatura de primeira.

Na verdade, nem acho tão mórbido assim. O comportamento de Rodolfo em Dentro da noite pode não ser comum, mas está longe de ser inverossímil: pequenas crueldades podem tomar proporções impensáveis e causar um prazer que tanto o Marquês de Sade quanto o Nelson Rodrigues já exploraram muito melhor do que eu. Também há um certo sadismo - ou não vem dele o orgulho de Heitor ao contar a história? - em O bebê de tarlatana rosa, que no mínimo serve pra fazer a gente aprender uma palavra nova; tarlatana é o tipo de tecido usado na fantasia da moça que o narrador conhece num carnaval. E que, para horror e espanto dos que ouvem o relato, tem um traço bem mais marcante que sua roupinha cor-de-rosa. Rodolfo e Heitor chegam a ser cruéis. E igualmente maravilhosos.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Jamie's ministry of food

Jamie's Ministry of Food
Jamie Oliver (Michael Joseph, 2008)

Os detratores podem falar à vontade - que nos programas da TV ele cozinha com as unhas sujas, mede os ingredientes a olho, não lava os temperos -, mas eu não tô nem aí. Adoro Jamie Oliver e seus livros cheios de idéias, liberdade culinária e dicas que sempre me fazem olhar de um jeito diferente para a geladeira e o fogão. E fiquei muito feliz por encontrar à venda aqui, ontem, seu livro mais recente, já que os dois anteriores (Cook with Jamie e Jamie at home) não me empolgaram muito.

Em Ministry of Food, Jamie Oliver retoma uma antiga idéia posta em prática na Inglaterra da Segunda Guerra Mundial: a de que cozinheiras experientes podiam usar sua prática para ensinar a preparar refeições com os poucos ingredientes disponíveis na época. Sem o racionamento de então, ele usa o mesmo propósito para criar uma espécie de "corrente de receitas". No começo da obra há até um pequeno manifesto que incentiva o dono do livro a aprender pelo menos um prato de cada capítulo e passá-lo adiante a dois amigos ou familiares. No fim, o que importa mesmo são as saladas, sopas, carnes, aves e peixes, doces e refeições rápidas que ele reúne nos catorze capítulos. Tudo fácil e sem muito trabalho - porque, como diz o subtítulo, "qualquer um pode aprender a cozinhar em 24 horas".

As mais belas histórias da Antigüidade Clássica - volume II

As mais belas histórias da Antigüidade Clássica - volume II
Gustav Schwab (Paz e Terra, 1995)

Eu acho que perdi a capacidade de me apaixonar - ou melhor, acho que há algum tempo venho mantendo essa capacidade escondida na gaveta mais profunda do meu espírito, com medo de que ela resolva se manifestar novamente e que tudo termine novamente em sofrimento. Porque paixão termina ou em dor ou em tédio, uma desgraça. Agora há pouco eu estava em um show e resolvi flertar com um homem que conheço há pelo menos quinze anos, e que nunca me deu a menor bola. Pra que brincar com a sorte? Ou, pior, com a tranqüilidade?

(Esclarecimento pra quando eu ler esse post outra vez, daqui a algum tempo: sim, bebi mais do que eu devia.)

De um jeito tortuoso, mas ainda saudável, me apaixonei perdidamente por três personagens da ficção: o Carlos Eduardo de Os Maias, o doutor Rodrigo Cambará de O tempo e o vento e o Aquiles da Ilíada, recontada em prosa por Gustav Schwab. Eu já tinha lido o primeiro volume dessa trilogia, que trata de mitos e heróis da Grécia Antiga (o terceiro volume traz a Eneida e a Odisséia, também em prosa). E caí de amores pela história da Guerra de Tróia, pela masculinidade - ainda que gay - de Aquiles, sua devoção por Pátroclo e sua ira fenomenal quando o amante é morto por Heitor. Sofri com Aquiles e sofri por ele, quando Febo o atingiu no calcanhar, mas também senti a dor de Príamo ao tentar resgatar o cadáver do filho, morto pelo herói. Assim como acontece com Os Maias, não consigo deixar de ler a Ilíada sem torcer para que o final, dessa vez, seja diferente. Será que não podia dar empate? Não, os deuses gregos eram implacáveis. A vida também é.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

A dinâmica das larvas

A dinâmica das larvas
Rodrigo Lacerda (Nova Fronteira, 1996)

Aconteceu agora há pouco. Vasculhei um armário em busca de um livro de João do Rio porque senti vontade de escrever sobre dois de seus contos. Não encontrei, mas achei outros dois volumes que a) eu não sabia que tinha; b) não me lembro de ter lido; c) não tenho a menor idéia de como vieram parar aqui. Olhos de ressaca (Capitu), de H. Pereira da Silva, é uma edição fininha de 1970 que está sem a capa de trás. Trata-se de uma peça em três atos inspirada no Dom Casmurro e que, por indicação do autor, deve começar com o fundo musical de Apenas um coração solitário. Não reconheci o livro. Não sei se ganhei de presente ou se alguém me indicou, não sei se peguei emprestado, se comprei em sebo, achei na rua ou herdei. O mais estranho é que eu não gosto de ler dramaturgia; não tenho paciência para os diálogos nem para as marcações do autor.

Mas o segundo caso é ainda pior. A dinâmica das larvas tem uma dedicatória do escritor para mim: "Para a ..., esta tragi-comédia cheia de meus fantasmas pessoais, que só a mim assombram, eu espero... Com o abração do Rodrigo Lacerda, 21.8.96". Eu tenho certeza de que não li esse livro. Eu não me lembro de ter ido a nenhuma sessão de autógrafos do Rodrigo Lacerda. Eu não me lembro de ter ganhado esse livro de ninguém (o namorado que eu tinha em agosto de 1996 também era chegado nas letras, mas nossa paixão em comum foi o Caio Fernando Abreu). Não há registro do Lacerda nem do Olhos de ressaca em minha mente, memória visual, memória afetiva, as capas não me dizem nada e a dedicatória me deixou em pânico. Será que já existe uma parte de minha vida que anda se perdendo por aí?

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

The science of sexy

The science of sexy
Bradley Bayou (Gotham, 2007)

Embalada por minha recente mania de ler livros sobre estilo, encomendei dois volumes pela Amazon que seriam entregues nos Estados Unidos e trazidos para mim por uma querida e abnegada portadora. Um deles, The science of sexy, veio mesmo porque custava só US$ 5,99 e tinha o aval de quatro estrelinhas dos usuários da Amazon. E qual não foi minha surpresa quando abri o referido e encontrei, em diversas páginas, papeizinhos soltos e post-its grudados com anotações. Já aconteceu de eu encontrar "presentinhos" em livros comprados em sebos - eis um bom exemplo. Mas em livro novo, nunca vi.

The science of sexy se presta mesmo a anotações. Seu ponto alto é o método "científico" criado pelo autor para, a partir de dados como altura, peso, medidas dos ombros, do peito, da cintura e dos quadris, encaixar cada mulher em um de 36 tipos físicos possíveis. Baixinha, magrinha e em forma de ampulheta; baixinha, gordinha e em forma de triângulo invertido; altona, gordona e em forma de retângulo - as combinações vão longe. Eu sei, entre outras coisas, que meu livro já passou pelas mãos de alguém que tinha 42 polegadas de ombros e 38 nos quadris. E que ficava entre o triângulo e a ampulheta.

Por diversão - porque o livro não está estragado nem mal conservado -, mandei um email para a Amazon dizendo que, da próxima vez, eles poderiam avisar caso eu esteja comprando algo já usado. Recebi uma dessas respostas automáticas que dizia "sentimos muito, que pena etc, você pode a) clicar aqui para efetuar a troca do produto; b) clicar aqui para que mandemos uma compensação financeira de US$ 2, entre 10% e 20% do valor original". Considerando que eu paguei US$ 5,99 e eles erraram no cálculo da porcentagem, não seria má idéia. Mas eu prefiro manter meu livro cheio de post-its alheios.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Os irmãos Karamabloch

Os irmãos Karamabloch
Arnaldo Bloch (Companhia das Letras, 2008)

Sempre gostei de ler o Arnaldo Bloch no site de O Globo (até o jornal fechar o acesso online aos não-assinantes) e de vez em quando ainda vejo seu blog. Por isso fiquei animada quando soube que é ele o autor de uma biografia dos irmãos Bloch - Karamabloch, nas palavras de Otto Lara Resende. Fundada por Adolpho Bloch, a revista Manchete fez parte da minha infância; a edição da semana batia ponto na casa de meus avós. E, vai saber por que a memória guarda essas coisas, ainda me lembro direitinho de uma capa publicada em 1979, quando Leonel Brizola voltou do exílio.

Os irmãos Karamabloch é um livro bacana. Mas podia ser muito melhor. Numa família com tanta história boa e gente interessante, até entendo a necessidade do autor em focar-se numa só figura, sob pena de escrever uma bíblia. O caso é que, em apenas 300 e poucas páginas, muita coisa acaba se perdendo. (Uma dúvida que não me sai da cabeça: que fim levou Liova, depois que os irmãos chegaram ao Brasil? Voltou a Salvador e acabou morrendo lá?) Eu mesma não sei como resolveria esse problema - para falar de Adolpho e suas realizações é necessário, sim, falar de Joseph e seus irmãos. Mas será que o livro precisaria voltar tanto no tempo? Ou dedicar tanto espaço às lembranças de Leonardo? E do próprio autor? Não sei. Não sei como eu faria. Mas Arnaldo Bloch bem que poderia lançar outro volume da saga familiar, com as histórias que ficaram de fora.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Sir Richard Francis Burton

Sir Richard Francis Burton
Edward Rice (Companhia das Letras, 1991)

Depois do Batman, Richard Burton é meu super-herói preferido - com a diferença de que RB não tinha nada de super e viveu de verdade, uma vida de aventuras às vezes tão surreais que em obras de ficção pareceriam exagero. Mas o cara era gente que faz e, entre outras coisas, organizou uma expedição para descobrir a nascente do Nilo, foi cônsul da Inglaterra no Brasil (dava expediente em Santos e viajou interior adentro, até Diamantina), aprendeu mais de vinte idiomas e dialetos, trabalhou como agente secreto na Ásia, África e Oriente Médio, traduziu o Kama Sutra e As mil e uma noites, fez a peregrinação a Meca mesmo sem ser muçulmano e a lista de seus feitos é tão extensa e intensa que um mero post não consegue resumir; Edward Rice precisou de quase 700 páginas.

E deu conta direitinho da tarefa. A gente sabe que uma biografia é boa quando dá vontade de ter participado da vida do biografado - por bem ou por mal, para admirá-lo ou odiá-lo mais de perto. Ou quando a gente sofre junto com o personagem, com a malária de Burton e o dardo que cortou sua face de lado a lado. E também quando dá vontade de largar tudo e ir atrás dos escritos do sujeito, das milhares de anotações que ele fez pelos lugares por onde passou, dos diários que preencheu, dos documentos que acumulou. Mas isso vai ser pra sempre impossível. Assim que Burton morreu, em 1890, aos 69 anos, sua mulher, uma doida-vaca-fanática católica, mandou queimar tudo o que ele deixou. Temia arruinar a reputação do marido. Arruinou foi a dela, e privou o mundo de aproveitar mais da vida fantástica que esse cara levou.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

In defense of food

In defense of food
Michael Pollan (The Penguin Press, 2008)
(Foto e link vão em português, mas eu li a edição americana do livro.)

Detesto quando isso acontece, mas às vezes é inevitável. Comecei a ler esse livro, um capítulo por dia, tentando prestar a maior atenção, interessada no assunto. Mas a leitura não pegou. Não que seja ruim; acho apenas que a época não está favorável. Muita coisa na cabeça, sono interrompido por sonhos bizarros, no dia seguinte eu não me lembrava mais do que tinha lido na noite anterior.

Michael Pollan começa falando do que chama de "nutricionismo", uma preocupação exagerada em relação não à comida de todo dia, mas aos nutrientes que ela contém - tudo muito conveniente para a indústria alimentícia, que "enriquece" seus produtos com vitaminas isso e aquilo, fósforo, cálcio, ferro, zinco, e assim faz com que o consumidor mané compre mais biscoitos e iogurtes modificados na crença de que são saudáveis. É uma teoria muito interessante, mas que ocupa as duas primeiras partes do livro e que, como eu disse acima, não me pegou.

Então eu me concedi a licença de pular direto para a terceira parte, em que Pollan sugere algumas regras para a boa alimentação, resumidas em três frases: "Eat food. Not too much. Mostly plants." É o melhor do livro, e na verdade não fala nada que leitores atentos de autores como Jamie Oliver, Patricia Wells e Alice Waters já não saibam. Como, por exemplo, a importância de consumir produtos sazonais e não processados, muito mais ricos em nutrientes - quem precisa de vitaminas e sais minerais adicionados artificialmente? O prazer de alimentar-se com calma, e de fazer refeições completas, e de usar a mesa de jantar. O truque de evitar os corredores centrais dos supermercados, cheios de enlatados, engarrafados e outros ados. E, duas das minhas preferidas, "não coma nada que sua bisavó não pudesse reconhecer como comida" e "você também é o que a sua comida come". Faz pensar.

domingo, 23 de novembro de 2008

America's queen

America's queen
Sarah Bradford (Penguin USA, 2001)

Pra variar, a capa do livro que eu tenho é bem mais bonita, como já aconteceu aqui e aqui. Mostra Jacqueline Kennedy Onassis mais de perto, o queixo apoiado na mão, uma mulher mais parecida com a gente, e não com uma atriz de cinema, como aí ao lado. Jackie foi, é verdade, uma estrela, mas uma estrela do mundo real, com defeitos e sofrimentos que todos temos. Mesmo estrábica e baixinha, transformou-se num ícone fashion. Foi amada por seus "súditos" americanos durante e depois da presidência de John Kennedy. E começou a trabalhar (numa editora de Nova York) justamente quando não precisava, depois de ficar viúva do milionário grego Aristóteles Onassis.

Já faz tempo que li essa biografia - a data no começo do livro indica "30/11/01, pré-férias", uns dez dias que eu passei à beira de uma piscina, em Ilhabela -, e sempre que a vejo na estante tenho vontade de ler outra vez. Sei bem pouco sobre a família Kennedy, gostaria de saber mais. America's queen ajudou: mostrou que mesmo tendo crescido num ambiente milionário (graças ao padrasto rico) e se casado num clã poderoso, mesmo sendo plena de cultura e bom gosto, Jackie era uma mulher normal, que sofreu com traições e solidão, com a inveja da irmã, com a fama, com a morte estúpida de pessoas que ela amava. Agora eu torço para encontrar outra biografia, tão boa quanto, de John Kennedy e sua família.

sábado, 22 de novembro de 2008

Fup

Fup
Jim Dodge (José Olympio, 2006)

Li Fup há quase vinte anos e dele só mantive uma impressão: a sensação, crescente com o passar do tempo, de que o livro não merecia o status cool/cult que lhe dedicavam várias pessoas na época - e com o qual eu certamente concordei por um tempo, influenciada pelo homem que me apresentou à obra. Mas depois, quando alguém falava de Fup, eu pensava "é só um beat com trinta anos de atraso".

Na noite passada, o homem que me apresentou à obra me abraçou e me contou a história de novo, porque eu pouco me lembrava dela. Falou sobre vovô Jake e o uísque que ele fabricava, a obsessão de Miúdo por construir cercas e matar um porco, o encontro com Fup, a pata gorda que era o bicho de estimação de avô e neto. Eu pedi, e ele contou também o fim da história; acho que não entendi. E apesar de saber como é bacana ainda manter um vínculo forte com esse homem depois de quase vinte anos, eu continuei com a sensação de que Fup realmente não é pra mim.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

The new Food Lover's Companion

The new Food Lover's Companion
Sharon Tyler Herbst e Ron Herbst (Barron's, 2007)

Sou chegada num dicionário. E num livro de cozinha, mesmo que estrangeiro (de preferência em inglês; até consigo intuir o francês e o italiano, mas melhor não arriscar). Logo, gosto bastante de dicionários de cozinha. Esse Food lover's companion - que tenho com outra capa, bem mais interessante que a da foto - é uma delícia não só para consultar em caso de dúvidas quanto a nomes de ingredientes, técnicas e vinhos mas também para ler... como literatura mesmo. Sim, existe louco pra tudo.

Já disse que livros de culinária são, para mim, um respeitável gênero literário. Escrever receitas não é tão fácil quanto parece. Nem definir, em termos compreensíveis e elucidativos, milhares (são mais de 6700 verbetes) de temperos, tipos de queijo, técnicas de cozimento, ingredientes em espanhol, italiano, japonês, francês, bebidas e produtos variadíssimos, de algas a tomates. É evidente que minha intenção não é decorar o dicionário, nem posar de bacana quando alguém fala em pirogi, molho rémoulade ou eggnog. Mas lendo uma entrada aqui, outra ali, acabo aprendendo várias coisas. Assim eu já sei que, quando voltar à França, vou comer um clafoutis de pêssego. E que quando estiver no México, bastará uma enchilada para matar minha fome.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Toujours Provence

Toujours Provence
Peter Mayle (Vintage Books, 1992)

Os livros de Peter Mayle - eu comecei com Hotel Pastis - fazem parte do gênero ai-que-inveja-absurda-da-vida-desse-cara. Numa versão "crônicas", é mais ou menos como o Minhas receitas da Provence, de Patricia Wells. Sei não, esse povo parece ter o sério e prazeroso distúrbio de esfregar na cara da gente como a vida pode ser boa e feliz e divertida, principalmente quando se tem uma conta corrente abastada e uma casa na Provence. Ai que inveja absurda da vida desse cara!

Bem, eu sou partidária ferrenha da literatura como incentivadora (ou promotora) de sonhos, então adoro ler o Peter Mayle e a Patricia Wells, e imaginar como seria a minha vida entre os mercados de frutas e legumes frescos da aldeia, os problemas com encanadores, os turistas enxeridos, os jantares informais com os vizinhos, cheios de comidinhas gostosas e vinhos idem. É bacana pensar que um dia eu também posso circular, ainda que a passeio, por lugares chamados Cavaillon, Buoux, Ménerbes, Gordes. E, enquanto não acontece, sonhar com isso nos livros.

domingo, 16 de novembro de 2008

Amor sem pudor

Amor sem pudor
Jonathan Franzen

Abro aqui uma exceção para escrever não sobre um livro, mas sobre um texto que acabei de ler online no caderno MAIS!, da Folha de S. Paulo. Acredito que a exceção se justifique: é raro eu ter vontade de ler alguma coisa no MAIS!, detesto textos longos na tela do computador e esse mesmo assim me agarrou desde o começo. Acima de tudo, é claro, o tema e a escrita me tocaram de uma maneira especial.

Admito que só comecei a ler porque confundi o Franzen, que não conhecia, com outro Jonathan, o Safran Foer. E continuei porque me vi em algumas situações que ele descreve logo de início, sobre os hábitos no celular - fiquei até com vergonha quando ele fala da perua na fila do supermercado porque às vezes eu sou assim, e o pior é que também morro de raiva de quem faz isso. Mas o ponto alto do texto, acredito, está na parte que começa com a correspondência entre o pai e a mãe, e que fala das manifestações de amor de um jeito tão sincero e direto. Se os romances de Jonathan Franzen forem tão bons quanto esse texto, já vi que vou juntar mais volumes à pilha de livros que se acumula ao lado de minha cama.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

O pequeno príncipe

O pequeno príncipe
Antoine de Saint-Exupéry (Agir, 2006)

Leio no jornal que um poeta argentino, autorizado pelos herdeiros de Saint-Exupéry, vai lançar em breve a continuação de O pequeno príncipe. Meu cinismo abre os olhos: penso em caça-níqueis, numa auto-ajuda-autoral que faz apenas encher o cofrinho dos envolvidos. O que ainda há para dizer sobre o personagem? Que bichos e figuras ele ainda tem que encontrar para destilar frases que grudam como superbonder? Alguém pode explicar por que esse livro faz tanto sucesso?

Aos 10 anos de idade, vá lá. Mas nem as misses agüentam mais esse moleque, trocado solenemente pelo Paulo Coelho. Pensar em O pequeno príncipe me deixa melancólica, triste, incomodada com algum provável trauma de infância que nem uma década de terapia conseguiu solucionar. Na verdade, acho que é pior do que isso: fico deprimida. Deprimida com a figurinha do garoto estampada em cartões, canecas e camisetas, deprimida com gente que fala "você é responsável por aquilo que cativa", com os baobás assassinos, com o elefante dentro da cobra. Deprimida ou porque ainda tem muita gente que se apega a essa bobagem ou porque eu devo ser uma burra insensível que não entendeu absolutamente nada.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

The Nero Wolfe cookbook

The Nero Wolfe cookbook
Rex Stout and the editors of Viking Press (Cumberland House Publishing, 1996)

Nero Wolfe, o gordo, preguiçoso e metódico detetive criado por Rex Stout, não abre mão de dois grandes prazeres: cultivar orquídeas e discutir o cardápio do dia com Fritz Brenner, seu cozinheiro suíço. Não há história em que ele apareça sem a descrição de pelo menos uma receita ou refeição. Wolfe só aparece na cozinha para discutir com Fritz o preparo de um ou outro prato. Mas, às vezes, em mais de 30 romances e 40 contos, também foi obrigado a cozinhar. E a comer fora, de preferência no restaurante de seu amigo Marko Vukcic. Ou, horror dos horrores, a deixar que algum desconhecido cozinhasse para ele.

Todos os pratos citados nas histórias de Nero Wolfe foram compilados nesse belo volume, que tem fotos de Nova York entre os anos 30 e 50 e trechos dos livros em que cada receita aparece. Os capítulos estão divididos por temas comuns às histórias de Rex Stout: café da manhã, almoço e jantar, comida para os dias frios, comida para os dias quentes... E mais receitas de Fritz Brenner, refeições preparadas por terceiros, criações do restaurante Rusterman's e o grande jantar servido no encontro do Les Quinze Maîtres, descrito em Cozinheiros demais. Mesmo quem nunca leu Wolfe acaba curtindo o livro, se gosta de cozinhar; e quem não cozinha acaba gostando também, se for fã de Stout e do gordo detetive.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Os doze trabalhos de Hércules

Os doze trabalhos de Hércules
Monteiro Lobato (Brasiliense, 1995)

Mais do que um post, esse é, na verdade, um réquiem. Foi no sábado que aconteceu: minha mãe telefonou e contou que a coleção do Monteiro Lobato que eu conheço desde criancinha, a coleção verde de capa dura com meu querido Reinações de Narizinho, estava toda infestada de bichos. Há tempos eu ensaiava para levar tudo a um restaurador; os livros tinham mais de 50 anos, havia capas caindo, folhas amareladas, costuras se desfazendo em pó. Mas não me mexi. E então autorizei minha mãe a jogar tudo fora, vai que os bichinhos se espalham pelo resto da estante que eu ainda conservo na casa dela porque na minha não há mais espaço - "vai que", não; os volumes vermelhos de O mundo da criança também foram atingidos e conseqüentemente dispensados.

É claro que fiquei triste. Sei que isso aconteceu pela minha preguiça e pelo medo de gastar uma grana enorme com a restauração dos livros. Mas não me desesperei. Como eu disse à minha mãe, a coleção infantil do Monteiro Lobato se mantém vivíssima na minha cabeça e no meu coração - e espero que viva para sempre. A marquesa de três estrelinhas, os bolinhos da tia Nastácia, o palmito com mel, a canastrinha, os vestidos de gorgorão da Dona Benta, "tô vendo uma poeirinha lááááá longe...", os meninos lagarteando ao sol, brincar de não pensar, a viagem ao país da gramática, o circo da aritmética... A lista vai longe.

Escolhi Os doze trabalhos de Hércules para ilustrar esse post porque sempre foi um dos meus preferidos. Com ele, e com O minotauro, aprendi a gostar de mitologia, conheci os deuses gregos, Péricles, Aspasia e companhia, me apaixonei pela história da ninfa Eco e soube que "o figo é uma flor que se abre pra dentro". Um dia hei de encontrar a coleção de capa verde num sebo. E, quando isso acontecer, não vou esperar pra ir ao restaurador.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Papiers à la mode

Papiers à la mode
Isabelle de Borchgrave e Rita Brown (CosacNaify, 2008)

Eu preciso arrumar um tempo para ver a exposição Papiers à la mode, em cartaz no museu da Faap. Já tinha me animado ao ler uma matéria no jornal sobre o trabalho de Isabelle de Borchgrave; depois desse livro, então, o programa tornou-se urgente. É como se eu precisasse ver de perto todas as roupas da mostra para ter certeza de que são mesmo feitas de papel.

Porque é isso que Isabelle faz: reproduz, com apenas dois tipos de papel e em tamanho natural, roupas criadas desde os anos 1500 até os dias atuais. Há uma ou outra peça masculina - como uma casaca de 1760, arrematada com um foulard -, mas a maioria são vestidos arrebatadores. Rendas, bordados, babados, plissados, seda, veludo, voile, algodão, tudo é recriado com tamanha minúcia e precisão que, bem, parece de mentira. Faap, aqui vou eu.

Livro das perguntas

Livro das perguntas
Pablo Neruda (CosacNaify, 2008)

"Pablo Neruda era muito feio. Tinha um nariz que se destacava bastante da cara, e por isso não tinha amigos. Para não se entediar, deu para escrever poemas, e escreveu tantos que encheu todos os papéis que tinha em sua casa." Assim começa a impagável definição de Miguel Ángel Mouriño, 9 anos, para o autor desse livro - são dele, e de outros garotos, as minibiografias dos artistas envolvidos no projeto. No posfácio, Herrín Hidalgo conta de uma edição chilena do Livro das perguntas com respostas de crianças para as indagações do poeta. Imagino que delícia deva ser.

Não dei muita bola quando o livro foi lançado, há alguns meses, pois conheço pouco tanto de Neruda quanto do tradutor, Ferreira Gullar. Foi uma bela surpresa. À poesia dos dois juntou-se o talento ilustrador de Isidro Ferrer, autor de divertidas colagens, várias com o rosto - e o narigão - de Neruda. O título das perguntas/poemas é apenas um numeral. Como a XXXVIII, que diz:

Não crês que a morte vive
dentro do sol de uma cereja?

Também não pode matar-te
um beijo da primavera?

Crês que o luto faz avançar
a bandeira de teu destino?

Vês na caveira tua estirpe
condenada a virar osso?

domingo, 9 de novembro de 2008

Panati's extraordinary origins of everyday things

Panati's extraordinary origins of everyday things
Charles Panati (Harper USA, 1989)

Não tenho quase nada contra as livrarias brasileiras. Mas poucos lugares me deixam mais feliz do que uma livraria grandona americana, seja a Strand, a Barnes & Noble, a Borders - ou mesmo uma pequena loja com cara de filme antigo, como a Olsson's, em Washington DC. Meu grande prazer é me enfiar entre as estantes e passar uma tarde inteira, se necessário, vendo livro por livro de assuntos como culinária, moda, viagens, referência. Às vezes é tanta possibilidade que a escolha se torna impossível: diante de uma estante até o teto com biografias de John Kennedy na Strand, em janeiro, acabei saindo de mãos vazias.

Foi numa dessas incursões que encontrei esse Panati's extraordinay origins of everyday things. Inútil? Talvez. Quem é que precisa saber como surgiram os Kleenex e os esmaltes de unha? As Barbies e os abridores de lata? Mas uma boa parte de mim adora cultura inútil, e teima em acreditar que, um dia, essas informações encontrem, afinal, utilidade no que eu escrevo. E o Panati's não se limita a estabelecer a origem de objetos como papel higiênico, máquina de costura e talheres. Trata também de costumes natalinos e casamenteiros, fábulas infantis, superstições e maneiras à mesa. Outro dia mesmo eu impressionei dois interlocutores contando a história do trenchcoat. E nem foi no Panati's que aprendi!

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

O livro das frutas

O livro das frutas
Jane Grigson (Companhia das Letras, 1999)

Certa vez um homem me disse que nunca se interessou por pêssegos porque não poderia jamais comer uma fruta que fosse tão perfumada. Havia um prato de pêssegos à nossa frente, e eu peguei um deles para cheirar bem fundo, sentindo o prazer daquele perfume, enquanto pensava "perdoai, ó pai, ele não sabe o que diz". Prefiro acreditar que foi uma tentativa desastrada de fazer um comentário pseudo-profundo e engraçadinho; eu tinha que relevar, pois gostava muito da companhia desse homem.

Acabei de devorar o quarto pêssego de hoje, macio e docinho, e me lembrei desse livro de Jane Grigson, uma enciclopédia sobre frutas e algumas receitas onde elas se saem melhor. Os capítulos estão em ordem alfabética, do queridíssimo abacaxi às uvas que eu ainda não aprendi a valorizar, e no fim há apêndices sobre compotas, biscoitos e pães, cremes e preparações variadas. Volto sempre a O livro das frutas - meus dois senões são a indefinição entre o nome em português ou em inglês de algumas berries (mirtilo, cranberry, framboesa, loganberry) e a inclusão de frutas que não conhecemos, como sorva, cornisolo e ruibarbo (que nem queremos conhecer; eu, pelo menos, comi e achei que tem gosto de grama). Em compensação, tem graviola, feijoa, sapoti. Pra ficar melhor, só faltavam umas fotos.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Os homens que não amavam as mulheres

Os homens que não amavam as mulheres
Stieg Larsson (Companhia das Letras, 2008)

Adoro histórias de mistério. Adoro Agatha Christie. Adoro Harry Potter. E quando esse livro ganhou matérias nos jornais com gente dizendo que era uma ótima novidade entre as histórias de mistério, "tão fácil quanto Agatha Christie", "um fenômeno como Harry Potter", e quando eu vi que a última capa trazia elogios do Garcia-Roza e do Calligaris, não resisti. Mas devia ter desconfiado: o filme do primeiro volume já foi finalizado e estréia ano que vem na Suécia. Além disso, a Companhia das Letras providenciou uma vistosa cinta dizendo que o livro vendeu não sei quantos milhões de exemplares na Suécia e sei lá mais onde; até aí, o Paulo Coelho e o Sidney Sheldon também vendem.

Talvez o livro fosse melhor se a) o falecido autor tivesse jogado fora umas 200 das 500 páginas que escreveu; b) se dedicasse apenas ao mistério em si, e não ao sub-enredo que fica pairando por ali e que se resolve no final de uma maneira incompreensível e inútil; c) o desfecho do mistério provocasse um mínimo de surpresa e "oh!" na gente. Li em alguma resenha que os personagens são bem construídos. Não concordo. Sobre as conquistas amorosas do mocinho, Mikael Blomkvist, não dá pra entender se têm importância ou não. A mocinha, Lisbeth Salander, é o clichê supremo do desajustado, cheia de tatuagens e piercings, roupa preta, casaco de couro e comportamento anti-social. Numa cena sem qualquer importância para a trama, ela é estuprada de maneira violenta. Lá pra frente, fica ridiculamente inverossímil quando se descobre apaixonada. Mas o pior de tudo são as grandes descobertas e deduções de Blomkvist e Salander, concebidas de um jeito tão forçado, mas tão forçado, que chegam a ofender qualquer leitor de Agatha Christie. E de Harry Potter.

Classic make-up & beauty

Classic make-up & beauty
Mary Quant (Dorling Kindersley, 2007)

Já fazia algum tempo que eu não chorava tanto quanto na noite passada. O choro de tristeza é pior do que o choro de raiva, o da dor física e, claro, o da alegria e o da emoção. Parece que deixa marcas mais fundas, abre rugas que teimam em não fechar nem com cremes moderníssimos, transforma lágrimas e secreções num só jorro salgado que ao mesmo tempo alivia e causa repulsa.

Portanto hoje, quando acordei, o espelho denunciou as marcas do choro e da noite mal dormida. E eu só consegui adquirir segurança suficiente pra levantar a cabeça e sair para o trabalho depois de meia hora usando os truques desse livro para desinchar os olhos e dar ao rosto uma aparência menos abatida. Classic make-up & beauty ensina, com centenas de fotos e passo-a-passos instrutivos, como reconhecer seu tipo de pele, passar blush, pintar direito os olhos para valorizá-los e aumentá-los - foi a minha salvação matinal. Então eu descobri que maquiagem, além de muito importante para o meu bem-estar, pode ser de ajuda fundamental nos dias em que a tristeza parece estampada na cara.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Dicionário tradutor de gastronomia em 6 línguas

Dicionário tradutor de gastronomia em 6 línguas
Roberta Malta Saldanha (Antonio Bellini Ed., 2007)

Quem gosta de cozinhar acaba se deparando, mais cedo ou mais tarde, com textos e receitas em outros idiomas. Inglês eu domino (e já aprendi, mais ou menos, a calcular de cabeça a equivalência entre o sistema métrico e o imperial). Francês, nem tanto, mas ainda assim me arrisco nos pratos simples de Recettes insolites (Hachette, 2002), presente de um amigo querido.

Para essas consultas - e para a agradável tarefa de traduzir livros culinários -, esse dicionário vem a calhar. A partir do português, em capítulos como aperitivos, açúcares e afins, embutidos, legumes, verduras e cogumelos, molhos, ovos e técnicas culinárias, cada termo tem seu equivalente em inglês (e inglês britânico, quando for o caso), espanhol, italiano, francês e alemão.

Calvin e Haroldo - Tem alguma coisa babando embaixo da cama

Calvin e Haroldo - Tem alguma coisa babando embaixo da cama
Bill Watterson (Conrad do Brasil, 2008)

Por muito tempo, eu tive medo de viajar de avião. (Hoje, pelo menos, o kit "comprimidos tarja-preta/máscara de olhos /travesseiro de pescoço /protetores de ouvido" garante uma noite tranqüila e sem preocupações durante o vôo.) E, por todo esse tempo, uma das poucas coisas que desviavam minha atenção de todo barulho suspeito, aviso do piloto e luzes sinistras eram os livros de Calvin e Haroldo. Até na pior situação dá pra achar graça nas tirinhas do moleque e seu tigre de estimação.

Calvin acredita que seu bicho de pelúcia é de verdade, tem medo dos monstros debaixo da cama, faz constantes pesquisas de aprovação sobre o comportamento do pai e deixa a mãe doida - em resumo, aproveita a vida de uma criança de 6 anos que, além de inteligente, é criativa pra caramba. Um adorável pestinha e seu invejável melhor amigo, ambos cheios de tiradas filosóficas melhores que muito livro adulto circulando por aí.

As brumas de Avalon

As brumas de Avalon
Marion Zimmer Bradley (Imago, 1989)

Eu tinha uns 15 anos quando essa série de quatro ou cinco livros foi lançada e virou febre no país. Todo mundo lia. E lá fui eu, pegar os dois primeiros volumes emprestados de uma tia, para desvendar quais mistérios poderia ocultar a história do Rei Arthur contada pela perspectiva feminina. Putz, era uma complicação. Demorou um pouco até eu entender quem era quem - vários nomes de personagens usados por Marion Zimmer Bradley não correspondiam aos nomes que a gente aprendeu; Guinevere virou Gwynhefar, por exemplo. Horrível.

Então o primeiro volume foi lido meio aos trancos e barrancos, mas ainda assim tive vontade de continuar e conhecer o resto da história. No segundo, desandou. Achei tudo chato, fiquei irritada com aquela coisa de "você não pode fugir do seu destino", muito personagem não fazia nexo... Abandonei. Algum tempo depois, dei outra chance pra Marion Z. B. com um livro sobre Cassandra e outras personagens da mitologia grega; não me lembro do nome. Mas a fórmula era a mesma. Larguei também.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

The complete English poems

The complete English poems
John Donne (Penguin, 1986)

O livro sobre o qual vou falar não é esse aí ao lado, que escolhi como ilustração e link na falta da edição (meio que roubada) que eu tenho - um volume fininho chamado John Donne, o poeta do amor e da morte (J.C. Ismael Editor, 1986), com introdução, seleção, tradução e notas de Paulo Vizioli. Deve ter saído de campo há décadas: na Livraria Cultura não há referência nem como esgotado e os 18 resultados do Google são quase todos citações.

Eu já escrevi aqui várias vezes que meu poema preferido em língua inglesa é Ephemera, do Yeats. Mas nunca disse que o John Donne também tem seu lugar no meu Top Ten. É A valediction: forbidding mourning, um belíssimo poema de despedida e de promessa que me causa, a cada leitura, o mesmo arrepio de emoção nos versos finais. Taí: nunca tinha me ocorrido que despedida e promessa também estão no cerne de Ephemera. E não é por acaso.

Dicionário de suicidas ilustres

Dicionário de suicidas ilustres
J. Toledo (Record, 1999)

Tá, é bizarro. Mórbido. Freak. Doentio. Mas suicídio - o tema - me atrai muito. Se tem gente disposta a escrever sobre o assunto, eis-me aqui disposta a ler (estou ansiosa pelo lançamento de Suicídio - O futuro interrompido, da jornalista Paula Fontenelle, que deve sair por esses dias). Uma das atitudes mais comuns diante de gente que se matou é dizer "um covarde". O escambau! Estar ali, à beira da morte, e decidir-se por ela, é coisa de uma coragem sem tamanho.

Então essa obra de J. Toledo é uma excelente referência a respeito, com duas características muito bacanas e outras duas questionáveis. As bacanas: a inclusão de personagens de ópera e literatura (e como tem figura cantante que se mata!) e a identificação da bibliografia correspondente logo abaixo de cada verbete. Por outro lado, a maior parte dos "suicidas ilustres" é, na verdade, formada por ilustres desconhecidos - como o francês François Buzot (século 18), o inglês Charles Blount (séc. 17), a brasileira Elsie Houston (começo do século 20), o inglês Barney Barnato (século 19). E, por fim, Toledo inclui entre os suicidas gente como Marilyn Monroe, Chet Baker e Linda McCartney, que morreram sem que se saiba exatamente se foi de caso pensado ou não.

domingo, 26 de outubro de 2008

O livro no Brasil

O livro no Brasil
Laurence Hallewell (Edusp, 2005)

Primeiro eu procurei esse livro por sebos de todo o canto. Depois soube que havia sido relançado, numa edição ampliada - mas quase caí pra trás quando vi o preço. Um dia, na Cultura, ele quase me convenceu a comprá-lo, da mesma forma que eu também tentaria convencê-lo. Fiz bem em esperar. Alguns meses depois, ele herdou a biblioteca da avó. E entre as dezenas de volumes que saíram das caixas empoeiradas estava lá a primeira edição de O livro no Brasil, lançado em 1985. E que acabou em minhas mãos.

Não é tão bonita ou portentosa quanto o volume da Edusp, mas o que importa está lá: informações sobre o mercado editorial no Brasil desde que surgiu até meados dos anos 80. O livro não trata, portanto, do significativo surgimento da Companhia das Letras, em 1988, mas isso é o de menos. O que não falta, no volume de 1985, é material para pesquisa. E trabalho.

Atualização (13/11/08) - Demorou, mas aconteceu. Escrevi dois posts sobre o mesmo livro - e com apenas três meses de diferença entre um e outro. Pelo menos não fui incoerente: minha opinião sobre a obra e a historinha de como eu cheguei até ele estão contadas da mesma maneira nos dois textos...

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Gray's anatomy

Gray's Anatomy
Henry Gray (Barnes & Noble, 1995)

Ganhei do meu irmão esse fac-símile que a Barnes & Noble lançou do Gray's anatomy de 1901, então na 17ª edição. Adorei; acho o corpo humano fascinante e cada descoberta sobre ele me faz querer saber mais. E, embora eu também concorde quando Arnaldo Antunes diz que "o corpo ainda é pouco", sua capacidade de adaptação surpreende: é bacanérrimo saber que, se eu perder o baço, outros órgãos começarão a produzir anticorpos - mas isso eu aprendi em outro lugar.

Ontem eu peguei o Gray's anatomy, como faço de vez em quando, dessa vez pra ler sobre o fígado. Li por pelo menos meia hora até perceber que não estava prestando a menor atenção. "Na parte anterior ele é assim, na posterior é assado... O lado direito faz isso, o esquerdo faz aquilo..." Não tenho nenhum problema hepático. Na verdade, queria saber sobre o fígado real pra tentar entender o figurado.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

O barão nas árvores

O barão nas árvores
Italo Calvino (Companhia das Letras, 1991)

Essa semana eu encontrei um pedacinho do passado e foi bom ver que, por mais que certas coisas não possam ser de novo o que já foram, a lembrança que vai existir pra sempre é bonita e carinhosa, uma lembrança que a gente sempre pode retomar pra se sentir reconfortado, quando preciso. De uma maneira menos tortuosa do que pode parecer, esse livro causa em mim o mesmo efeito: pensar nele traz uma sensação de aconchego que eu sinto apenas diante de coisas cheias de lirismo e beleza.

Na leitura de alguns - principalmente de quem não vê o sutil valor de Calvino -, O barão nas árvores não passa de uma fábula ingênua. Pra mim, não é. A história de Cosme Chuvasco de Rondó, um nobre rapaz do século 18 que, num certo dia de sua vida, resolve viver em cima das árvores, está cheia de uma ironia inteligente e de uma delicada poesia. Do alto, Cosme vê melhor a vida aqui embaixo. Acompanha as idas e vindas de sua família. Apaixona-se por Viola. E permanece firme ao propósito de nunca mais descer.

domingo, 19 de outubro de 2008

The little black book of style

The little black book of style
Nina Garcia (Harper USA, 2007)

Gostei tanto do The One Hundred que pedi à querida Rosie que trouxesse pra mim, dos Estados Unidos, esse primeiro livro de Nina Garcia. Ótima leitura sobre moda e estilo. Assim como na obra de 2008, a autora não está interessada em ditar regras e dizer o que cada um deve vestir em qual ocasião. Ao contrário: Nina encoraja os leitores a pensar sozinhos, seguindo alguns conceitos básicos que ajudam não só na hora de abrir o armário, mas também no momento de sair para fazer compras.

Por exemplo: arrume, sem dó, seu guarda-roupa. Doe tudo aquilo que não usa há anos, que não serve mais, que não cai bem. Uma prateleira com cinco camisetas bacanas é melhor do que uma com 25 que você não quer usar. Ao falar sobre sapatos, acessórios, misturas interessantes, como lidar com seus pontos fracos, no que vale a pena investir, Nina Garcia prova que criar um estilo próprio ajuda, sim, a aumentar sua confiança e auto-estima. Importantíssimo.

sábado, 18 de outubro de 2008

Vale das vertentes

Vale das vertentes
Giselda Laporta Nicolelis (Moderna, 1983)

Uma família em férias num condomínio em Serra Negra, um grito alarmante e misterioso, a "louca da serra", uma turma de amigos e, por fim, um segredo escondido há séculos dentro de uma gruta. Não tenho idéia de como a garotada de hoje encara essa história - quando eu li, com uns 13 ou 14 anos, adorei. Tem uma dose pequena e suficiente de mistério, um climinha de romance e, principalmente, uma narrativa leve e cheia de brincadeiras, mas dessas que me fazem ter dúvidas sobre a compreensão (e o interesse) dos adolescentes de hoje.

De Giselda Laporta Nicolelis li alguns outros livros, entre eles um bem bacana e emocionante, O fio da meada. Infelizmente, a única coisa que me lembro dele é isso: era bacana e emocionante, e tinha uma capa azul-claro (ou amarelo-claro). Ah, era de mistério. Eu sempre gostei de romances policiais e livros de mistério, como os de Stella Carr e seus incríveis Irmãos Encrenca. Será que ainda existe isso hoje?

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

O fantasma de Canterville

O fantasma de Canterville
Oscar Wilde (L&PM, 2006)

Primeira surpresa: ao procurar por esse livro no site da Livraria Cultura para colocar um link no post, só encontrei essa edição dirigida, ou pelo menos assim acredito, ao público adulto. O restante é infanto-juvenil. Será que os textos são adaptados? Será que pré-adolescentes conseguem aproveitar a ironia de Wilde? Segunda surpresa: pelo jeito, a L&PM também foi a única editora a incluir mais contos no livro, como "O príncipe feliz", "O pescador e sua alma". E os outros? Onde ler, hoje, "O gigante egoísta", "O rouxinol e a rosa", "O aniversário da infanta"?

Na antiga edição que eu tinha, todos estavam reunidos sob o título O fantasma de Canterville e outras histórias, se bem me lembro. E então dava pra rir (com o próprio ...fantasma..., uma assombração que acaba assombrada pela família americana que vai morar na casa em que ele vive) e chorar (com o tristíssimo sacrifício inútil de "O rouxinol e a rosa") à vontade. Oscar Wilde é sempre uma inspiração.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Japanese cooking

Japanese cooking - A simple art
Shizuo Tsuji (Kodansha, 1980)

Jeffrey Steingartein, o homem que comeu de tudo, disse que esse não é apenas o melhor livro sobre cozinha japonesa que existe: é um dos melhores livros sobre cozinha já escritos. Ponto. E não dá pra desconsiderar a opinião do homem. Vai daí que encomendei o meu pela Amazon, há alguns anos, e adorei. Só de introdução à culinária japonesa há umas 150 páginas, entre o ótimo capítulo sobre ingredientes, utensílios em geral, diversos tipos de facas, a melhor maneira de cortar e fatiar o que vai ser servido...

Depois vêm as receitas que, infelizmente, são um pouco difíceis de reproduzir aqui. A começar pelo básico dos básicos, o dashi, caldo que entra na preparação de quase tudo que não seja sushi e sashimi. O Demian conta que a avó dele fazia dashi em casa, cozinhava a alga, ralava o peixe... Até dá pra achar tudo na Liberdade, mas e o tempo e a disposição pra preparar receitas tão poéticas? Ainda assim, o Jeffrey Steingarten não deixa de ter razão. Cheio de ilustrações didáticas e explicações idem, Japanese cooking é mesmo um dos melhores livros sobre cozinha já escritos. Ponto.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Big Loira

Big Loira e outras histórias de Nova York
Dorothy Parker (Companhia das Letras, 1987)

Eu nunca sei muito bem o que responder quando alguém vem com aquelas perguntas idiotas e divertidas, como "em que outra época você gostaria de ter vivido?". Acho que em várias. Na virada do século 19 para o 20, no Rio de Janeiro. Ou no Rio dos anos 50. Durante a Semana de Arte Moderna em São Paulo. E na Nova York dos anos 20, quando a turma de Dorothy Parker ia encher a cara na Round Table do hotel Algonquin - quem sabe assim eu não confundiria mais tipos como Alexander Woollcott, Harold Ross, Edna Ferber e outros frasistas que o Ruy Castro vive citando.

Não sou muito chegada em contos, nunca fui. Mas Big Loira é daquele tipo de livro que sempre pego, e para reler sempre o mesmo texto: "Um telefonema", as melhores seis páginas já escritas sobre a paranóia que devasta uma mulher à espera da ligação do ser amado. Toda, toda mulher já passou por isso. Ameaçou jogar o telefone na parede. Rezou implorando pro aparelho tocar. Fez promessas em troca do trimmm-trimmm imediato. E nada. Nessas horas, o único consolo é pensar que nada mudou: os homens dos anos 20 também custavam a telefonar.