sábado, 31 de maio de 2008

A ditadura envergonhada

A ditadura envergonhada - Volume 1
Elio Gaspari (Companhia das Letras, 2002)

Se eu tenho problemas com biografias e mal me consigo lembrar da vida de Assis Chateaubriand, por exemplo, o que dirá da brilhante coleção de Elio Gaspari sobre a ditadura brasileira. Vários nomes desconhecidos, um atrás do outro, são uma tortura pra mim: tenho de voltar páginas para relembrar quem são e o que fizeram, ou por que são importantes - e preciso admitir que, dessa parte da História do Brasil, eu sei quem foram os presidentes e olhe lá.

Portanto, A ditadura envergonhada e os três livros subseqüentes da coleção As ilusões armadas entram aqui como menção honrosa à maneira exemplar como Elio Gaspari dispôs as informações a que teve acesso. Não só recheiam um texto primoroso como estão indicadas em precisas notas de rodapé, que dizem se ele conseguiu tal número, ou declaração, ou qualquer outra coisa, em entrevistas com a fonte tal, em diários de não sei quem, em documentos do governo, e assim por diante. Se todos os livros históricos ou do chamado jornalismo literário tivessem esse cuidado, nossa literatura seria mais feliz.

Chatô, o rei do Brasil

Chatô, o rei do Brasil
Fernando Morais (Companhia das Letras, 1994)

Eu tenho um problema com biografias portentosas, como essa de Assis Chateaubriand: pouco depois de acabar o livro, acabo me esquecendo da maioria dos fatos recém-lidos. Isso sempre me deu aflição, até que resolvi curtir o durante da leitura e deixar de me preocupar com o depois. Se eu esquecer, azar. (Acho que me lembrei de escrever sobre a biografia do Chatô porque acabei de comprar o novo tijolão de Fernando Morais, a biografia do Paulo Coelho. E porque percebo com tristeza que várias passagens da vida da princesa Diana também já sumiram da minha memória.)

Na maioria das vezes, felizmente, a impressão que tive do livro permanece. Gostei de Chatô. Mas admito que da história do nordestino que veio do nada e virou dono de jornais, milionário, figura influente etc etc etc, já não sei quase nada. Do que me lembro: a ida de Chatô doente à Inglaterra, para a coroação da rainha Elizabeth II; a criação do Masp; uma festa com Danuza Leão fantasiada de cangaceira; o final solitário, só com enfermeiros e fisioterapeutas, num casarão em São Paulo. Mas do que eu queria mesmo me lembrar era a história dos Diários Associados. Que droga.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Password

Password
Lionel Kernerman (Martins Fontes, 2005)

Não nego que pareça estranho falar de um dicionário num blog sobre afetividades literárias. Mas leituras e dicionários andam (ou deveriam andar) de mãos dadas. E esse Password - English dictionary for speakers of Portuguese está entre os melhores que encontrei ultimamente, uma ferramenta que não apenas traduz a palavra desconhecida para o português como dá o significado dela... em inglês. Assim:

baffle - verb to puzzle (a person). I was baffled by her attitude towards her husband. desconcertar
earl - noun a British nobleman between a marquis and a viscount in rank. conde

Ótimo, não? Eu estou acostumada a ler em inglês e sou daquelas que, antes de correr pro dicionário, tenta intuir o significado da palavra pelo contexto da frase. Mesmo assim, não é raro pedir ajuda ao livrinho - o bacana desse Password é que ele dá a chance da gente pensar, antes de pular pra tradução pura e simples (e fácil). E ainda vem com um glossário português-inglês que fica ali bem à mão para, nas horas mais necessárias, nos lembrar que, sei lá, insatisfeito, em inglês, é disgruntled.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

The Marilyn Encyclopedia

The Marilyn Encyclopedia
Adam Victor (Overlook Press, 2002)

Primeira surpresa: Marilyn Monroe era, sim, uma boa atriz. Segunda: foi uma mulher extremamente infeliz, mesmo tendo o mundo e os homens a seus pés. Como eu queria saber mais sobre a estrela e não tinha a indicação de nenhuma boa biografia, e como saber de Marilyn é também olhar deslumbrada para suas fotos, mandei vir essa Encyclopedia pela Amazon, alguns anos atrás. Bom negócio.

Como o nome deixa explícito, o livro é composto por verbetes em ordem alfabética, à maneira das enciclopédias - vai de academy awards (ela nunca ganhou o Oscar) a Wyman, Jane (atriz que se casou com Fred Karger, um antigo amor de Marilyn). No meio disso tudo, os três maridos, os amantes, os amigos, os filmes, os projetos que ela considerou, os remédios, os médicos, o Globo de Ouro por seu papel em Quanto mais quente melhor, seus protetores e professores, a família desequilibrada e centenas de fotografias que a mostram desde que era a morena Norma Jeane Baker até se transformar na loira esplendorosa que ficou marcada na memória coletiva mundial. Mito, sim; mas também insegura, gordinha, sofredora, infeliz - humana.

domingo, 18 de maio de 2008

Meu destino é pecar

Meu destino é pecar
Suzana Flag (Agir, 2007)

Meu interesse por Nelson Rodrigues aumentou depois de ler a ótima biografia escrita por Ruy Castro, O anjo pornográfico. Já havia visto algumas de suas peças - Vestido de noiva é minha preferida - e então parti para as obras básicas, como O casamento e Asfalto selvagem. Mas minha maior diversão, até hoje, são mesmo os folhetins que ele escreveu sob o pseudônimo de Suzana Flag, e que ajudaram a aumentar pra caramba a audiência dos jornais onde eram publicados - segundo consta, a tiragem do carioca O Jornal subiu de 3 mil para 30 mil exemplares em 1944, quando surgiu Meu destino é pecar.

É preciso tirar o chapéu: só mesmo um escritor de primeira para dar à trama um título de dramalhão mexicano, abusar dos clichês e do politicamente incorreto, virar o enredo de cabeça pra baixo conforme a conveniência, levá-lo à beira do absurdo e continuar bom. Muito bom. Apesar de divertidíssima, ao menos para quem embarcar no espírito da coisa, a história é o de menos - bela jovem casa-se a contragosto com um tipo durão e aleijado (genial!), apaixona-se pelo cunhado bonitão, sofre nas mãos da sogra e, no final, descobre o amor verdadeiro. Importante mesmo é ver a competência e segurança com que Nelson Rodrigues trata toda essa bobajada.

O jogo da amarelinha

O jogo da amarelinha
Julio Cortázar (Civilização Brasileira, 1999)

Ler é muito mais bacana quando se pode conversar sobre o livro em "uso" com alguém que esteja na mesma toada, ou que tenha recém-lido a mesma obra. Falar sobre o enredo, os personagens, a maneira como o autor tratou as situações, discutir a trama e as soluções narrativas é quase tão prazeroso quanto acompanhar a história em si. Algumas vezes eu tive esse privilégio - li Precisamos falar sobre o Kevin pouco depois de uma amiga muito inteligente, com quem foi ótimo conversar, e um querido amigo me telefonava de Nova York para comentarmos as belas poesias de Macau.

O jogo da amarelinha pode ser lido de duas maneiras: na ordem seqüencial dos capítulos ou seguindo as instruções de Cortázar, que ao fim de cada episódio indica para onde o leitor deve seguir - começa no 73, volta para o 1 e o 2, pula para o 116, retorna para o 3 e assim por diante. Por motivos diferentes (ou por obras diferentes), nós dois éramos fãs de Cortázar. E resolvemos ler O jogo da amarelinha ao mesmo tempo, cada um numa ordem: ele na seqüencial, eu no pula-pula. Por várias razões, não consegui terminar a leitura; e depois do capítulo 68, nada mais teria graça. Não sei como descrevê-lo; é um primor da invenção de palavras, de significado, de genialidade. Virou minha obsessão, quis ler o original em espanhol para ver se as palavras eram as mesmas do português. Eram.

Ele seguiu até o último capítulo e, quando insisti, me contou o fim da história. Ele comprou uma velha edição de O jogo da amarelinha em espanhol, Rayuela, e me deu o livro para que eu arrancasse a página do capítulo 68 e mandasse emoldurar, como eu queria. Nunca tive coragem de arrancar a página do livro. E ele perdeu a chance de viver o capítulo 68, na prática, com a única pessoa que entenderia.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

O conto do amor

O conto do amor
Contardo Calligaris (Companhia das Letras, 2008)

Toda quinta-feira, quando abro a Ilustrada, fico naquela dúvida boba entre ler logo a coluna do Contardo Calligaris ou "guardá-la" pra depois de outras notícias. Gosto muito do que ele escreve, de sua capacidade de falar de nossos sentimentos e ações de uma maneira leve, geralmente calcada em algum acontecimento ou filme recente, de um jeito que sempre me deixa com vontade de refletir mais sobre o assunto. Por isso fiquei em dúvida quando soube do lançamento de seu primeiro romance. Seria tão bom quanto as colunas?

O fato é que o livro - ainda bem - não tem nada a ver com as colunas. Acho que teria sido muito chato um romance com bases psicanalíticas ou só analíticas, mesmo. Não sou crítica literária. Poderia escrever sobre a premissa estranhíssima do livro (que, segundo contou Calligaris numa palestra, aconteceu de verdade), sobre a desnecessária inclusão de uma personagem brasileira na trama. Mas li O conto do amor com a leveza que ele pede, com a vontade apenas de saber o que aconteceria com Carlo e Nicoletta, de conhecer a história dos quadros. Na mesma Ilustrada que publica a coluna de Calligaris, um crítico falou que o romance se insere na tradição de O nome da rosa. Nada mais distante da verdade; duvido que tenha sido essa a intenção do autor e muito menos o resultado. De novo: por isso é bacana, pela simplicidade. E fiquei muito contente com o final, socialmente incorreto. Boa surpresa.

sábado, 3 de maio de 2008

Diana - Crônicas Íntimas

Diana - Crônicas Íntimas
Tina Brown (Ediouro, 2007)

Ela foi o grande ícone feminino da minha geração. Primeiro com aquele casamento, que todo mundo chamou de "o casamento do século" e que eu vi maravilhada pela TV, encantada com o vestido que hoje me dá tremelique só de olhar. Depois porque em qualquer jornal ou revista lá estava ela, sorridente e deslumbrante, cada vez mais bonita e muito mais bem vestida à medida em que os anos se passavam. Aí o conto de fadas chegou ao fim, mas Diana continuou mostrando que era ícone quando mandou tudo às favas, falou o que quis, assumiu as infidelidades e o distúrbio alimentar, resolveu ser feliz. E então morreu, aos 36 anos, num estúpido acidente de carro.

Eu chorei quando Diana morreu, chorei o dia inteiro deitada no sofá em frente à TV, enquanto suas imagens e as notícias do acidente passavam sem parar. Mas depois daquele domingo, depois do funeral e do polêmico discurso de seu irmão, o Conde Spencer, o assunto ficou chato. Papparazzi, a família real, quem tinha matado a princesa? Um motorista bêbado e irresponsável, eu pensava, e nunca tive curiosidade de ler nada a respeito, nem as dezenas de livros que se seguiram, o biográfo "escondido" (Andrew Morton), o ex-mordomo (Paul Burrell), o ex-amante (James Hewitt). Mas quando soube que Tina Brow, ex-Vanity Fair, ex-New Yorker, estava trabalhando numa biografia de Diana, fiquei animada. Finalmente alguém que eu respeitava iria escrever sobre ela.

O livro é muito bom. Tina Brown fez a lição de casa direitinho, entrevistando gente que tinha o que dizer e tirando informações, devidamente creditadas, de quem já havia pesquisado e escrito antes sobre Diana, Charles, Camilla etc. Não sei até que ponto isso já era conhecido pelos dianamaníacos, mas me surpreendi com várias informações do livro, como:
a) a jovem lady, por causa da família Spencer, já se relacionava com a família real desde criança;
b) a jovem lady meteu na cabeça que iria se casar com o príncipe e fez disso sua meta;
c) Diana sabia da ligação de Charles com Camilla antes mesmo deles se casarem;
d) Charles, aliás, era um verdadeiro galinha até se casar (eu achei que ele pudesse ser gay);
e) Diana podia ser temperamental e cruel com empregados ou outros membros da família real;
f) Charles não tinha o menor interesse sexual em sua mulher;
g) Diana, no fundo, acreditava ser capaz de viver o papel de princesa de conto de fadas e, com ele, suprir uma série de carências afetivas que começaram quando a mãe foi embora de casa para viver com outro homem;
h) Diana não gostava nem aprovava o comportamento de Dodi Al Fayed, e só se envolveu com ele para tentar curar a dor-de-cotovelo de ter sido deixada pelo namorado, um médico paquistanês. O fim de semana em Paris seria o último que ela pretendia passar com Dodi.

Ainda assim, senti falta de algumas informações e explicações sobre o modo de vida real. Diana vivia separada do príncipe em seus aposentos no Kensington Palace, mesmo quando ainda eram casados? Quem pagava suas contas no período de separação antes do divórcio, quando sua conta bancária engordou em 17 milhões de libras? Por que ela teve de morar em Buckingham no período entre o noivado e o casamento? São curiosidades que ficaram e certamente me farão procurar algum outro bom livro sobre a família real britânica. Mas Tina Brown conseguiu escrever o livro que eu considero definitivo sobre Diana, a princesa que continua sendo um ícone.

PS. Usei a foto do livro que li, em inglês, primeiro porque a capa brasileira é horrível, ainda que tenha uma foto de Diana, e depois porque o nome original, The Diana Chronicles, é muito mais inspirado que sua pífia tradução literal.