domingo, 18 de julho de 2010

O mistério do leão rampante

O mistério do leão rampante
Rodrigo Lacerda (Ateliê Editorial, 2005)

Tem uma coisa que me deixa com muita raiva: livro que termina antes de chegar ao final. Esta edição de O mistério do leão rampante tem 160 páginas - mas a história acaba na 107. É que, ao publicar um volume comemorativo pelos dez anos da obra, a editora incluiu nele um texto chamado Confissões de Fabrius Moore, continuação da trama original. Sem nenhum aviso na capa. Tá certo que sou responsável pela frustração de chegar ao fim da história sem chegar ao fim do livro: não vi, na folha de rosto nem no sumário, que o Confissões... também fazia parte da edição. Mas não costumo ler folha de rosto. Nem sumário.

Tinha vontade de ler O mistério... desde seu lançamento, em 1995, mas, por um motivo ou por outro, não li, o tempo passou e nunca mais encontrei a obra nas lojas. Então fiquei feliz em comprar (por menos da metade do preço, na feirinha da FFCLH, ano passado) esta edição elegante, capa dura, com ilustrações de Negreiros. Os livros têm, para mim, enorme apelo táctil e visual - que acaba sendo inócuo se o que vem dentro não for bacana e bem-escrito. Pois gostei, tanto da história cômica e meio nonsense quanto da narrativa irônica, que dá voz a Valfredo Margarelon. Filho adotivo do Conde de Shropshire, ele vem a público, em 1602, para defender sua prima Maria Margarelon da calúnia a ela imposta por "três elementos nocivos à ordem e aos bons costumes do reino inglês" (um deles, um tal de Guilherme Shakespeare). Mas o comportamento da prima, segundo Valfredo, teve razão de ser: sonhos constantes com o tal leão do título, que levaram a moça primeiro a um estado de apatia profunda e, depois, de amalucada obsessão.

domingo, 11 de julho de 2010

Elza, a garota

Elza, a garota
Sérgio Rodrigues (Nova Fronteira, 2009)

Narrar de forma interessante uma história quase desconhecida e tão mal-contada pelas fontes oficiais não é tarefa fácil. Pra começar, quase não há assunto: Elvira Cupello Calônio, a Elza do título, teve uma vida curta e desprovida de grandes emoções, a não ser pelo fim violento. Foi do interior de São Paulo para o Rio de Janeiro, apaixonou-se, levou uma vidinha comum e passou uns dias na prisão por causa de seu namorado, capturado pela polícia de Getúlio Vargas depois da Intentona Comunista de 1935. Solta pelas autoridades, buscou abrigo na casa de amigos. E morreu assassinada, aos 21 anos - ou seriam 16? -, tida como traidora da causa revolucionária.

Se a trama parece familiar, é porque guarda algumas semelhanças com a de outra figura histórica, essa tratada em best-seller, e fruto da mesma época: Olga Benário. Olga, mulher de Luiz Carlos Prestes, atuava no Partido Comunista soviético e, depois de presa, foi mandada para a morte, na Alemanha nazista, pelo governo brasileiro. Elza era amante de Miranda, secretário-geral do PC no Brasil, e uma série de suposições feitas por membros do partido no Rio de Janeiro - Prestes inclusive - levou a seu assassinato, cometido pelas mesmas pessoas em quem confiou quando saiu da prisão, no começo de 1936.

Sérgio Rodrigues usou de um expediente engenhoso para contar a vida de Elza: dividiu a trama em duas narrativas, uma real e outra fictícia. Na real, que aparece no começo de cada capítulo, conta de sua pesquisa em busca de informações sobre Elza, transcreve trechos do processo que condenou os assassinos, reproduz partes da correspondência de figuras-chave para o caso, como o próprio Luiz Carlos Prestes. A fictícia também trata da História, agora em maiúsculas, ao colocar em cena um velho doente que recorre a um jornalista para escrever suas memórias. Testemunha da revolução frustrada de 1935, Xerxes conta a Molina como conheceu Elza, fala de sua participação numa passeata contra os integralistas e vai alinhavando os acontecimentos da época numa fala quase sempre nítida em detalhes. Assim como Molina, eu também me encantei pelo assunto. E, com este livro, aprendi mais sobre o passado revolucionário do país do que me deixam lembrar as aulas de História.

A melhor seleção do mundo

A melhor seleção do mundo
Eugenio Goussinsky e João Carlos Assumpção (Brasiliense, 2010)

A melhor seleção do mundo é a Espanha, como se viu hoje, mas o livro trata mesmo é do time do Brasil. Com ilustrações muito simpáticas de Gustavo Rosa, os autores contam, para crianças, histórias do grupo brasileiro desde que ele surgiu oficialmente, em 1914, quando ganhou de 2 a 0 de um clube chamado Exeter City. Falam da evolução do uniforme canarinho, traçam um panorama da participação do país em Copas do Mundo e, principalmente, falam de jogadores que marcaram época, como Zizinho, Didi, Pelé, Garrincha, Taffarel, Romário e Ronaldo.

Este já é o segundo livro sobre futebol que meu amigo João Carlos Assumpção, o Janca, escreve em parceria com Eugenio Goussinsky. Em 1998, eles lançaram Deuses da Bola, pela editora DBA, também sobre a seleção brasileira. Para minha sorte, tenho os dois livros - e autografados.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Hotel stories

Hotel stories
Francisca Matteoli (Assouline, 2002)

A editora americana Assouline é quase uma prima da alemã Taschen: ambas publicam volumes artísticos, feitos do melhor papel disponível, com uma seleção de temas e um cuidado gráfico pouco vistos por aí. São livros geralmente caros - embora de vez em quando eu consiga encontrar algumas pechinchas, como essa, e já tenha ganhado de presente outras obras da Taschen- e há muitos exemplares feitos para colecionadores, com preços que passam fácil dos US$ 300 e chegam a mais de US$ 1000.

Por motivos profissionais - e um preço bem mais razoável -, comprei em Miami este Hotel stories, certa de que estava adquirindo um livro bonito para me distrair com as situações vividas por uma série de celebridades em hotéis famosos ao redor do mundo. Bem, o livro é bonito. E as histórias de gente como Truman Capote (e suas festas no Plaza de Nova York), Dorothy Parker (e a Round Table no Algonquin), Agatha Christie (e um mistério envolvendo o hotel Pera Palace, em Istambul), Marilyn Monroe e Yves Montand (e o caso que tiveram no Beverly Hills Hotel, em Los Angeles, durante as filmagens de Adorável pecadora) são mesmo deliciosas. Mas, desta vez, a tentativa artística da Assouline não deu muito certo - não, pelo menos, para mim. Talvez na intenção de deixar as páginas com cara de antigas, já que muitas têm fotos de época, a fonte tipográfica usada no livro tem umas falhas, propositais, que tornam a leitura cansativa. Também senti falta de legendas nas imagens, pra saber quem eram os retratados, que partes do hotel eram aquelas ou quando as fotos foram feitas. Vai pra conta da minha chatice.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

I love your style

I love your style
Amanda Brooks (itbooks/HarperCollins, 2009)

Pelo preço dos livros no Brasil, esta edição americana, impressa num papel bacana e cheia de boas fotos, nem está tão cara: R$ 48,58, um equivalente razoável aos US$ 19,99 originais (sem contar os impostos que se pagam por absolutamente qualquer coisa comprada nos Estados Unidos, e que variam de acordo com o estado; são 7% em Miami). Mas vale, mesmo, por ter sido um dos melhores livros sobre estilo que li nos últimos tempos: é, certamente, um título que eu recomendaria a quem está começando a se interessar pelo assunto, ao lado de The little black book of style, The one hundred e Esquadrão da Moda.

Amanda Brooks, a autora, é uma consultora de moda bem-nascida e de extremo bom gosto que não tem pudor em escrever sobre suas preferências, ainda que polêmicas ("Acho ok usar casacos de pele, mas não estou aqui para sugerir que você deva fazê-lo"), nem de incrementar o livro com várias fotos suas, mesmo que em momentos de vergonha fashion - a galeria da página 24 me fez dar boas risadas ao me lembrar de alguns desastres saídos do meu próprio armário no passado. Mas o melhor de tudo é que, como todo bom livro do gênero, ela não dita regras, e sim afirma, o tempo todo, que cada mulher tem um estilo particular e que o importante, mesmo, é descobri-lo para que seja cada vez mais valorizado.

Ainda assim, Amanda Brooks dá umas diretrizes para quem é perdido no assunto ou para quem quer relembrar alguns conceitos. Começa por dividir o livro em capítulos sobre os estilos clássico, bohemian, minimal, high fashion, street e eclético - acho que sou uma mistura do eclético com o clássico, embora aqui e ali use umas flores exageradas na lapela e capriche nos sapatos diferentes; são marcas do meu estilo. No fim, fala sobre diversos jeitos de comprar: roupas básicas, em brechós, em lojas de design e redes de marcas mais populares. Tudo isso ilustrado por centenas de fotos, preto-e-branco e coloridas, em que aparecem, além dela própria, gente como Jacqueline Kennedy, Sofia Coppola, Bianca Jagger, Chloë Sevigny, Catherine Deneuve, Audrey Hepburn, Agyness Deyn, Kate Moss, Angelina Jolie e tantas outras. Não porque elas são lindas ou magérrimas ou ricas, mas porque têm estilo, porque sabem se vestir de acordo com a própria personalidade. Tem mais: ao final de cada capítulo há uma série de indicações inspiradoras de livros e filmes.

Quando comecei a ler o livro e vi a quantidade de fotos da autora, achei que ia encontrar mais um daqueles volumes feitos só para afagar o ego de quem escreve - e, por consequência, achei que ia detestar a leitura. Ao contrário, adorei: é preciso uma autoestima enorme, o que é bem diferente de um ego inflado, para colocar-se no lugar de outras mulheres e admitir que isso pode ficar bem em você, mas não fica em mim. É o que faz Amanda Brooks, para sorte de quem sabe que vestir-se de acordo só faz aumentar o prazer da gente ser a gente mesma.

domingo, 20 de junho de 2010

Solar

Solar
Ian McEwan (Jonathan Cape, 2010)

Tenho muita raiva de mim mesma quando começo a ler qualquer coisa sobre alguma obra que está na minha fila de leituras. Eu já sabia que compraria o novo McEwan, qualquer que fosse o assunto - por que, então, conferir o que foi escrito sobre ele no lançamento britânico, no lançamento americano? Pior: até consegui passar batido sobre as críticas, mas não resisti a uma sinopse. E, por causa dela, coloquei o peso de Solar num acontecimento que até tem importância para a trama, mas que não é, nem de longe (como eu imaginava), o fio condutor da história. Paciência, azar. Quem sabe agora eu aprendo.

Comecei a ler Solar num fim de semana de trabalho em São Roque, continuei em Miami e terminei aqui em São Paulo, em meio a uma agenda de compromissos muito apertada e ao tratamento para uma infecção no dente que me faz sentir muita dor e tomar tanto analgésico que faria inveja ao Doutor House. Escrevo tudo isso pra tentar entender por que eu não me apaixonei pelo livro - desde Reparação, eu meio que me sinto obrigada a me apaixonar por qualquer McEwan -, embora reconheça nele a prosa sensacional do escritor e tenha dado muita risada em alguns momentos de ironia inteligente e intensa.

O livro vale principalmente por Michael Beard, o personagem principal, um sujeito detestável que vive das honras amealhadas por um prêmio Nobel de Física, conquistado algumas décadas atrás. No ano 2000, Beard está às voltas com o fim de seu quinto casamento, um emprego conveniente e inócuo e a ameaça do aquecimento global. Mas falar mais é fazer como a sinopse que eu li, e tirar a graça da história.

Anthropologie

Anthropologie
Washington DC/Miami, Estados Unidos

A Anthropologie está longe de ser uma livraria: é, isso sim, uma deliciosa e feminina loja de roupas bacanas, acessórios mais bacanas ainda, bolsas, sapatos, coisinhas delicadas para a casa, bobeiras interessantes em geral e... livros, numa seleção caprichada difícil de encontrar até em grandes redes americanas. Já faz tempo que, quando vou aos Estados Unidos e sei que há uma Anthropologie por perto, reservo um pouco da minha cota de leitura para as obras que vou encontrar lá.

Quando estive na loja de Miami, em maio, havia uma coleção de clássicos da literatura - Emma, Alice, O morro dos ventos uivantes, A odisseia - lindamente encadernada em tecido. Diversos livros sobre decoração e jardinagem. Uma seção de obras culinárias que só deixei passar por medo da mala ficar muito pesada. Guias da Taschen. O Questionário Proust da Vanity Fair. Títulos infantis "interativos": para colorir, descobrir, pensar. Alguns livros sobre estilo que não resisti em comprar. Isso fora os cadernos, bloquinhos, cartões e papeis de carta, tudo tão convidativo que dá vontade de sair escrevendo à mão ali mesmo...

Beauty in bloom

Beauty in bloom
Natalie Bloom (Allen & Unwin, 2008)

Este livro é como aquelas propagandas de perfume importado exibidas nos canais da TV a cabo: lindas e sem importância nenhuma. Mas tenho um fraco por livros lindos, ainda mais quando tratam de pequenos prazeres, como sapatos, maquiagem, elegância, gente bonita. Pena que a relevância, aqui, seja realmente zero, principalmente pra quem, como eu, está tarimbada na leitura de obras mais consistentes a respeito de estilo.

A autora australiana, eu só soube durante a leitura, é dona de uma marca de cosméticos batizada com seu sobrenome - daí o trocadilho no título. Ou seja: tinha tudo pra dar dicas bacanas de cuidados com a pele, o corpo, já que é disso que se trata. Mas, embora ela não fique o tempo todo fazendo propaganda de sua empresa, o que já é boa coisa, pouco se aproveita de seus textos óbvios e cheios de clichês, na linha "beleza é indefinível, nada que se possa comprar", "viva rodeada de tudo o que você ama" ou "atitude positiva é sua luz interior; deixe que ela brilhe". Acho que só gostei de saber como são feitas flores de origami e de aprender um pouco sobre as diferentes texturas de maquiagem (matte, sheer, shimmer, satin, gloss). Ok, é fútil, mas eu já sabia desde o começo que era uma leitura fútil. E, pelo menos, o livro é bonito.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Jamie's America

Jamie's America
Jamie Oliver (Penguin/Michael Joseph, 2009)

Adoraria ser daquelas pessoas que perdem o apetite diante de qualquer contratempo - briga com o namorado, com o chefe, baixo-astral. Comigo, acontece o contrário: comer é, sim, muito bom, e nessas horas ainda serve como consolo, compensação. Aumento de peso, colesterol mais alto? Nem lembro que isso existe. Claro, depois há um preço a pagar. Mas quando o ânimo desaba e a tristeza se instala, quase nada ajuda tanto quanto uma boa comida de alma.

Às vezes eu nem parto pra cozinha, como seria natural, e me contento lendo livros de receitas. Esse Jamie Oliver, que acabou de sair em português, foi uma de minhas últimas aquisições. Nele, o chef-escritor percorre seis regiões/cidades americanas - Nova York, Louisiana, Arizona, Los Angeles, Georgia e Wildwest - para ver como as pessoas comem e dar suas versões de pratos clássicos, como a salada Waldorf, criada no hotel Waldorf-Astoria, em Nova York (ele usa iogurte em lugar da maionese).

Suas aventuras pela Louisiana incluem até uma receita de torresmo, os pork cracklings, além de jambalaya e gumbo, clássicos da cozinha cajun. No Arizona, o clima tem um pezinho no México, com chillis e sopa de tortilla, e na cozinha dos índios Navajo. Fiquei com vontade de preparar as panquecas de maçã que ele fez para os cowboys com quem viajou pelo Wyoming (um daqueles estados americanos que nunca vêm à cabeça quando a gente tem insônia e tenta se lembrar de cada um dos 50, até o sono chegar) e as costelinhas de porco da Georgia.

Como todo livro de Jamie Oliver, o projeto gráfico é uma atração em si: cheio de colagens, imagens das pessoas locais, um monte de fotos do próprio chef e de cada um dos pratos. Minha preferida? O frango assado, "sentado" sobre uma garrafa de cerveja Budweiser. Divertido - e apetitoso.

Sobrescritos

Sobrescritos
Sérgio Rodrigues (Arquipélago, 2010)

Eu já conhecia a maioria dos Sobrescritos de Sérgio Rodrigues porque sou leitora fanática de seu blog sobre literatura, o Todoprosa, e foi lá que ele começou a publicar essas histórias curtas que falam de "escritores, excretores e outros insensatos", como diz o subtítulo do livro. E gostei ainda mais de ler os textos no papel.

Começa com meu preferido, "A blogueira e o estruturalista", emenda com outro que adoro, "Uma ilha, um livro", e segue até chegar a personagens como os escritores Jerominho, Lúcio Nareba (um blogueiro imbecil, protagonista de dois contos), João Pontes (fascinado por uma mulher gorda), Demóstenes Bastião (escritor em preto-e-branco, que depois aparece em uma carta ao bisneto) - muitos deles representantes dessa nossa época literária em que escrever bem nem sempre é o mais importante. Poderia ser triste. Mas, nas palavras de Sérgio Rodrigues, fica tudo muito divertido.

sábado, 5 de junho de 2010

Lit Wit

Lit Wit
Richard Lederer

Isto não é um livro, mas fala deles e de escritores, então merece estar aqui - até porque, adorei. Trata-se de um jogo, uma trivia literária, com 100 fichas divididas em quatro temas: textos, autores, títulos e gêneros. Em cada uma, perguntas variadas em diversos graus de dificuldade. Fã de jogos intelectuais que sou, me diverti pra caramba tentando adivinhar, ou me lembrar, das respostas. Mas memória não é, definitivamente, o meu forte...

Eis uma pequena amostra do que pode ser encontrado no joguinho, que traz as fichas organizadas numa simpática caixinha (comprei na Books & Books, que, além de livros, tem boas surpresas, como esta):

* Use the following anedocte to identify the author: "As a young cadet, this American writer was expelled from West Point for reporting to a march wearing nothing but white gloves."

* Why did George Orwell choose Nineteen Eighty-Four as the title and year of his novel?

* Identify the titles and name the author of the literary work, quoted below, that end well: "That might be the subject of a new story - but our present story is ended."

The Bookstore in the Grove

The Bookstore in the Grove
Miami, Estados Unidos

Fica pertinho do CocoWalk, um shopping meio sem graça no agradável bairro de Coconut Grove e, pelo menos enquanto eu estive lá, o maior movimento era de pais com crianças pequenas, atraídos pela boa parte infantil da loja. Os vendedores também parecem super solícitos: eu presenciei a paciência de uma delas com um casal que queria encontrar um presente pro sobrinho, na linha Crepúsculo, mas não aceitava nenhuma sugestão da moça. No fim, acabaram levando alguma coisa na linha vampiresca.

O bacana é que, assim como a Books & Books, esta loja também se orgulha de ser independente - ou seja, vende livros de editoras pequenas, muitas delas locais, ao lado de best-sellers. Vale gastar um tempo nas prateleiras de livros de receitas e de arte. Nos fundos, fica o café. E pena que eu já tinha almoçado quando visitei a livraria, porque o cheiro do brownie de chocolate era matador.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Doutor Pasavento

Doutor Pasavento
Enrique Vila-Matas (CosacNaify, 2010)

Só existe um homem no mundo, e ele não faz mais parte da minha vida, capaz de entender a idolatria que mantenho por Enrique Vila-Matas. Era meu duplo. Não sinto exatamente saudade - encontrar o duplo pode trazer muita alegria e muito infortúnio, como disse hoje uma amiga -, mas de vez em quando o vazio se manifesta de maneira mais forte por eu saber que não existe mais ninguém com quem conversar sobre, por exemplo, Doutor Pasavento; não, pelo menos, do jeito como eu conversava com ele.

"Possibilidades" era nossa palavra favorita - assim mesmo, no plural. E, neste livro, Vila-Matas trata de uma possibilidade que me é particularmente sedutora: a de desaparecer. Que não é morrer, mas desaparecer apenas, sumir no mundo, fugir da própria insignificância para saber se alguém dá pela falta da gente. Agatha Christie fez isso, como lembra o Doutor Pasavento no livro. (Sim, deram pela falta dela.)

Como todos os meus Vila-Matas, este também está todo marcado, com períodos inteiros sublinhados a lápis, anotações nas margens - será que, daqui a um tempo, vou me lembrar o que quis dizer com cada comentário? Acredito que sim. Diz a crítica que Vila-Matas é um "escritor de escritores" e, embora eu esteja longe de praticar o ofício, o tema é importantíssimo para mim. Falar da escrita, pensar sobre a escrita, tentar viver a escrita. Desaparecer para escrever e escrever para desaparecer.

Books & Books

Miami, Estados Unidos

Estive recentemente em Miami, por motivos profissionais, e o que eu mais queria era dar de cara com uma Borders ou uma Barnes & Noble. Mas calhou de eu encontrar primeiro, na Lincoln Road, em Miami Beach, uma filial da Books & Books, a rede independente de livrarias da cidade (a matriz fica em Coral Gables, onde acabei indo num outro dia).

Adorei. Logo na entrada da loja da Lincoln Road há um café, que serve um ótimo chá de framboesa gelado (fazia um calor senegalês) e um bom sanduíche de berinjela com queijo de cabra. Alimentado o corpo, alimenta-se, então, o espírito. São várias salas forradas de estantes e divididas em temas que não fogem ao que se encontra nas grandes redes, mas com uma diferença fundamental: além do catálogo das principais editoras americanas, e algumas europeias, a Books & Books vende muitos títulos, digamos, não tão comerciais. Diversas empresas pequenas, que provavalmente não encontrariam espaço nobre em outras livrarias, têm seus volumes bem expostos, o que é ótimo principalmente para quem, como eu, procurava livros de um assunto específico. Encontrei vários, muitos de séries que não conhecia.

Lá dentro, o silêncio é a trilha sonora: quem se senta nos bancos disponíveis em cada sala, para folhear o que for com sossego, exibe um respeito quase que de biblioteca. Uma pergunta aqui, outra ali, logo atendidas pelos funcionários. E a sensação de que livros, assim como santos, também merecem seus templos.

sábado, 17 de abril de 2010

Fico à espera

Fico à espera
Davide Cali e Serge Bloch (CosacNaify, 2007)

Traços delicados e um fio de linha vermelha: basta isso para formar as ilustrações que acompanham as frases muito simples deste livro, reveladoras de desejos prosaicos, mas nem por isso pouco intensos. "Fico à espera... de crescer... de que a chuva pare... do amor... do fim da guerra... de uma carta", dizem algumas páginas.

Creio que, na teoria, este seja um livro infantil - mas daquele tipo que a gente finge comprar pra sobrinha e na verdade compra pra gente, pra abrir de vez em quando e refletir sobre o que desejamos, o que esperamos. Como eu, hoje: à espera de melhorar, de voltar a acreditar nas pessoas, de que o justo prevaleça sobre o injusto (e de que eu entenda o que é justo ou injusto), de que passe a dor nas costas, de um dia com frio e sol, de força de vontade e, principalmente, de não desanimar.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

San Paolo

San Paolo - Desenhos e prosa da cidade
Vincenzo Scarpellini (Publifolha, 2009)

Volto meio embriagada do aniversário de uma amiga. Uma amiga recente, mas que conquistou um lugar grande e especial na minha vida, uma amiga que me faz ter inveja das amigas antigas dela, que aproveitaram sua presença por mais tempo do que eu.

Foi este um dos meus presentes, porque sabia que ela queria o livro há tempos. Trata-se de uma coletânea dos desenhos e textos que Vincenzo Sacarpellini, morto precocemente aos 41 anos, por causa de um câncer, publicou na Folha de S. Paulo, desenhos e textos tão delicados sobre lugares diversos da feia cidade de São Paulo. A Galeria do Rock, a Praça da Sé, o aeroporto de Congonhas - um lugar que, não sei por quê, adoro, ainda hoje, mesmo com o trânsito absurdo para chegar lá e a superlotação de aviões. A feia São Paulo, que no traço e nas palavras de Scarpellini, consegue ficar um pouco mais bonita.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

The devil and Sherlock Holmes

The devil and Sherlock Holmes
David Grann (Doubleday, 2010)

Ao lado da minha cama, no chão, existe uma pasta com diversas matérias publicadas pela Vanity Fair no último ano: como não consigo ler tudo quando a revista chega (e é a única que eu assino), tiro as páginas com os textos que me interessam e guardo tudo para uma sonhada leitura futura. Pois com as matérias deste livro - são doze, nove delas editadas originalmente na The New Yorker - aconteceu o contrário: li tudo de uma vez, sei lá se porque em livro (na verdade, em Kindle) é melhor, sei lá se porque os temas são interessantes, ou se porque David Grann escreve muito bem.

A primeira matéria trata da morte suspeita de um inglês especialista em Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes. Depois vêm textos sobre um oceanógrafo que dedica a vida a encontrar uma lula-gigante, sobre um francês "especialista" em assumir outras identidades, um bombeiro que não se lembra do que aconteceu no 11 de setembro, o julgamento do que foi tida como a mais violenta gangue dentro das prisões americanas e outros, de temas tão variados. Meus preferidos: a história de um escritor que narra, em seu romance de estreia, um crime até então aparentemente insolúvel, acontecido na Polônia (e o caminho que levaram os policiais até ele) e a última reportagem, sobre o haitiano que comandava uma milícia do tipo esquadrão da morte, no Haiti, e ao mesmo tempo tinha ligações com a CIA.

Mais do que excelentes trabalhos de jornalismo investigativo, as histórias reunidas por Grann neste livro são, para mim, pequenas peças literárias. Não se trata do "new journalism" de Truman Capote e John Hersey, ou dos escritos de Joel Silveira, no Brasil. Temas interessantes, trabalho competente e muito bem-escrito; isso basta.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Paris é uma festa

Paris é uma festa
Ernest Hemingway (Bertrand Brasil, 2006)

Ando apaixonada pela Paris do início do século 20 e, se alguém me perguntasse, hoje, onde e em que época hipotética eu gostaria de ter vivido, diria que seria nessa Paris de Picasso e Matisse e Hemingway e Fitzgerald e Gertrude Stein (embora não me falte a certeza de que eu pertenço mesmo ao aqui e ao agora, e que qualquer outra época idealizada - o Rio de Janeiro dos anos 50-60, a Nova York da Round Table, a São Paulo modernista - seria de um sofrimento enorme pra mim). Mas no começo do século 20 Paris era, sim, uma festa, e todo mundo conhecia todo mundo, e se encontrava nos cafés, e o dinheiro era curto mas dava até pra passar férias na Espanha, de vez em quando na Suíça.

É o que conta Ernest Hemingway, que chegou à cidade depois de ter sido motorista de ambulância na Primeira Guerra Mundial e que, em Paris, deu início à carreira de escritor enquanto era correspondente de um jornal canadense. Morava com mulher e filho num apartamentozinho na margem esquerda do Sena e alugava um quarto num hotel, ali perto, para poder trabalhar em paz. Logo que chegou, ficou conhecendo Gertrude Stein, com quem manteve uma relação intensa de amizade até que um fato velado, ou mal-explicado (pelo menos no livro), fez com que se afastassem - acho que teve a ver com a homossexualidade da escritora.

Assim, entre confissões das apostas feitas no jóquei (e que levaram um bom dinheiro para o ralo), o excelente relato de seu método de trabalho e os planos de viagem para Pamplona, Madri e Valência, Hemingway vai falando não só da vida, mas de amigos como Sylvia Beach, dona da livraria Shakespeare and Company, Ford Madox Ford ("I always held my breath when I was near him in a closed room"), Ezra Pound e, principalmente, F. Scott Fitzgerald, com quem Hemingway empreendeu uma viagem das mais bizarras.

Paris é uma festa foi organizado pela última mulher do escritor e publicado em 1964, depois de sua morte - Hemingway se matou com um tiro, em 1961. Ano passado, talvez um pouco antes, um de seus netos relançou o livro, dessa vez com mudanças na ordem dos capítulos e com o acréscimo de informações que, segundo ele, ajudariam a melhorar a imagem de sua avó, a segunda mulher do escritor, que aparece no fim do volume. Eu não vi nada de absurdo na maneira como o autor tratou do fim de seu casamento; achei até elegante. E, de qualquer modo, o livro que Hemingway imaginou me parece bem melhor do que qualquer variação que tenha vindo depois dele.

domingo, 4 de abril de 2010

Padre Cícero

Padre Cícero - Poder, fé e guerra no sertão
Lira Neto (Companhia das Letras, 2009)

Biografia boa é assim: imparcial. Padre Cícero foi santo? Foi enganador? Cabe ao leitor tirar suas conclusões, a partir do relato isento que Lira Neto faz da vida do religioso cearense. Tenho muita curiosidade por tipos que despertam tamanha devoção popular - mas admito que, na maioria das vezes, alimento uma impressão preconceituosa sobre eles: a manipulação fácil da fé alheia, o embuste, o interesse das pessoas que rodeiam o (às vezes, inocente) venerando.

Não acredito em milagres - não, pelo menos, no milagre atribuído ao padre, o de fazer hóstias se transformarem em sangue. Pelo que conta Lira Neto, dá pra ver que a história toda foi muito nebulosa, e muito envolvida na politicagem do Ceará de fins do século 19, praticamente uma terra de ninguém, onde prevalecia o coronelismo e a palavra do bispo tinha poder de lei. Diante desse panorama, é inegável a coragem de Padre Cícero, que peitou a todos em nome não só de sua crença, mas da vontade de ajudar o povo da região. Minha dúvida maior, mesmo depois de ter lido a biografia, é saber até que ponto ele foi manipulador, mesmo que no bom sentido - para conseguir, por exemplo, a criação do município de Juazeiro, ou na hora de aceitar bens e dinheiro que, depois de sua morte, foram doados à Igreja.

Entre as coisas que eu não sabia a respeito de Padre Cícero está o desconhecimento, dele, em relação à sua excomunhão - morreu sem saber que tinha sido banido da Igreja, ainda que, posteriormente, o processo tenha se revertido. Também era inédita, pra mim, a viagem dele à Itália, para pedir, se possível ao próprio Papa, que seu afastamento das funções de sacerdote fosse anulado. De resto, o livro é recheado de boas histórias, como a amizade com dois tipos mais que suspeitos da política local, as armações do clero cearense, o roubo dos paninhos que provariam o milagre das hóstias sangrentas. E Lira Neto ainda trata, num ótimo prefácio, do processo que a Igreja Católica instaurou, recentemente (por intermédio do hoje papa Bento XVI), para reabilitar um sacerdote que, por mais polêmico, pode ser muito útil na tentativa de reverter a cada vez maior perda de fiéis, país afora.

domingo, 28 de março de 2010

Uma real leitora

Uma real leitora
Alan Bennett (Record, 2008)

Livrinho divertido e descompromissado, que li em dois dias, nas férias. A história começa quando a rainha da Inglaterra - a própria, Elizabeth II - é atraída para uma biblioteca ambulante por seus cães de caça. Lá, conhece o bibliotecário e um funcionário gay do palácio (que, aliás, não tem a menor necessidade de ser gay; isso não influencia em nada a trama; ou será que minha memória já se deteriorou de vez?). Para não criar constrangimento, resolve levar um livro emprestado. E gosta da experiência da leitura, capaz de distrai-la um pouco dos chatos assuntos de Estado.

Mas seu interesse crescente pelos livros começa a provocar mudanças nem sempre desejáveis - o tal funcionário gay é promovido a uma espécie de assistente, por exemplo, e cria-se uma expectativa geral, no reino, para saber o que Elizabeth anda lendo. Até que o secretário particular da rainha (ou seria o Primeiro Ministro?) se vê obrigado a interferir.

É bacana ver que Alan Bennett não se deixou levar pela fórmula fácil e edificante da redenção. Imaginou uma história improvável e contou-a da melhor maneira - com vários momentos de ironia inteligente, o que já é suficiente pra eu gostar de alguma coisa. Fim de papo.

Alice no país das maravilhas

Alice no país das maravilhas
Lewis Carroll (CosacNaify, 2009)

Muitos anos atrás, tentei ler Alice no país das maravilhas no original, em inglês - era um pocket book que incluia, também, Alice através do espelho. Devo ter deixado o livro de lado depois da terceira página, vítima da mesma incompetência mental que, até hoje, me impede de ler Guimarães Rosa. O inglês de Lewis Carroll é cheio de neologismos e nomes que eu não entendia, e que somem e aparecem e somem e aparecem como os próprios personagens. O melhor que fiz, portanto, foi retomar Alice nesta tradução de Nicolau Sevcenko, lançada ano passado pela CosacNaify numa edição linda, em que as ilustrações de Luiz Zerbini - figuras saídas das cartas do baralho - valem quase tanto quanto o texto.

A história, todo mundo conhece por causa do desenho animado de Walt Disney - que espero rever, em breve, para poder comparar com o livro, pois algumas de minhas lembranças não fazem parte da tradução de Sevcenko. Uma delas é a festa de desaniversário, quando Alice conhece a Lebre e o Chapeleiro; na edição da CosacNaify, os dois estão apenas tomando chá, sem comemorar coisa alguma, mas trata-se de reunião das mais divertidas, que inclui, ainda, uma marmota: cada um mais louco do que o outro, falando coisas que quase nunca fazem sentido (mas que fazem pensar).

Gostaria de rever o filme, também, para saber até que ponto a trama foi infantilizada. Ok, é conhecida a história de que Lewis Carroll (pseudônimo de Charles Dodgson) escreveu Alice para a filha de um amigo, durante um passeio de barco. Mas, por mais inteligentes que fossem as garotas vitorianas (no posfácio, Sevcenko faz uma boa análise da importância da obra para a época em que foi lançada), tudo é tão pioneiramente surrealista que eu sinceramente não sei até que ponto as crianças conseguem apreender tudo aquilo - mas talvez eu não tenha contato suficiente com elas para saber do que são capazes. Para mim, de qualquer forma, Alice no país das maravilhas será sempre o mais adulto dos livros infantis.

sábado, 20 de março de 2010

La reina Mab

La reina Mab
Ruth Kaufman e Cristian Turdera (Pequeño editor, 2007)

Foi com Monteiro Lobato, só não me lembro em qual livro de sua coleção infantil, que conheci a história da rainha Mab, uma pequena criatura fantástica que aparece no primeiro ato de Romeu e Julieta, de Shakespeare. (Acho que é Mercúcio quem diz a Romeu algo como "ah, vejo que a rainha Mab o visitou em sonhos essa noite.")

Pois alguém teve a brilhante ideia de juntar uma escritora e um ilustrador muito bom para transformar a história da rainha em obra para crianças - e para adultos que, como eu, gostam de livros belos, não importa para quem foram feitos. Não se trata de uma tradução dos versos de Shakespeare, o que é outra boa sacada, e sim de um texto leve que começa contando como foi fabricada a carruagem da rainha (casca de avelã, teias de aranha) e avança até as aventuras noturnas de Mab, capaz de provocar sonhos de amor ao passar pelo cérebro dos enamorados, delírios de luta ao roçar o pescoço de um soldado, beijos amorosos ao galopar pelos lábios das garotas.

Só não entendi - meu conhecimento de Shakespeare está longe de ser significativo - o motivo do livro ter um subtítulo meio sombrio: "El hada de las pesadillas". Sim, lembro de Monteiro Lobato ter contado que Mab às vezes chicoteia sem dó algumas pessoas que visita à noite, mas para mim a pequena rainha está mais para fada dos sonhos do que dos pesadelos.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Wash this blood clean from my hands

Wash this blood clean from my hands
Fred Vargas (Penguin USA, 2007)

A francesa Fred Vargas inaugurou a série de romances policiais vivida pelo detetive Jean-Baptiste Adamsberg com O homem dos círculos azuis. Depois, vieram O homem do avesso, a graphic novel Les quatre fleuves, Fuja logo e demore para voltar, a coleção de três novelas Coule la Seine, Sous les vents de Neptune (este Wash this blood clean from my hands, em inglês), Relíquias sagradas e Un lieu incertain. Não sei o que levou a Companhia das Letras a lançar os quatro títulos, em português, fora da ordem cronológica. Mas deve ter sido um motivo e tanto, porque poucas coisas são tão importantes a ponto de estragar a surpresa de uma história de detetives - é o que acontece com quem lê Relíquias... antes de Wash this blood..., como eu.

Ok: mesmo fazendo várias referências ao livro anterior, Relíquias... não entrega totalmente o jogo. Mas acaba com duas dúvidas fundamentais que surgem durante a narrativa de Wash this blood..., principalmente no final, porque a gente já sabe quem é mocinho e quem é bandido, quem é pai de quem, quem salva quem e onde (embora o salvamento seja espetacular).

Acontece que Jean-Baptiste Adamsberg tem um passado tumultuado. Foi envolvido num crime acontecido há mais de trinta anos e nunca se livrou da obsessão de pegar o assassino, o Netuno (ou Tridente) do título francês. E, mesmo sabendo que o sujeito morreu há mais de uma década, meu detetive preferido põe em dúvida a própria sanidade mental quando crimes semelhantes aos que o bandido praticava começam a aparecer aqui e ali - até mesmo no Canadá, onde seu time de detetives passa por um treinamento de quinze dias. Não estraga dizer que Camille está em Montreal. Que Adamsberg continua quase um porco chauvinista (mas um adorável porco chauvinista). Que uma das melhores personagens do livro é também uma das mais improváveis. E que, como em todo romance de Fred Vargas que eu li até hoje, é preciso suprimir um pouco do amor pela credibilidade para sair do livro feliz.

domingo, 14 de março de 2010

O último caso da colecionadora de livros

O último caso da colecionadora de livros
John Dunning (Companhia das Letras, 2009)

"Só o Kindle salva", pensei, ao saber que teria de ficar uma semana sem carregar peso, digitar e fazer movimentos bruscos com o braço direito, por causa de uma cirurgia. Foi tudo bem - e o Kindle realmente salvou, tão fácil que é de ler só apertando os botõezinhos com a mão esquerda. Mas eu imaginava que, com sete dias inteirinhos sem poder fazer absolutamente nada, a não ser ler e ver TV, eu devoraria três, quatro títulos em uma tacada, e acabei empacando neste aqui.

Foi meu terceiro romance com Cliff Janeway desde que descobri o detetive em A promessa do livreiro - nas férias, havia lido também Assinaturas e assassinatos (outra vez no Kindle, outra vez em inglês: The sign of the book). E foi o que menos gostei. Começa bem, termina relativamente bem, mas a maior parte da trama é muito cansativa: uma repetição sem fim de situações, algumas até inverossímeis, no chato ambiente das corridas de cavalos.

Janeway é chamado por um sujeito antipático e misterioso para avaliar a coleção de livros de um velhote que acabou de morrer. Não aceita. Mas acaba envolvido na história ao ver antigas fotografias e conhecer a filha do falecido.

sábado, 13 de março de 2010

Xul Solar

Xul Solar
Vali Guidalevich (Albatros, 2009)

Dezembro, em Buenos Aires. Peregrinação por livrarias atrás de algum livro sobre Xul Solar - qualquer um, desde que não fosse a biografia bem ruim que eu, com muito esforço, já tinha lido. Cúspide, El Ateneo, Capítulo 2, Prometeo. E nada. Nem na loja da Fundação Pan Klub, onde fica o museu do artista (confesso que, ali, eu podia ter comprado um catálogo. Mas, com poucas exceções, achei o acervo bem fraco, e a moça que dublava de porteira, bilheteira e vendedora da loja era muito antipática). Até que um ser iluminado, na Yenny do Patio Bullrich, perguntou: "Pode ser infantil?" Claro que podia, principalmente porque livro infantil costuma ter muitas imagens, e o que me interessava mais era justamente poder ver, quando eu quisesse, alguns quadros produzidos por ele.

Xul Solar, da coleção "Arte para chicos", é lindo. Narrado em primeira pessoa, como se o próprio pintor estivesse contando sua história, tem algumas fotos do artista, vários quadros do acervo da Fundação (eba, economizei mais de 100 pesos ao deixar de levar o catálogo), detalhes que mostram características de seus trabalhos - transparências, bandeiras, os muitos símbolos - a história da casa onde fica o museu, uma cronologia, bibliografia e a lista de obras retratadas no livro. Ainda mais legal: propõe atividades para as crianças se aventurarem como repórteres ("o que são a filosofia e a astrologia?", pede a autora que descubram), pintoras, detetives (para identificar os símbolos escondidos nos quadros). Atividades para crianças mais crescidas e, principalmente, inteligentes. E que podem também servir para adultos, como eu, que adoro encarar uma brincadeira de vez em quando.

Uns dias depois, na loja do Malba, encontrei ainda Mago Xul - El mundo de Xul Solar para niños, de Didi Grau, com ilustrações de Irene Singer (Calibroscopio, 2009). Igualmente belo, igualmente instigante, e com os mesmos quadros que aparecem no outro livro - ambos foram feitos com apoio da Fundação e do museu. As crianças portenhas estão bem servidas de volumes sobre Xul. Então é preciso juntar-se a elas para descobrir um pouco mais da vida e da obra desse artista genial.

domingo, 7 de março de 2010

A autobiografia de Alice B. Toklas

A autobiografia de Alice B. Toklas
Gertrude Stein (CosacNaify, 2009)

Aos trancos - não porque não esteja gostando, mas porque o tempo parece ter se esmerado em pregar suas peças em mim -, estou terminando de ler Paris é uma festa, de Hemingway, numa versão em inglês, para o Kindle, anterior àquela que um de seus netos desfigurou para tentar melhorar a imagem da avó. E me diverti muito, logo no início, quando Hemingway fala de sua amizade com Gertrude Stein, bem na época retratada pela escritora nesse A autobiografia de Alice B. Toklas. Sim, trata-se de uma "autobiografia", mas escrita por outra pessoa - afinal, a vida de uma é a vida da outra.

Alice viveu com Gertrude por 38 anos, dividindo os papéis de amante, secretária, governanta e eventual cozinheira. Segundo MFK Fisher, no prefácio de O livro de cozinha de Alice B. Toklas, foi uma mulher baixinha, muito feia, de olhos vivos e gosto por chapéu espetaculares. Era dela a tarefa, como conta Gertrude e corrobora Hemingway (sem, no entanto, citar o nome de Alice), de conversar com as mulheres dos amigos da casa, de passar a limpo e de fazer a revisão dos textos da companheira.

Eu já tinha lido O livro de cozinha..., escrito pela própria Alice depois da morte de Gertrude Stein. É meio sisudo e, às vezes, até baixo-astral, embora traga histórias inspiradoras - muito diferente da bem-humorada autobiografia que, mesmo sem ter saído da pena da biografada, consegue mostrar de um jeito bem mais amigável quem foi, afinal, essa americana que largou tudo em seu país para viver, na França, com a escritora (já, então, um tanto famosa - se não pelos livros, pela fabulosa coleção de amigos: Picasso, Matisse, Apollinaire, Sherwood Anderson, vários outros).

É também através das palavras de Alice que Gertrude Stein fala muito de si mesma, quase sempre sem nenhuma modéstia ("Posso dizer que só três vezes na vida encontrei gênios [...] Gertrude Stein, Pablo Picasso e Alfred Whitehead"), das frustrações e expectativas em relação à sua obra e de seu método de trabalho. Picasso, suas mulheres e seus quadros, ocupam boa parte das memórias, assim como a convivência com Matisse, desafeto da cozinheira Hélène: "(...) Monsieur Matisse vai ficar para jantar hoje, ela dizia, nesse caso não vou fazer omelete, mas ovos fritos. Gasta o mesmo número de ovos e a mesma quantidade de manteiga, mas demonstra menos respeito e ele vai entender."

Dá vontade de ler outra vez, assim que eu acabar o Hemingway, e continuar lendo outros escritos sobre essa época em Paris. O livro de Sylvia Beach sobre a Shakespeare and Company. Paris era ontem, de Janet Flanner, a correspondente da revista The New Yorker, na França, quando Gertrude, Alice, Pablo, Ernest e tantos outros viviam lá. É dela, aliás, a frase "qualquer autobiografia de uma será, necessariamente, uma biografia da outra", que usei adaptada ali em cima, e que aparece no ótimo posfácio de Silviano Santiago - ilustrado por uma foto das duas, Gertrude Stein levando um cachorro na coleira e Alice B. Toklas a seu lado, baixinha, muito feia, com um chapéu espetacular.

Saladas

Saladas
Maria Rosa Lacombe Herz e Lucia Lacombe Herz (Nova Fronteira, 2003)

Se tem uma coisa que me deixa irritada - mas bem-feito, afinal, por ser compulsiva e ter uma memória péssima - é comprar o livro errado, ainda que eu tenha desembolsado menos da metade do preço oficial por ele. Foi o que aconteceu aqui. Tinha certeza de estar levando Celeiro - culinária, o primeiro volume das receitas servidas no badalado restaurante da rua Dias Ferreira, no Rio de Janeiro. Da primeira edição, que li emprestada, em meados dos anos 90, copiei a receita do delicioso bolo de banana que faço até hoje, e sei que tinha muito mais coisas boas ali.

Este Saladas não é ruim; apenas não é o que eu queria. Tem uns defeitinhos: rata de livros de receitas que sou, é difícil que eu não me incomode com listas de ingredientes fora da ordem ou produtos que estão relacionados e não aparecem no modo de preparo (como a cebola roxa, na "abobrinha com tomate e orégano" - que, aliás, não explica se a abobrinha deve ser crua ou cozida). Mas também tem vários lados bons. A introdução é uma minienciclopédia sobre ingredientes como ervas, especiarias e óleos (mas, não, vinagre, não é um "vegetal aromático"). As fotos são bonitas. E há boas ideias de combinações para saladas diferentes, como frisée com parma e vinagrete de vinho tinto, espinafre com palmito ao molho de ameixa e gergelim e a insólita feijão preto com mamão e queijo de minas, que ainda vou experimentar.

sábado, 6 de março de 2010

Las mil y una curiosidades del cementerio de la Recoleta

Las mil y una curiosidades del cementerio de la Recoleta
Diego M. Zigiotto (Grupo Editorial Norma, 2009)

Tudo começou com a avó da Fernanda, que conta a seguinte história: ainda mocinha, numa excursão para Buenos Aires, ela teria visto o corpo embalsamado de uma menina, vestida de branco, num mausoléu do cemitério da Recoleta. Há alguns anos, o Edu e a Fê estiveram lá e não encontraram nem rastro da garota - nem da história. Eu também já tinha visitado o lugar e o máximo que vi foi o túmulo de Evita, além de algumas sepulturas bem bonitas, com esculturas interessantes e ares art déco.

Em dezembro, estive em Buenos Aires outra vez - um pouco antes do Edu e da Fê, que voltaram para lá em janeiro - e botei na cabeça que ia tentar descobrir o túmulo da menina embalsamada. Acabei nem tendo tempo de visitar o cemitério, mas logo no começo da viagem (e de um périplo por livrarias em busca por livros sobre Xul Solar) encontrei este Las mil y una curiosidades..., que, certamente, tiraria nossa dúvida: a garota que a avó da Fê viu ainda estaria ali, embalsamada?

Não está. Pode ser que ela tenha visto a estátua de Luz María Garcia Velloso, a "dama de branco", uma menina que morreu de peritonite aos 14 anos, em 1924. Segundo o livro, a mãe de Luz, desesperada, chegou a dormir dentro da cripta, junto à estátua da garota, que foi retratada de branco, deitada sobre um leito de rosas.
Sou do tipo que gosta de visitar cemitérios, principalmente em viagens. Não vejo nada de sinistro neles. E, em minha próxima vez em Buenos Aires, espero prestar minha homenagem à dama de branco.