The Beatles Anthology
The Beatles (Chronicle Books, 2000)
Post em homenagem ao meu irmão, que faz aniversário hoje e que me ajudou a gostar ainda mais dos Beatles porque, entre muitas outras coisas, me fez prestar atenção nas diferentes vozes de If I fell, me contou a história de Hey Jude, fez dueto comigo em A day in the life, me ensinou a reconhecer a voz do George em Something e foi comigo ver o Dakota e o Strawberry Fields num fevereiro gelado e cheio de neve.
Na verdade, o Anthology que eu tenho aqui em casa é dele, do meu irmão. Fiquei como depositária do livro quando ele se mudou para os Estados Unidos, mas do jeito que está demorando pra voltar eu acho que já tenho direitos adquiridos sobre a obra. Engraçado é que não li o Anthology - ele é meio como aquele pedaço de chocolate que a gente fica guardando e não quer comer nunca porque então vai acabar. De vez em quando pego da estante e folheio, folheio, folheio, leio alguns trechos, fico vidrada nas fotos e, principalmente, na memorabilia que deram um jeito de encaixar num projeto gráfico muito interessante. Taí: acho que nunca li o Anthology inteiro porque ele impõe reverência. Virou tesouro.
quarta-feira, 28 de janeiro de 2009
segunda-feira, 26 de janeiro de 2009
O livro amarelo do terminal
O livro amarelo do terminal
Vanessa Barbara (CosacNaify, 2008)
Voltei hoje ao trabalho depois de um longo e merecido período de férias em que li muito, dormi muito, fiz alguma tradução, aluguei um monte de DVDs e postei como nunca aqui no blog. Debaixo da pilha de entulho que havia se transformado a minha mesa, com poeira de mais de mês, folhetos, mapas e catálogos que ninguém queria mas também não jogou fora, revistas antigas e até uma latinha vazia de chá com um canudinho espetado dentro dela, encontrei esse trabalho de Vanessa Barbara, acredito que sua tese de conclusão de curso, transformado num belo e diferente livro pela CosacNaify.
Ao se formar em jornalismo, Vanessa escolheu retratar um dos lugares mais conhecidos e movimentados da cidade: o Terminal Rodoviário do Tietê. E fez isso de uma maneira original, falando não apenas da logística e de tudo o que é preciso para aquele vaivém incessante de ônibus dar certo, mas também observando os viajantes - porque sem eles, afinal, o Tietê não teria motivo pra existir. Além dos depoimentos colhidos, alguns engraçados e outros emocionantes, ela pôs no papel fragmentos de conversas entreouvidas pelo terminal. Tudo está embalado num projeto gráfico muito diferente e interessante, com páginas que se parecem bilhetes de ônibus e uma diagramação que por vezes lembra recortes sobrepostos. Li o livro de Vanessa Barbara no ano passado, quando pensamos em chamá-la para um trabalho free-lancer. Não deu certo, mas ainda estou com a moça na mira profissional.
Vanessa Barbara (CosacNaify, 2008)
Voltei hoje ao trabalho depois de um longo e merecido período de férias em que li muito, dormi muito, fiz alguma tradução, aluguei um monte de DVDs e postei como nunca aqui no blog. Debaixo da pilha de entulho que havia se transformado a minha mesa, com poeira de mais de mês, folhetos, mapas e catálogos que ninguém queria mas também não jogou fora, revistas antigas e até uma latinha vazia de chá com um canudinho espetado dentro dela, encontrei esse trabalho de Vanessa Barbara, acredito que sua tese de conclusão de curso, transformado num belo e diferente livro pela CosacNaify.
Ao se formar em jornalismo, Vanessa escolheu retratar um dos lugares mais conhecidos e movimentados da cidade: o Terminal Rodoviário do Tietê. E fez isso de uma maneira original, falando não apenas da logística e de tudo o que é preciso para aquele vaivém incessante de ônibus dar certo, mas também observando os viajantes - porque sem eles, afinal, o Tietê não teria motivo pra existir. Além dos depoimentos colhidos, alguns engraçados e outros emocionantes, ela pôs no papel fragmentos de conversas entreouvidas pelo terminal. Tudo está embalado num projeto gráfico muito diferente e interessante, com páginas que se parecem bilhetes de ônibus e uma diagramação que por vezes lembra recortes sobrepostos. Li o livro de Vanessa Barbara no ano passado, quando pensamos em chamá-la para um trabalho free-lancer. Não deu certo, mas ainda estou com a moça na mira profissional.
domingo, 25 de janeiro de 2009
Diálogos - Borges Sabato
Diálogos - Borges Sabato
Organizado por Orlando Barone (Globo, 2005)
Nunca escondi que, dos quatro ou cinco escritores argentinos que conheço, Borges é o que menos faz meu gênero - Cortázar e Bioy Casares me emocionam muito mais. Mesmo assim, seria idiotice não reconhecer sua importância para a literatura, e não só a de seu país. Comprei esse livro logo depois de descobrir Ernesto Sabato, de quem havia lido O túnel e O escritor e seus fantasmas. Gostei muito; trata-se de uma série de conversas entre os dois, realizadas no verão de 1974-75, com Borges aos 75 anos e Sabato aos 63. Falam de escrita, suas obras, a obra dos outros, amigos em comum, as artes em geral. Nesse contexto, beleza: leio Borges com prazer.
"É que eu acredito na teologia como literatura fantástica. É a perfeição do gênero." (Borges)
"Mas por que toda realidade tem que ser coerente?" (Sabato)
"Há outra idéia, que eu li, de que se criasse uma linguagem sem nenhuma correspondência com nenhum real. Isso significa buscar uma palavra que correspondesse ao fato de ter sede quando tivesse passado das seis da tarde, por exemplo. E isso seria uma só palavra." (Borges) [Ele não conhecia The meaning of tingo.]
"O natural é o acostumado. (...) O que estou dizendo: bastariam pequeníssimas diferenças para produzir pavor." (Sabato)
"O que nós sabemos sobre a loucura? Quem sabe se o que nós fizemos até agora é, simplesmente, supervalorizar a sensatez que, com frequencia, é simples mediocridade?" (Sabato)
Borges: - Como, o senhor tem medo da morte?
Sabato: - A palavra exata seria tristeza. Morrer me parece muito triste.
Borges: - Eu penso que assim como a gente não pode se entristecer por não ter visto a Guerra de Tróia, não ver mais este mundo tampouco pode entristecer, não é mesmo? Na Inglaterra, há uma superstição popular que diz que nós não saberemos que morremos até que comprovemos que o espelho não nos reflete. Eu não vejo o espelho.
Organizado por Orlando Barone (Globo, 2005)
Nunca escondi que, dos quatro ou cinco escritores argentinos que conheço, Borges é o que menos faz meu gênero - Cortázar e Bioy Casares me emocionam muito mais. Mesmo assim, seria idiotice não reconhecer sua importância para a literatura, e não só a de seu país. Comprei esse livro logo depois de descobrir Ernesto Sabato, de quem havia lido O túnel e O escritor e seus fantasmas. Gostei muito; trata-se de uma série de conversas entre os dois, realizadas no verão de 1974-75, com Borges aos 75 anos e Sabato aos 63. Falam de escrita, suas obras, a obra dos outros, amigos em comum, as artes em geral. Nesse contexto, beleza: leio Borges com prazer.
"É que eu acredito na teologia como literatura fantástica. É a perfeição do gênero." (Borges)
"Mas por que toda realidade tem que ser coerente?" (Sabato)
"Há outra idéia, que eu li, de que se criasse uma linguagem sem nenhuma correspondência com nenhum real. Isso significa buscar uma palavra que correspondesse ao fato de ter sede quando tivesse passado das seis da tarde, por exemplo. E isso seria uma só palavra." (Borges) [Ele não conhecia The meaning of tingo.]
"O natural é o acostumado. (...) O que estou dizendo: bastariam pequeníssimas diferenças para produzir pavor." (Sabato)
"O que nós sabemos sobre a loucura? Quem sabe se o que nós fizemos até agora é, simplesmente, supervalorizar a sensatez que, com frequencia, é simples mediocridade?" (Sabato)
Borges: - Como, o senhor tem medo da morte?
Sabato: - A palavra exata seria tristeza. Morrer me parece muito triste.
Borges: - Eu penso que assim como a gente não pode se entristecer por não ter visto a Guerra de Tróia, não ver mais este mundo tampouco pode entristecer, não é mesmo? Na Inglaterra, há uma superstição popular que diz que nós não saberemos que morremos até que comprovemos que o espelho não nos reflete. Eu não vejo o espelho.
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Livro não identificado
Livro não identificado
Men always mean what they say when they are saying it. Women should only realize that and not hold them to it as a lifetime contract.
O que foi a adolescência nos anos 80... Não tenho a menor idéia de como isso funcione hoje - talvez as garotas agora nem usem mais agendas de papel e marquem todos os seus compromissos no calendário do celular. Mas quando eu estava no colegial, o grande barato do começo do ano era comprar "a" agenda, apenas para depois enchê-la de colagens, anotações, fotos recortadas de revistas, desenhos dos amigos e, eventualmente, um lembrete de que quarta-feira, dia 12, ia ter prova de matemática. Pois o bem mais precioso que eu tenho na vida é a coleção de agendas, diários que escrevo desde os 13 anos, cartas, cartões, bilhetes e todo o resto de uma papelada disposta de qualquer jeito em três grandes caixas que pego de vez em quando para dar uma de Marty McFly (é numa delas que está guardada a carta de Odette de Barros Mott).
Uma dessas agendas traz anotadas as frases que escrevi acima, tiradas de um livro não identificado. Eu não ficaria espantada se fosse alguma coisa do Sidney Sheldon - ei, o cara escrevia Jeannie! - ou de algum outro autor que misturasse romance e aventura nos bizarros anos 80. O que me assusta de verdade é ver que, ainda sem ter passado por nenhum trauma amoroso, aos 16 anos eu já achasse importante anotar frases que mostrassem o quão descompensado é o pensamento afetivo entre homens e mulheres.
Autor não identificado
Também faz parte da série "por que minha memória guarda essas coisas se eu nem consigo me lembrar do dia de ir ao dentista?":
Men always mean what they say when they are saying it. Women should only realize that and not hold them to it as a lifetime contract.
O que foi a adolescência nos anos 80... Não tenho a menor idéia de como isso funcione hoje - talvez as garotas agora nem usem mais agendas de papel e marquem todos os seus compromissos no calendário do celular. Mas quando eu estava no colegial, o grande barato do começo do ano era comprar "a" agenda, apenas para depois enchê-la de colagens, anotações, fotos recortadas de revistas, desenhos dos amigos e, eventualmente, um lembrete de que quarta-feira, dia 12, ia ter prova de matemática. Pois o bem mais precioso que eu tenho na vida é a coleção de agendas, diários que escrevo desde os 13 anos, cartas, cartões, bilhetes e todo o resto de uma papelada disposta de qualquer jeito em três grandes caixas que pego de vez em quando para dar uma de Marty McFly (é numa delas que está guardada a carta de Odette de Barros Mott).
Uma dessas agendas traz anotadas as frases que escrevi acima, tiradas de um livro não identificado. Eu não ficaria espantada se fosse alguma coisa do Sidney Sheldon - ei, o cara escrevia Jeannie! - ou de algum outro autor que misturasse romance e aventura nos bizarros anos 80. O que me assusta de verdade é ver que, ainda sem ter passado por nenhum trauma amoroso, aos 16 anos eu já achasse importante anotar frases que mostrassem o quão descompensado é o pensamento afetivo entre homens e mulheres.
São Paulo por dentro
São Paulo por dentro
Carlos Perrone e Claudio Wakahara (Senac SP, 2000)
E como hoje é aniversário de São Paulo, e como o dia está feio e cinza e chuvoso como muitos imaginam que seja sempre, e como eu resolvi passar o dia em casa escrevendo, eis um livro que mostra um lado da cidade que até mesmo muito paulistano desconhece. O subtítulo - Um guia panorâmico de arquitetura - pode enganar. Ninguém vai encontrar aqui a vista das grandes avenidas, a fileira de prédios da avenida Paulista, o Ibirapuera visto de cima. Trata-se, como diz a introdução do livro, da "arquitetura íntima" de São Paulo, detalhes de edifícios, igrejas, museus e construções históricas que quase sempre passam batido por quem os visita; ou, pior, de lugares que ninguém sabe que existem.
Estão lá os vitrais do Mercado Municipal, os tijolos à vista da Pinacoteca, a parede de vidro do finado bar Riviera, a biblioteca do Mackenzie, as entranhas do Teatro Oficina. Mas a mim encantam especialmente os endereços particulares, como os prédios de Higienópolis e seu ar muito característico dos anos 40 e 50. Tive um namorado que morava no Edifício Parque das Hortênsias, um dos retratados no livro, erguido em 1957 com projeto de Artacho Jurado. Era uma delícia estar ali: um jardim muito bem-cuidado separa o primeiro do segundo bloco de apartamentos e a gente quase se esquece de que está a poucos metros da barulhenta e movimentada avenida Angélica. Na rua Piauí, o Edifício Louveira também tem um jardinzinho entre os blocos. E na avenida Higienópolis ficam os painéis de azulejos desenhados por Burle Marx, no Edifício Prudência. Naquela região, só senti falta, no livro, do Edifício Cinderela: seria bacana ver as fotos do jardim e do salão de festas que fica em sua cobertura.
Carlos Perrone e Claudio Wakahara (Senac SP, 2000)
E como hoje é aniversário de São Paulo, e como o dia está feio e cinza e chuvoso como muitos imaginam que seja sempre, e como eu resolvi passar o dia em casa escrevendo, eis um livro que mostra um lado da cidade que até mesmo muito paulistano desconhece. O subtítulo - Um guia panorâmico de arquitetura - pode enganar. Ninguém vai encontrar aqui a vista das grandes avenidas, a fileira de prédios da avenida Paulista, o Ibirapuera visto de cima. Trata-se, como diz a introdução do livro, da "arquitetura íntima" de São Paulo, detalhes de edifícios, igrejas, museus e construções históricas que quase sempre passam batido por quem os visita; ou, pior, de lugares que ninguém sabe que existem.
Estão lá os vitrais do Mercado Municipal, os tijolos à vista da Pinacoteca, a parede de vidro do finado bar Riviera, a biblioteca do Mackenzie, as entranhas do Teatro Oficina. Mas a mim encantam especialmente os endereços particulares, como os prédios de Higienópolis e seu ar muito característico dos anos 40 e 50. Tive um namorado que morava no Edifício Parque das Hortênsias, um dos retratados no livro, erguido em 1957 com projeto de Artacho Jurado. Era uma delícia estar ali: um jardim muito bem-cuidado separa o primeiro do segundo bloco de apartamentos e a gente quase se esquece de que está a poucos metros da barulhenta e movimentada avenida Angélica. Na rua Piauí, o Edifício Louveira também tem um jardinzinho entre os blocos. E na avenida Higienópolis ficam os painéis de azulejos desenhados por Burle Marx, no Edifício Prudência. Naquela região, só senti falta, no livro, do Edifício Cinderela: seria bacana ver as fotos do jardim e do salão de festas que fica em sua cobertura.
Sonetos
Sonetos
Tá certo, não se trata de nenhum soneto. Mas na falta da coleção completa de Guilherme de Almeida, capa dura, que herdei da minha avó, esse foi o livro que me pareceu mais apropriado para o post. É que, além do trecho sobre a solução capilar para o relacionamento de musa e poeta, eu só me lembro mesmo de alguns sonetos, a maioria de rima pobrinha ou, pior, de rima e temática pobrinhas. Tinha um volume só sobre a Revolução de 32, mas esse nunca me pegou. E, acredito, muita coisa sobre São Paulo além-guerra. Não li tudo, não. E ainda prefiro me lembrar de Guilherme de Almeida por causa da moça que foi ao cabeleireiro do que pela tradução que ele fez de If, do Rudyard Kipling, um poema edificante que fala de tudo o que eu não sou.
Guilherme de Almeida (Imesp, 2008)
Da série "por que minha memória guarda essas coisas bizarras e eu não consigo me lembrar de pagar o IPVA em dia?" Sempre que corto os cabelos um pouco mais curtos, como aconteceu essa semana, me veem à cabeça uns versos do Guilherme de Almeida: Sabes / esta manhã cortei os meus cabelos / Denunciavam-me tanto! / E a ti também, meu poeta. A lembrança literal acaba aí, mas depois vinha algo a respeito da facilidade da moça em colocar o chapéu e como isso ia melhorar a vida deles.
Tá certo, não se trata de nenhum soneto. Mas na falta da coleção completa de Guilherme de Almeida, capa dura, que herdei da minha avó, esse foi o livro que me pareceu mais apropriado para o post. É que, além do trecho sobre a solução capilar para o relacionamento de musa e poeta, eu só me lembro mesmo de alguns sonetos, a maioria de rima pobrinha ou, pior, de rima e temática pobrinhas. Tinha um volume só sobre a Revolução de 32, mas esse nunca me pegou. E, acredito, muita coisa sobre São Paulo além-guerra. Não li tudo, não. E ainda prefiro me lembrar de Guilherme de Almeida por causa da moça que foi ao cabeleireiro do que pela tradução que ele fez de If, do Rudyard Kipling, um poema edificante que fala de tudo o que eu não sou.
sábado, 24 de janeiro de 2009
The fashion book
The fashion book
Phaidon Press, 2008
Estilistas, chapeleiros, fotógrafos, modelos, ícones, joalheiros, alfaiates, ilustradores, cabeleireiros, sapateiros, designers de tecido, criadores de cosméticos. De Coco Chanel a Kurt Cobain, de Cindy Crawford a Paul Poiret, de Ralph Lauren a Helena Rubinstein. Todo mundo que importa ou já foi relevante para a indústria da moda desde meados do século 19 até o final dos anos 90 está aqui (a edição é recente, mas o material não é; de Gisele Bündchen, por exemplo, não há nem sinal de fumaça, e ninguém fala da criação da Marc by Marc Jacobs, em 2001. Mas são poucas ausências notáveis).
Compilados em ordem alfabética e sempre acompanhados de belas fotos ou ilustrações, os 500 verbetes trazem alguns dados biográficos básicos do sujeito em questão e um pequeno apanhado de sua importância fashion. Christian Dior inventou o new look, Azzedine Alaïa instituiu o stretch, Diane Von Fürstenberg amarrou as mulheres nos wrap dresses. São informações relevantes? Bem, eu vivo de informações, conheço seu valor e sei o quanto fazem diferença pra gente se sentir melhor, seja ao se vestir, ao sair pra ver um filme, ao entrar na cozinha ou pegar um livro pra ler. Portanto, pra quem gosta de se sentir confortável na própria pele - e isso inclui o que vai sobre ela -, acredito que sim, são informações relevantes (e olha que nunca vou comprar uma pecinha sequer de Stella McCartney, Yohji Yamamoto ou Christian Louboutin). Além disso, o livro está cheio de fotos belíssimas e de figuras muito interessantes. Já fiquei com vontade de procurar as biografias de Cecil Beaton, de Richard Avedon e de Estée Lauder, a fabricante do perfume que eu uso há mais de dez anos.
Phaidon Press, 2008
Estilistas, chapeleiros, fotógrafos, modelos, ícones, joalheiros, alfaiates, ilustradores, cabeleireiros, sapateiros, designers de tecido, criadores de cosméticos. De Coco Chanel a Kurt Cobain, de Cindy Crawford a Paul Poiret, de Ralph Lauren a Helena Rubinstein. Todo mundo que importa ou já foi relevante para a indústria da moda desde meados do século 19 até o final dos anos 90 está aqui (a edição é recente, mas o material não é; de Gisele Bündchen, por exemplo, não há nem sinal de fumaça, e ninguém fala da criação da Marc by Marc Jacobs, em 2001. Mas são poucas ausências notáveis).
Compilados em ordem alfabética e sempre acompanhados de belas fotos ou ilustrações, os 500 verbetes trazem alguns dados biográficos básicos do sujeito em questão e um pequeno apanhado de sua importância fashion. Christian Dior inventou o new look, Azzedine Alaïa instituiu o stretch, Diane Von Fürstenberg amarrou as mulheres nos wrap dresses. São informações relevantes? Bem, eu vivo de informações, conheço seu valor e sei o quanto fazem diferença pra gente se sentir melhor, seja ao se vestir, ao sair pra ver um filme, ao entrar na cozinha ou pegar um livro pra ler. Portanto, pra quem gosta de se sentir confortável na própria pele - e isso inclui o que vai sobre ela -, acredito que sim, são informações relevantes (e olha que nunca vou comprar uma pecinha sequer de Stella McCartney, Yohji Yamamoto ou Christian Louboutin). Além disso, o livro está cheio de fotos belíssimas e de figuras muito interessantes. Já fiquei com vontade de procurar as biografias de Cecil Beaton, de Richard Avedon e de Estée Lauder, a fabricante do perfume que eu uso há mais de dez anos.
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sexta-feira, 23 de janeiro de 2009
Amor é só uma palavra
Amor é só uma palavra
Johannes Mario Simmel (Nova Fronteira, 1993)
Toda vez que ouço Blowing in the wind eu sinto um estranhamento, uma angústia fora do lugar - e não é por causa da cantoria do Suplicy nem pela versão em português do Zé Ramalho para as músicas de mr. Zimmerman. Hoje, do nada, eu tive um insight: a não ser que eu já esteja entrando na fase de virar paciente do Oliver Sacks ou que minha memória tenha dado os últimos suspiros, os versos de Blowing in the wind me fazem lembrar desse livro muito triste e deprimente que eu li, quando mais?, na adolescência.
Até onde a memória consegue ir (e pode ser que daqui pra frente tudo não passe de invenção da minha cabeça), a música de Dylan era meio que a trilha sonora da história de amor entre um jovenzinho rico, que ainda estava na escola, e uma mulher mais velha e casada. O livro começa com o sujeito morto, enforcado numa casa na árvore. E vai contando em flashback porque morreu daquele jeito, os planos que ele e a namorada faziam para ficar juntos, a chantagem que começaram a sofrer, as ameaças feitas por um anão - ou alguém muito deformado, agora não sei. Pensando em retrospectiva, não me parece um bom livro. Assim como Nem só de caviar vive o homem, outro Simmel feito sob medida para a minha adoleslcência.
quarta-feira, 21 de janeiro de 2009
Drácula
Drácula
Bram Stoker (L&PM, 1998)
Minha amiga Ana Claudia é uma leitora voraz: não só lê muito, e sobre assuntos os mais variados, como lê rápido - e absorve tudo, morro de inveja. Ontem ela chegou pra almoçar comigo com um sorriso meio amarelo: disse que, desde sexta-feira, tinha lido os três primeiros volumes da série Crepúsculo, e adorou (ficou frustradíssima porque tinha fila de espera para comprar o quarto volume, ainda em inglês, na Livraria Cultura). Comigo, pelo menos, ela não precisava do sorriso amarelo. Da mesma forma que eu não me envergonho de ter pulado alguns clássicos, também curto ler a modinha da vez se ela for divertida, a exemplo de Harry Potter e O diário de Bridget Jones. (A Ana, aliás, foi protagonista de uma das melhores, mais constrangedoras e engraçadas histórias que eu já vi envolvendo Bridget Jones. Qualquer hora eu conto.)
Pois ouvindo minha amiga falar de Crepúsculo, de como o livro conta um caso de amor bonitinho e de como ela curte histórias de vampiros, eu me lembrei que foi ela, há anos, que me emprestou Drácula pra eu ler no original. Gostei desde o começo, fui sentindo medo, fiquei triste com a morte de Lucy; a história é bem contada e empolgante. Mas senti um balde de água fria no final (a Ana não concorda): tanto trabalho pra trupe de Van Helsing seguir o Drácula, tanto sofrimento para Mina, e tudo se resolve como num passe de mágica, em duas páginas pronto acabou. Hmmm.
Bram Stoker (L&PM, 1998)
Minha amiga Ana Claudia é uma leitora voraz: não só lê muito, e sobre assuntos os mais variados, como lê rápido - e absorve tudo, morro de inveja. Ontem ela chegou pra almoçar comigo com um sorriso meio amarelo: disse que, desde sexta-feira, tinha lido os três primeiros volumes da série Crepúsculo, e adorou (ficou frustradíssima porque tinha fila de espera para comprar o quarto volume, ainda em inglês, na Livraria Cultura). Comigo, pelo menos, ela não precisava do sorriso amarelo. Da mesma forma que eu não me envergonho de ter pulado alguns clássicos, também curto ler a modinha da vez se ela for divertida, a exemplo de Harry Potter e O diário de Bridget Jones. (A Ana, aliás, foi protagonista de uma das melhores, mais constrangedoras e engraçadas histórias que eu já vi envolvendo Bridget Jones. Qualquer hora eu conto.)
Pois ouvindo minha amiga falar de Crepúsculo, de como o livro conta um caso de amor bonitinho e de como ela curte histórias de vampiros, eu me lembrei que foi ela, há anos, que me emprestou Drácula pra eu ler no original. Gostei desde o começo, fui sentindo medo, fiquei triste com a morte de Lucy; a história é bem contada e empolgante. Mas senti um balde de água fria no final (a Ana não concorda): tanto trabalho pra trupe de Van Helsing seguir o Drácula, tanto sofrimento para Mina, e tudo se resolve como num passe de mágica, em duas páginas pronto acabou. Hmmm.
Como falar dos livros que não lemos?
Como falar dos livros que não lemos?
Mesmo assim, como mostra Pierre Bayard - que eu só li por cima, na diagonal -, é muito fácil falar de todos eles, Balzac, Hemingway, A divina comédia. Tenho, eu e todo mundo que se interessa de verdade por literatura, as informações básicas sobre todas essas obras. Já descobri como morre Anna Karenina, conheço a primeira frase de Moby Dick, sei em que dia e em que mês se dá a ação de Ulisses e posso falar longamente sobre o significado das madeleines na obra de Proust. Não que haja alguma vantagem nisso; chegar às linhas quase finais do Tolstói pra ver como ele mata sua heroína deve ser certamente mais prazeroso do que saber do suicídio da moça num ensaio sobre a obra.
Quanto aos clássicos, portanto, "enganar" (se é que é essa a palavra) não tem segredo algum. Muito mais divertido é enganar alguém que te empresta um livro que você não pediu e não está a fim de ler, e que toda hora pergunta o que você está achando da história. Por sorte, minha conhecida falta de memória ajuda. Mas a técnica é muito mais refinada do que a simples amnésia. Numa das poucas vezes em que eu tive testemunha do ato de mentir-pra-não-ficar-chato, um querido editor que trabalha comigo ficou boquiaberto com a cara-de-pau - e com a técnica - que usei pra falar de um livro que nosso chefe me emprestou. Só não vou contá-la aqui pra não correr o risco de alguém patentear em meu lugar. :-)
Pierre Bayard (Objetiva, 2008)
Confesso: não li a maioria dos clássicos. Não li os russos, não li Dom Quixote nem Moby Dick. Proust, Balzac, não li Ulisses nem A divina comédia, Guimarães Rosa eu não entendo, Hemingway acho um chato e Shakespeare não me atrai porque não gosto de ler teatro. E só pretendo encarar esses e vários outros autores e obras consagradas se surgir uma vontade incontrolável, eu é que não quero ler por obrigação (nem pro vestibular fiz isso), só porque pega bem, porque é falha de currículo - ou caráter.
Mesmo assim, como mostra Pierre Bayard - que eu só li por cima, na diagonal -, é muito fácil falar de todos eles, Balzac, Hemingway, A divina comédia. Tenho, eu e todo mundo que se interessa de verdade por literatura, as informações básicas sobre todas essas obras. Já descobri como morre Anna Karenina, conheço a primeira frase de Moby Dick, sei em que dia e em que mês se dá a ação de Ulisses e posso falar longamente sobre o significado das madeleines na obra de Proust. Não que haja alguma vantagem nisso; chegar às linhas quase finais do Tolstói pra ver como ele mata sua heroína deve ser certamente mais prazeroso do que saber do suicídio da moça num ensaio sobre a obra.
Quanto aos clássicos, portanto, "enganar" (se é que é essa a palavra) não tem segredo algum. Muito mais divertido é enganar alguém que te empresta um livro que você não pediu e não está a fim de ler, e que toda hora pergunta o que você está achando da história. Por sorte, minha conhecida falta de memória ajuda. Mas a técnica é muito mais refinada do que a simples amnésia. Numa das poucas vezes em que eu tive testemunha do ato de mentir-pra-não-ficar-chato, um querido editor que trabalha comigo ficou boquiaberto com a cara-de-pau - e com a técnica - que usei pra falar de um livro que nosso chefe me emprestou. Só não vou contá-la aqui pra não correr o risco de alguém patentear em meu lugar. :-)
terça-feira, 20 de janeiro de 2009
1808
1808
Todo mundo viu o fenômeno em que se transformou esse livro de Laurentino Gomes, jornalista com passagens pelo Estado de S. Paulo e pela Veja. Não foi um fato inédito: no final dos anos 90, o também jornalista Eduardo Bueno conseguiu feito semelhante com A viagem do descobrimento e os outros volumes da coleção Terra Brasilis, que tratava da história do Brasil de um jeito... bem, levinho e fácil de ler. Vendem horrores, e eu acho ótimo. Por mais que muita gente torça o nariz porque não são escritos por historiadores ou porque tratam dos fatos com mais ação e usam uma linguagem informal, pelo menos atingem o objetivo maior de todos os livros: serem lidos. E se conseguem despertar o interesse das pessoas pela História ou por outros livros, o mérito só aumenta.
Laurentino Gomes (Planeta do Brasil, 2007)
Durante o almoço de ontem, eu e meu amigo falávamos de nossas leituras recentes quando ele se lembrou de uma biografia de Robert Fitzroy, capitão do Beagle, o navio que levou entre seus passageiros um jovem Charles Darwin cheio de ideias e muita curiosidade. Empolgado, meu amigo falou: "É muito melhor que o 1808!" Eu disse que gostei de 1808, um livro levinho, fácil de ler. Pensei bem: tão fácil e tão levinho, na verdade, que ao passar de um capítulo para outro eu já tinha me esquecido do que acabara de ler.
Todo mundo viu o fenômeno em que se transformou esse livro de Laurentino Gomes, jornalista com passagens pelo Estado de S. Paulo e pela Veja. Não foi um fato inédito: no final dos anos 90, o também jornalista Eduardo Bueno conseguiu feito semelhante com A viagem do descobrimento e os outros volumes da coleção Terra Brasilis, que tratava da história do Brasil de um jeito... bem, levinho e fácil de ler. Vendem horrores, e eu acho ótimo. Por mais que muita gente torça o nariz porque não são escritos por historiadores ou porque tratam dos fatos com mais ação e usam uma linguagem informal, pelo menos atingem o objetivo maior de todos os livros: serem lidos. E se conseguem despertar o interesse das pessoas pela História ou por outros livros, o mérito só aumenta.
segunda-feira, 19 de janeiro de 2009
A paixão transformada
A paixão transformada
Moacyr Scliar (Companhia das Letras, 1998)
Os sintomas da doença nada mais são do que uma disfarçada manifestação do poder do amor; toda doença é apenas paixão transformada.
Essas palavras de Thoman Mann em A montanha mágica (o "épico da doença", como cita o autor) estão entre os diversos textos escolhidos por Moacyr Scliar para contar, ainda que por cima, a história da medicina na literatura - nem sempre ficcional, é verdade, já que inclui também alguns relatos médicos. A partir deles, Scliar escreve minicapítulos em que fala um pouco sobre o avanço dos cuidados com a saúde, a descoberta de doenças e de tratamentos, epidemias, experimentos pessoais e episódios históricos.
Talvez seja porque eu traga um pouco de hipocondria no DNA - a família da minha avó materna é notória pelo gosto por doenças e hospitais. O fato é que eu me interesso muito por temas médicos, e vejo nisso três motivos: o espanto maravilhado diante do funcionamento tão preciso do corpo humano, a facilidade com que esse mecanismo pode falhar de uma hora para outra, pelas mais diversas razões, e o conhecimento aliado aos recursos cada vez mais avançados de que dispõem os médicos para tentar reverter essa situação. Não é à toa que meu seriado preferido é House, nem que meu irmão me tenha dado um Gray's anatomy de presente. Sou uma paciente chatíssima que pergunta tudo para os médicos; não por medo, mas por curiosidade.
Scliar me deu ideias para várias leituras. Hoje mesmo comprei A doença como metáfora, de Susan Sontag, que saiu na coleção baratinha da Companhia das Letras. E fiquei curiosíssima por um livro de William Styron, autor de A escolha de Sofia (que não li): Darkness visible, um título muito apropriado para uma obra que fala da depressão, a grande, enorme praga do século 21. Só tenho receio de ler e me deixar influenciar, porque quero eu mesma, um dia, ainda sentar e escrever sobre isso. Mas não há como não simpatizar com um sujeito que escreve, segundo conta Scliar, que "a doença em sua forma catastrófica é inimaginável para aqueles que não passaram por ela e que conhecem apenas a frustração ou a tristeza que ocasionalmente manifestam-se na vida cotidiana". O texto segue com as palavras de Scliar: "Ele fala de uma 'tempestade uivando no cérebro', uma dor psíquica intensa que não pode ser aliviada por simpatia ou palavras de consolo. Pior é a sensação de um 'segundo eu', que acompanha o doente e o vigia, 'com desapaixonada curiosidade'. O tema do 'duplo', aliás, aparece muitas vezes na literatura - em Jorge Luis Borges, por exemplo."
Meu duplo intelectual continua andando por aí. E o outro permanece adormecido aqui dentro.
Moacyr Scliar (Companhia das Letras, 1998)
Os sintomas da doença nada mais são do que uma disfarçada manifestação do poder do amor; toda doença é apenas paixão transformada.
Essas palavras de Thoman Mann em A montanha mágica (o "épico da doença", como cita o autor) estão entre os diversos textos escolhidos por Moacyr Scliar para contar, ainda que por cima, a história da medicina na literatura - nem sempre ficcional, é verdade, já que inclui também alguns relatos médicos. A partir deles, Scliar escreve minicapítulos em que fala um pouco sobre o avanço dos cuidados com a saúde, a descoberta de doenças e de tratamentos, epidemias, experimentos pessoais e episódios históricos.
Talvez seja porque eu traga um pouco de hipocondria no DNA - a família da minha avó materna é notória pelo gosto por doenças e hospitais. O fato é que eu me interesso muito por temas médicos, e vejo nisso três motivos: o espanto maravilhado diante do funcionamento tão preciso do corpo humano, a facilidade com que esse mecanismo pode falhar de uma hora para outra, pelas mais diversas razões, e o conhecimento aliado aos recursos cada vez mais avançados de que dispõem os médicos para tentar reverter essa situação. Não é à toa que meu seriado preferido é House, nem que meu irmão me tenha dado um Gray's anatomy de presente. Sou uma paciente chatíssima que pergunta tudo para os médicos; não por medo, mas por curiosidade.
Scliar me deu ideias para várias leituras. Hoje mesmo comprei A doença como metáfora, de Susan Sontag, que saiu na coleção baratinha da Companhia das Letras. E fiquei curiosíssima por um livro de William Styron, autor de A escolha de Sofia (que não li): Darkness visible, um título muito apropriado para uma obra que fala da depressão, a grande, enorme praga do século 21. Só tenho receio de ler e me deixar influenciar, porque quero eu mesma, um dia, ainda sentar e escrever sobre isso. Mas não há como não simpatizar com um sujeito que escreve, segundo conta Scliar, que "a doença em sua forma catastrófica é inimaginável para aqueles que não passaram por ela e que conhecem apenas a frustração ou a tristeza que ocasionalmente manifestam-se na vida cotidiana". O texto segue com as palavras de Scliar: "Ele fala de uma 'tempestade uivando no cérebro', uma dor psíquica intensa que não pode ser aliviada por simpatia ou palavras de consolo. Pior é a sensação de um 'segundo eu', que acompanha o doente e o vigia, 'com desapaixonada curiosidade'. O tema do 'duplo', aliás, aparece muitas vezes na literatura - em Jorge Luis Borges, por exemplo."
Meu duplo intelectual continua andando por aí. E o outro permanece adormecido aqui dentro.
sexta-feira, 16 de janeiro de 2009
Hospital
Hospital
Houve uma época, provavelmente a adolescência, em que eu curtia esse tipo de livro-catástrofe, como os de Arthur Hailey - dele, me lembro de ter lido também Hotel, e talvez Aeroporto. Claro que pouquíssima coisa restou na minha memória. Um monte de gente presa num elevador quebrado, mas isso pode ter sido em Hotel. De Hospital, o que ficou foi uma médica ou enfermeira chamada Vera, que se apaixona pelo médico bonitão e, correspondida, faz planos de se casar com ele. Mas um dia ele está alisando a perna dela e percebe alguma coisa estranha num dos joelhos. E faz um exame. E encontra um tumor. E Vera tem que amputar a perna. E aí desiste de se casar com o médico porque acha cruel que ele tenha que acompanhá-la na praia e que todos fiquem olhando porque ela só tem um toco de perna. E o filho-da-puta do médico concorda com essa teoria bizarra. Bota catástrofe nisso.
Arthur Hailey
Passei a manhã de hoje num hospital para fazer dois exames chatinhos, mas indolores, e me lembrei desse livro enquanto congelava na sala de espera (será que os caras mantêm a temperatura lá dentro dez graus a menos do que faz lá fora só pra mais gente ficar doente e precisar de mais serviços hospitalares? Só pode ser. 31ºC na rua e 21ºC no hospital. Eu vi no termômetro).
Houve uma época, provavelmente a adolescência, em que eu curtia esse tipo de livro-catástrofe, como os de Arthur Hailey - dele, me lembro de ter lido também Hotel, e talvez Aeroporto. Claro que pouquíssima coisa restou na minha memória. Um monte de gente presa num elevador quebrado, mas isso pode ter sido em Hotel. De Hospital, o que ficou foi uma médica ou enfermeira chamada Vera, que se apaixona pelo médico bonitão e, correspondida, faz planos de se casar com ele. Mas um dia ele está alisando a perna dela e percebe alguma coisa estranha num dos joelhos. E faz um exame. E encontra um tumor. E Vera tem que amputar a perna. E aí desiste de se casar com o médico porque acha cruel que ele tenha que acompanhá-la na praia e que todos fiquem olhando porque ela só tem um toco de perna. E o filho-da-puta do médico concorda com essa teoria bizarra. Bota catástrofe nisso.
quinta-feira, 15 de janeiro de 2009
O amor nos tempos do cólera
O amor nos tempos do cólera
É dessa passagem muito esclarecedora, devidamente anotada no meu caderninho, que eu primeiro me lembro quando penso em O amor nos tempos do cólera. Não sei agora a que personagem o autor se referia, mas tanto faz: taí uma grande verdade. Só que García Márquez brinca com o próprio texto e coloca seus dois protagonistas numa grande trapalhada. Fermina Daza também era uma criada dos preconceitos quando conheceu Florentino Ariza. E é ele, na verdade, que procura saltar barreiras e derrubar fortalezas para conquistar seu amor da vida inteira. Penso no diálogo final da história e fico emocionada de alegria e beleza - O amor nos tempos do cólera me tocou muito mais do que Cem anos de solidão.
Gabriel García Márquez (Record, 1985)
“'Nós, homens, somos uns pobres criados dos preconceitos', ele tinha dito certa vez. 'Em compensação, quando uma mulher resolve dormir com um homem não há barreira que não salte, nem fortaleza que não derrube, nem consideração moral nenhuma que não esteja disposta a varar de lado a lado: não há Deus que valha'".
É dessa passagem muito esclarecedora, devidamente anotada no meu caderninho, que eu primeiro me lembro quando penso em O amor nos tempos do cólera. Não sei agora a que personagem o autor se referia, mas tanto faz: taí uma grande verdade. Só que García Márquez brinca com o próprio texto e coloca seus dois protagonistas numa grande trapalhada. Fermina Daza também era uma criada dos preconceitos quando conheceu Florentino Ariza. E é ele, na verdade, que procura saltar barreiras e derrubar fortalezas para conquistar seu amor da vida inteira. Penso no diálogo final da história e fico emocionada de alegria e beleza - O amor nos tempos do cólera me tocou muito mais do que Cem anos de solidão.
quarta-feira, 14 de janeiro de 2009
Erico Verissimo
Erico Verissimo
Instituto Moreira Salles, 2003
Consta que, quando perguntado se podia dar uma declaração sobre Luis Fernando Verissimo para uma reportagem da revista Veja, Fernando Henrique Cardoso teria dito: "Verissimo, pra mim, só o Erico". Eu provavelmente responderia o mesmo. Não tenho nada contra o Luis Fernando, ao contrário. Mesmo com aquele jeito de tartaruguinha tímida, ele é muito simpático e eu gosto de Traçando New York e dos outros livros da série. Mas Erico é diferente. Erico é Literatura com L maiúsculo.
Esse é o 16º volume dos Cadernos de Literatura Brasileira, uma bela iniciativa do Instituto Moreira Salles - que edita, acredito que a cada seis meses, um volume inteiro sobre algum de nossos escritores. Ilustrado com belas fotos preto-e-branco (há um capítulo de Cristiano Mascaro sobre Porto Alegre e outro, de Edu Simões, sobre o interior gaúcho), o livrão traz uma cronologia, trechos de entrevistas concedidas por Verissimo a diversos jornais e revistas, ensaios sobre sua obra. Pra mim, o melhor de tudo é "Manuscritos/inéditos", com partes de um romance que EV deixou inacabado. Estão lá não apenas parágrafos inteiros do texto como reproduções coloridas de algumas páginas dos cadernos que ele usava para fazer anotações. Primeira descoberta: ele escrevia suas ideias tanto em português quanto em inglês. Segunda: ele desenhava seus próprios personagens. Acho um privilégio poder espiar a cabeça do escritor e conhecer seu método de trabalho. É claro que não existe fórmula, o que deixa tudo mais fascinante. Verissimo fazia assim, Cortázar daquele jeito, cada um descobre a melhor maneira de trabalhar e criar.
E para quem chegou até esse post porque digitou "árvore genealógica de O tempo e o vento" no Google, sinto muito. Vai ter que procurar em outro blog, abrir o bolso e comprar esse livro ou, muito melhor, largar a preguiça de lado e partir para a leitura da obra-prima de Verissimo.
Instituto Moreira Salles, 2003
Consta que, quando perguntado se podia dar uma declaração sobre Luis Fernando Verissimo para uma reportagem da revista Veja, Fernando Henrique Cardoso teria dito: "Verissimo, pra mim, só o Erico". Eu provavelmente responderia o mesmo. Não tenho nada contra o Luis Fernando, ao contrário. Mesmo com aquele jeito de tartaruguinha tímida, ele é muito simpático e eu gosto de Traçando New York e dos outros livros da série. Mas Erico é diferente. Erico é Literatura com L maiúsculo.
Esse é o 16º volume dos Cadernos de Literatura Brasileira, uma bela iniciativa do Instituto Moreira Salles - que edita, acredito que a cada seis meses, um volume inteiro sobre algum de nossos escritores. Ilustrado com belas fotos preto-e-branco (há um capítulo de Cristiano Mascaro sobre Porto Alegre e outro, de Edu Simões, sobre o interior gaúcho), o livrão traz uma cronologia, trechos de entrevistas concedidas por Verissimo a diversos jornais e revistas, ensaios sobre sua obra. Pra mim, o melhor de tudo é "Manuscritos/inéditos", com partes de um romance que EV deixou inacabado. Estão lá não apenas parágrafos inteiros do texto como reproduções coloridas de algumas páginas dos cadernos que ele usava para fazer anotações. Primeira descoberta: ele escrevia suas ideias tanto em português quanto em inglês. Segunda: ele desenhava seus próprios personagens. Acho um privilégio poder espiar a cabeça do escritor e conhecer seu método de trabalho. É claro que não existe fórmula, o que deixa tudo mais fascinante. Verissimo fazia assim, Cortázar daquele jeito, cada um descobre a melhor maneira de trabalhar e criar.
E para quem chegou até esse post porque digitou "árvore genealógica de O tempo e o vento" no Google, sinto muito. Vai ter que procurar em outro blog, abrir o bolso e comprar esse livro ou, muito melhor, largar a preguiça de lado e partir para a leitura da obra-prima de Verissimo.
terça-feira, 13 de janeiro de 2009
Criação
Criação
Gore Vidal (Nova Fronteira, 2006)
Quando eu passo pela estante e vejo esse livro, tenho dois sentimentos contraditórios: penso no quanto eu gostei e no quanto achei chata a maior parte da leitura. Confesso, com certa vergonha, que cheguei a pular alguns parágrafos - até onde me lembro, umas descrições longuíssimas de viagens longuíssimas com gente estranha ao narrador. Algum tempo antes eu tinha lido Juliano, também do Gore Vidal, e não tive a impressão de ser chato; na verdade, de ser cansativo.
Quem conta a história é Cyrus Spitama, neto de Zoroastro e seu herdeiro espiritual, por assim dizer. Mas a mente do sujeito é inquieta e ele não parece totalmente convencido da origem do mundo e do significado da existência humana segundo os preceitos do zoroastrismo. Quando seu amigo, o rei (imperador?) Xerxes, o manda em missão diplomática para a Ásia, ele vai de bom grado e, no meio do caminho, tem a sorte de conhecer e filosofar com gente como o Buda e Confúcio - além dos gregos Sócrates e Péricles, com quem vem a conviver depois. Se minha memória ainda serve para alguma coisa, depois de várias jornadas Cyrus Spitama chega à conclusão óbvia: não há respostas para suas perguntas existenciais.
Gore Vidal (Nova Fronteira, 2006)
Quando eu passo pela estante e vejo esse livro, tenho dois sentimentos contraditórios: penso no quanto eu gostei e no quanto achei chata a maior parte da leitura. Confesso, com certa vergonha, que cheguei a pular alguns parágrafos - até onde me lembro, umas descrições longuíssimas de viagens longuíssimas com gente estranha ao narrador. Algum tempo antes eu tinha lido Juliano, também do Gore Vidal, e não tive a impressão de ser chato; na verdade, de ser cansativo.
Quem conta a história é Cyrus Spitama, neto de Zoroastro e seu herdeiro espiritual, por assim dizer. Mas a mente do sujeito é inquieta e ele não parece totalmente convencido da origem do mundo e do significado da existência humana segundo os preceitos do zoroastrismo. Quando seu amigo, o rei (imperador?) Xerxes, o manda em missão diplomática para a Ásia, ele vai de bom grado e, no meio do caminho, tem a sorte de conhecer e filosofar com gente como o Buda e Confúcio - além dos gregos Sócrates e Péricles, com quem vem a conviver depois. Se minha memória ainda serve para alguma coisa, depois de várias jornadas Cyrus Spitama chega à conclusão óbvia: não há respostas para suas perguntas existenciais.
segunda-feira, 12 de janeiro de 2009
Comer, rezar, amar
Comer, rezar, amar
Ganhei esse livro de uma amiga que não poderia ser mais especial - porque gostamos uma da outra desde que começamos a trabalhar juntas, em 1995, porque depois ela se casou com meu irmão, porque ela é mãe da minha sobrinha e porque, no começo do ano passado, ela terminou correndo de ler esse livro no carro, a caminho do aeroporto, só pra poder me dar de presente. E, mesmo apressada, escreveu uma dedicatória linda.
Tentei começar a ler ainda no avião, antes que os tarja-preta me derrubassem; não deu tempo. Tentei ler assim que cheguei em casa; não rolou. Acho que o momento era errado. Eu estava triste e sem rumo demais pra encontrar conforto na história de uma mulher que, também triste e sem rumo demais, arrumou as malas e tirou um ano sabático pra viajar pelo mundo - eu não podia fazer aquilo e, de todo modo, duvido que tivesse adiantado; tudo o que eu queria era voltar pra casa, me encolher debaixo das cobertas e ficar quietinha no meu canto. Pouco depois o livro foi traduzido e lançado em português, e virou um desses fenômenos com jeito respeitável mas que, dá pra sacar, as pessoas leem como auto-ajuda. Ou melhor: como história edificante e inspiradora. Peguei birra. Uma pena, porque minha amiga não faz o gênero auto-ajuda e eu gostaria, sim, de ler a experiência de alguém nos lugares por onde Elizabeth Gilbert passou. Quem sabe um outro dia.
Elizabeth Gilbert (Objetiva, 2008)
Ganhei esse livro de uma amiga que não poderia ser mais especial - porque gostamos uma da outra desde que começamos a trabalhar juntas, em 1995, porque depois ela se casou com meu irmão, porque ela é mãe da minha sobrinha e porque, no começo do ano passado, ela terminou correndo de ler esse livro no carro, a caminho do aeroporto, só pra poder me dar de presente. E, mesmo apressada, escreveu uma dedicatória linda.
Tentei começar a ler ainda no avião, antes que os tarja-preta me derrubassem; não deu tempo. Tentei ler assim que cheguei em casa; não rolou. Acho que o momento era errado. Eu estava triste e sem rumo demais pra encontrar conforto na história de uma mulher que, também triste e sem rumo demais, arrumou as malas e tirou um ano sabático pra viajar pelo mundo - eu não podia fazer aquilo e, de todo modo, duvido que tivesse adiantado; tudo o que eu queria era voltar pra casa, me encolher debaixo das cobertas e ficar quietinha no meu canto. Pouco depois o livro foi traduzido e lançado em português, e virou um desses fenômenos com jeito respeitável mas que, dá pra sacar, as pessoas leem como auto-ajuda. Ou melhor: como história edificante e inspiradora. Peguei birra. Uma pena, porque minha amiga não faz o gênero auto-ajuda e eu gostaria, sim, de ler a experiência de alguém nos lugares por onde Elizabeth Gilbert passou. Quem sabe um outro dia.
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O dicionário das palavras esquecidas
O dicionário das palavras esquecidas
Dizem que o Brasil não tem memória, e eu concordo em boa parte com isso. Em tempos de novo acordo ortográfico, a maioria só desce a lenha; ninguém para pra pensar que já houve mudanças anteriores e pra melhor, nem sacam que o idioma é assim mesmo, vivo, e ainda bem que o seja. O velho e ranzinza Castro Lopes esteve aí pra mostrar isso: nem seus neologismos inventados com base em nossas raízes gregas e latinas pegaram - com a honrosa exceção pra palavra "cardápio". Então eu me sinto orgulhosa por ter conseguido chegar às idéias de Lutécio Jordão e ao trabalho que ele tão diligentemente organizou. Só ele, mesmo, pra distinguir cofalugia de colufagia - e essas são apenas duas das palavras esquecidas que ele recuperou.
Lutécio Jordão
Apenas duas pessoas, no mundo inteiro, sabem do meu envolvimento com os diários de Lutécio Jordão: a maneira como os cadernos chegaram até mim, o trabalho de recuperação que ando fazendo, as dificuldades de se estabelecer uma cronologia e a árvore genealógica do autor. Ele, um sujeito que no começo colaborou muitíssimo, mas que espero nunca mais ver na vida. Ela, uma amiga querida que incentiva e cobra o andamento do trabalho (calma, K., um dia sai).
Dizem que o Brasil não tem memória, e eu concordo em boa parte com isso. Em tempos de novo acordo ortográfico, a maioria só desce a lenha; ninguém para pra pensar que já houve mudanças anteriores e pra melhor, nem sacam que o idioma é assim mesmo, vivo, e ainda bem que o seja. O velho e ranzinza Castro Lopes esteve aí pra mostrar isso: nem seus neologismos inventados com base em nossas raízes gregas e latinas pegaram - com a honrosa exceção pra palavra "cardápio". Então eu me sinto orgulhosa por ter conseguido chegar às idéias de Lutécio Jordão e ao trabalho que ele tão diligentemente organizou. Só ele, mesmo, pra distinguir cofalugia de colufagia - e essas são apenas duas das palavras esquecidas que ele recuperou.
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domingo, 11 de janeiro de 2009
Sábado
Sábado
Falou-se muito que Sábado não aguentaria a comparação com o sensacional romance anterior de McEwan, Reparação. Não concordo. Ambos são ótimos, cada um a seu jeito. Falou-se também sobre a importância desse romance de peso para definir os comportamentos pós-11 de setembro. Acho exagero. Embora pai e filha, na história, discutam muito sobre a possível invasão do Iraque, o pano de fundo da trama - uma enorme manifestação, em Londres, contra a guerra iminente - não passa disso: um pano de fundo. (A respeito dos atentados ao World Trade Center, muito mais dedo-na-ferida, pra mim, é Extremamente alto e incrivelmente perto.)
McEwan descreve um dia que teria tudo para ser bom na vida de Henry Perowne: ele vai cedo jogar squash, prepara-se para receber a filha poeta, compra os ingredientes do jantar que pretende fazer, transa com a mulher, ouve a música do filho. Até que dois sujeitos que haviam batido em seu carro, mais cedo, invadem sua casa. E colocam tudo de pernas pro ar.
Ian McEwan (Companhia das Letras, 2005)
Eu estava na Flip de 2004 quando Ian McEwan falou sobre o romance que havia terminado de escrever, Sábado. Leu um trecho do livro e contou, para minha profunda inveja, que sua pesquisa sobre o trabalho de um neurocirurgião o levara até a acompanhar uma cirurgia (ou teria ele apenas entrevistado longamente um médico? Tanto faz. Deve ter sido fascinante de todo jeito). Disse ter conhecido um médico que operava ao som de música erudita, assim como seu personagem, e que precisou consultar vários compêndios de medicina para não escrever bobagem na hora de descrever uma cirurgia.
Falou-se muito que Sábado não aguentaria a comparação com o sensacional romance anterior de McEwan, Reparação. Não concordo. Ambos são ótimos, cada um a seu jeito. Falou-se também sobre a importância desse romance de peso para definir os comportamentos pós-11 de setembro. Acho exagero. Embora pai e filha, na história, discutam muito sobre a possível invasão do Iraque, o pano de fundo da trama - uma enorme manifestação, em Londres, contra a guerra iminente - não passa disso: um pano de fundo. (A respeito dos atentados ao World Trade Center, muito mais dedo-na-ferida, pra mim, é Extremamente alto e incrivelmente perto.)
McEwan descreve um dia que teria tudo para ser bom na vida de Henry Perowne: ele vai cedo jogar squash, prepara-se para receber a filha poeta, compra os ingredientes do jantar que pretende fazer, transa com a mulher, ouve a música do filho. Até que dois sujeitos que haviam batido em seu carro, mais cedo, invadem sua casa. E colocam tudo de pernas pro ar.
Love letters
Love letters
Organizado por Antonia Fraser (Crescent Books, 1995)
Eu me lembro direitinho do dia em que comprei esse livro, há mais de dez anos: a livraria que já não existe mais, o homem que estava comigo, o casaco que eu vestia, a temperatura que fazia lá fora. Um pouco antes eu tinha visto Carrington, um filme belo, chato e triste que conta a história do amor entre a pintora Dora Carrington, vivida por Emma Thompson, e o escritor homossexual Lytton Strachey. Até hoje acho que são deles as cartas mais tocantes desse livro, incluídas no capítulo Total Love. (Há vários outros, como Declarations, Pleas, Jealousies, Separations e Farewells, com a troca de correspondência entre James Joyce e Nora Barnacle, Zelda e F. Scott Fitzgerald, Napoleão e Josefina, Henrique VIII e Ana Bolena...)
De certa maneira, eu encontrei num trecho da carta de Lytton a descrição do que havia se tornado o sentimento daquele homem por mim - com a diferença de que ele não era, não é, gay. Doeu. Durante muito tempo, eu chorei ao ler as palavras de Lytton Strachey, principalmente as frases que destaquei abaixo. Mas, como o tempo cura tudo, hoje elas provocam em mim apenas um sorriso de felicidade. Porque apesar de tantos fatores contrários, meu amor também pôde evoluir e se transformar no amor mais verdadeiro que existe, o da amizade. E permanece vivo até hoje.
(...) Oh, my dear, do you really want me to tell you that I "love you as a friend"? But of course this is absurd, and you do know very well that I love you as something more than a friend, your angelic creature, whose goodness to me has made me happy for years, and whose presence in my life has been, and always will be, one of the most important things in it. Your letter made me cry. I feel a poor old miserable creature, and I may have brought more unhappiness to you than anything else. I only pray that it is not so, and that my love for you, even though is not what you desire, may yet make our relationship a blessing to you - as it has been to me. Remember that I too have never had my moon! We are all helpless in these things - dreadfully helpless. (...)
Organizado por Antonia Fraser (Crescent Books, 1995)
Eu me lembro direitinho do dia em que comprei esse livro, há mais de dez anos: a livraria que já não existe mais, o homem que estava comigo, o casaco que eu vestia, a temperatura que fazia lá fora. Um pouco antes eu tinha visto Carrington, um filme belo, chato e triste que conta a história do amor entre a pintora Dora Carrington, vivida por Emma Thompson, e o escritor homossexual Lytton Strachey. Até hoje acho que são deles as cartas mais tocantes desse livro, incluídas no capítulo Total Love. (Há vários outros, como Declarations, Pleas, Jealousies, Separations e Farewells, com a troca de correspondência entre James Joyce e Nora Barnacle, Zelda e F. Scott Fitzgerald, Napoleão e Josefina, Henrique VIII e Ana Bolena...)
De certa maneira, eu encontrei num trecho da carta de Lytton a descrição do que havia se tornado o sentimento daquele homem por mim - com a diferença de que ele não era, não é, gay. Doeu. Durante muito tempo, eu chorei ao ler as palavras de Lytton Strachey, principalmente as frases que destaquei abaixo. Mas, como o tempo cura tudo, hoje elas provocam em mim apenas um sorriso de felicidade. Porque apesar de tantos fatores contrários, meu amor também pôde evoluir e se transformar no amor mais verdadeiro que existe, o da amizade. E permanece vivo até hoje.
(...) Oh, my dear, do you really want me to tell you that I "love you as a friend"? But of course this is absurd, and you do know very well that I love you as something more than a friend, your angelic creature, whose goodness to me has made me happy for years, and whose presence in my life has been, and always will be, one of the most important things in it. Your letter made me cry. I feel a poor old miserable creature, and I may have brought more unhappiness to you than anything else. I only pray that it is not so, and that my love for you, even though is not what you desire, may yet make our relationship a blessing to you - as it has been to me. Remember that I too have never had my moon! We are all helpless in these things - dreadfully helpless. (...)
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O primo Basílio
O primo Basílio
Eça de Queirós (Ateliê Editorial, 1998)
Conhecer de antemão o desfecho da história faz diminuir o prazer da leitura? Tenho dúvidas. Por mais que eu saiba quem é o culpado, releio com gosto até romances policias - meus Agatha Christie preferidos, por exemplo. Mas ontem eu me lembrei que não terminei Anna Karenina porque me contaram o triste fim da moça antes do tempo. Ok, talvez fosse obrigação minha saber; é um clássico, afinal. Ou talvez eu não estivesse mesmo gostando da história.
Também não conhecia o final de O primo Basílio e passei o tempo todo torcendo por Luísa. Creio que vai ser sempre assim, ainda que agora eu já saiba o que acontece com os personagens - só pela conversa final, pra mim Basílio sempre estará entre os homens mais desprezíveis da literatura. Esse fenômeno é engraçado. Toda vez que releio Os Maias, por mais que eu conheça a história de trás pra frente, torço por uma revelação que, afinal, permita a Carlos e Maria Eduarda ficarem juntos. Li a Ilíada já sabendo que Aquiles morre e Tróia perde a guerra, e mesmo assim sofri pra caramba com a morte do herói e passei o tempo todo em cima do mundo, ora querendo a vitória dos gregos, ora dos troianos. Tem gente que não entende as releituras; já ouvi diversas vezes coisas do tipo "mas eu já li, que perda de tempo ler de novo". Imagino o que esse povo diria ao saber que não só eu releio como ainda torço e sofro tudo outra vez.
Eça de Queirós (Ateliê Editorial, 1998)
Conhecer de antemão o desfecho da história faz diminuir o prazer da leitura? Tenho dúvidas. Por mais que eu saiba quem é o culpado, releio com gosto até romances policias - meus Agatha Christie preferidos, por exemplo. Mas ontem eu me lembrei que não terminei Anna Karenina porque me contaram o triste fim da moça antes do tempo. Ok, talvez fosse obrigação minha saber; é um clássico, afinal. Ou talvez eu não estivesse mesmo gostando da história.
Também não conhecia o final de O primo Basílio e passei o tempo todo torcendo por Luísa. Creio que vai ser sempre assim, ainda que agora eu já saiba o que acontece com os personagens - só pela conversa final, pra mim Basílio sempre estará entre os homens mais desprezíveis da literatura. Esse fenômeno é engraçado. Toda vez que releio Os Maias, por mais que eu conheça a história de trás pra frente, torço por uma revelação que, afinal, permita a Carlos e Maria Eduarda ficarem juntos. Li a Ilíada já sabendo que Aquiles morre e Tróia perde a guerra, e mesmo assim sofri pra caramba com a morte do herói e passei o tempo todo em cima do mundo, ora querendo a vitória dos gregos, ora dos troianos. Tem gente que não entende as releituras; já ouvi diversas vezes coisas do tipo "mas eu já li, que perda de tempo ler de novo". Imagino o que esse povo diria ao saber que não só eu releio como ainda torço e sofro tudo outra vez.
sábado, 10 de janeiro de 2009
Contos de fadas
Contos de fadas
Edição de Maria Tatar (Jorge Zahar Editor, 2004)
Minha sobrinha linda e espertíssima não tem nem cinco meses de vida e eu já sonho com o dia em que vou poder ler pra ela - e com ela - as mais variadas histórias. Na verdade, já comecei: mesmo me sentindo a criatura mais nonsense e abobalhada do planeta, coloquei-a no colo outro dia e, com ela quietinha, li o Guess how much I love you inteirinho em voz alta, interpretando as falas do Big Nut e do Little Nutbrown Hare. Terminei chorando de emoção e com a certeza de que ela havia, sim, prestado atenção (imagina se ela ficou quietinha só porque estava caindo de sono!).
Essa linda edição de Contos de fadas me foi dada de presente por uma querida e talentosíssima amiga, criatura de bom gosto incrível que, não à toa, adora a Mulher-Maravilha (eu fico impressionada ao ver como ela se desdobra nas funções de mulher, tia, filha, dona-de-casa, cozinheira e profissional de extrema competência; nunca tive, não tenho e duvido que algum dia tenha esse pique). O bacana do livro é reunir os contos tradicionais de vários autores, principalmente Perrault, Andersen e os Irmãos Grimm, e incrementá-los com ilustrações que atravessaram o tempo, desde o século 19; pena que não sejam coloridas nem tenham ganhado mais espaço. Também acompanham cada história uma introdução e notas informativas, destinadas aos leitores adultos - parece mesmo o tipo de livro que se pega para ler às sobrinhas em estado de sonolência.
Meu primeiro contato com contos de fadas aconteceu, acredito, no Mundo da Criança, misturado com o Monteiro Lobato infantil (nunca mais encontrei a história de Rosa Branca e Rosa Vermelha!). E nos desenhos da Disney. Lembro do meu padrinho levando a mim e a meu irmão pra ver Branca de Neve no finado Cine Astor; estava tão lotado que tivemos de sentar no chão. Também me lembro vagamente da minha mãe vendo Cinderela com a gente, mas não sei se era teatro ou cinema. De qualquer forma, minha mãe ficou cantando a música da fada-madrinha por dias.
Contos de fadas traz desfechos diferentes para as minhas duas histórias preferidas. Maria Tatar escolheu a versão dos Grimm para A bela adormecida; no original de Perrault, que só conheci já adulta, o foram-felizes-para-sempre demorou mais para acontecer: antes disso, a princesa teve que lidar com a extrema maldade da sogra, que a certa altura tem vontade de comer os netinhos assados. E nunca tinha lido o final que ela relata em A pequena sereia. Em meu livro com os contos de Andersen, a sereia-transformada-em-gente não consegue matar o príncipe e, por causa do acordo feito com a bruxa-do-mar, acaba virando espuma. End of story. Maria Tatar endossa essa versão, mas acrescenta nuns parágrafos finais nova transformação: a pobrezinha vira um "ser do ar" e vai passar o resto de seus dias fazendo boas ações para tentar alcançar a imortalidade.
É claro que, com o tempo, e de acordo com o relato, todas essas histórias passaram por mudanças - o próprio Disney fez o que quis com algumas tramas, como Pinóquio e A pequena sereia. Mas eu não sei até que ponto é saudável forçar o final feliz ou amenizar o sofrimento em cada uma delas.
Edição de Maria Tatar (Jorge Zahar Editor, 2004)
Minha sobrinha linda e espertíssima não tem nem cinco meses de vida e eu já sonho com o dia em que vou poder ler pra ela - e com ela - as mais variadas histórias. Na verdade, já comecei: mesmo me sentindo a criatura mais nonsense e abobalhada do planeta, coloquei-a no colo outro dia e, com ela quietinha, li o Guess how much I love you inteirinho em voz alta, interpretando as falas do Big Nut e do Little Nutbrown Hare. Terminei chorando de emoção e com a certeza de que ela havia, sim, prestado atenção (imagina se ela ficou quietinha só porque estava caindo de sono!).
Essa linda edição de Contos de fadas me foi dada de presente por uma querida e talentosíssima amiga, criatura de bom gosto incrível que, não à toa, adora a Mulher-Maravilha (eu fico impressionada ao ver como ela se desdobra nas funções de mulher, tia, filha, dona-de-casa, cozinheira e profissional de extrema competência; nunca tive, não tenho e duvido que algum dia tenha esse pique). O bacana do livro é reunir os contos tradicionais de vários autores, principalmente Perrault, Andersen e os Irmãos Grimm, e incrementá-los com ilustrações que atravessaram o tempo, desde o século 19; pena que não sejam coloridas nem tenham ganhado mais espaço. Também acompanham cada história uma introdução e notas informativas, destinadas aos leitores adultos - parece mesmo o tipo de livro que se pega para ler às sobrinhas em estado de sonolência.
Meu primeiro contato com contos de fadas aconteceu, acredito, no Mundo da Criança, misturado com o Monteiro Lobato infantil (nunca mais encontrei a história de Rosa Branca e Rosa Vermelha!). E nos desenhos da Disney. Lembro do meu padrinho levando a mim e a meu irmão pra ver Branca de Neve no finado Cine Astor; estava tão lotado que tivemos de sentar no chão. Também me lembro vagamente da minha mãe vendo Cinderela com a gente, mas não sei se era teatro ou cinema. De qualquer forma, minha mãe ficou cantando a música da fada-madrinha por dias.
Contos de fadas traz desfechos diferentes para as minhas duas histórias preferidas. Maria Tatar escolheu a versão dos Grimm para A bela adormecida; no original de Perrault, que só conheci já adulta, o foram-felizes-para-sempre demorou mais para acontecer: antes disso, a princesa teve que lidar com a extrema maldade da sogra, que a certa altura tem vontade de comer os netinhos assados. E nunca tinha lido o final que ela relata em A pequena sereia. Em meu livro com os contos de Andersen, a sereia-transformada-em-gente não consegue matar o príncipe e, por causa do acordo feito com a bruxa-do-mar, acaba virando espuma. End of story. Maria Tatar endossa essa versão, mas acrescenta nuns parágrafos finais nova transformação: a pobrezinha vira um "ser do ar" e vai passar o resto de seus dias fazendo boas ações para tentar alcançar a imortalidade.
É claro que, com o tempo, e de acordo com o relato, todas essas histórias passaram por mudanças - o próprio Disney fez o que quis com algumas tramas, como Pinóquio e A pequena sereia. Mas eu não sei até que ponto é saudável forçar o final feliz ou amenizar o sofrimento em cada uma delas.
sexta-feira, 9 de janeiro de 2009
A misteriosa chama da Rainha Loana
A misteriosa chama da Rainha Loana
Umberto Eco (Record, 2005)
Não sou lá muito fã do Umberto Eco, mesmo tendo gostado de O nome da rosa e do melhor ainda Pós-escrito a O nome da rosa. Tentei ler A ilha do dia anterior, tentei ler Baudolino, e nada. Mas insisti quando saiu esse livro por causa do assunto principal: a falta de memória e as lembranças, muitas delas literárias, que vão ajudar a trazê-la de volta. Gostei mesmo apenas da primeira das três partes que formam o romance, a chatice em que se encontra Yambo, o protagonista, que ainda sabe dizer quando a América foi descoberta e citar o Teorema de Pitágoras, mas que não lembra o próprio nome, não sabe onde mora nem o que faz, e não reconhece a própria família.
Para ajudar na recuperação, Yambo vai passar uns dias na casa de campo que herdou do avô, onde está guardada uma enorme coleção de discos, revistas, livros e quadrinhos de sua infância. E foi justamente aí, no começo da segunda parte, que me perdi na história. As lembranças de Yambo datam dos anos 40 e a eles fazem referência. Pior: referências culturais da Itália. Não conheço quase nada, não havia como me empolgar. Ainda assim, vejo agora que pelo menos um pouco o livro me fez pensar, tantas são as frases sublinhadas. E uma anotação escrita à margem, na página 224: "Reiventar a infância, também sonhada - e não vivida? - por causa de livros, aventura, mistérios que não aconteceram. O desafio é agora." Eu não me lembro mais do desafio.
Umberto Eco (Record, 2005)
Não sou lá muito fã do Umberto Eco, mesmo tendo gostado de O nome da rosa e do melhor ainda Pós-escrito a O nome da rosa. Tentei ler A ilha do dia anterior, tentei ler Baudolino, e nada. Mas insisti quando saiu esse livro por causa do assunto principal: a falta de memória e as lembranças, muitas delas literárias, que vão ajudar a trazê-la de volta. Gostei mesmo apenas da primeira das três partes que formam o romance, a chatice em que se encontra Yambo, o protagonista, que ainda sabe dizer quando a América foi descoberta e citar o Teorema de Pitágoras, mas que não lembra o próprio nome, não sabe onde mora nem o que faz, e não reconhece a própria família.
Para ajudar na recuperação, Yambo vai passar uns dias na casa de campo que herdou do avô, onde está guardada uma enorme coleção de discos, revistas, livros e quadrinhos de sua infância. E foi justamente aí, no começo da segunda parte, que me perdi na história. As lembranças de Yambo datam dos anos 40 e a eles fazem referência. Pior: referências culturais da Itália. Não conheço quase nada, não havia como me empolgar. Ainda assim, vejo agora que pelo menos um pouco o livro me fez pensar, tantas são as frases sublinhadas. E uma anotação escrita à margem, na página 224: "Reiventar a infância, também sonhada - e não vivida? - por causa de livros, aventura, mistérios que não aconteceram. O desafio é agora." Eu não me lembro mais do desafio.
quinta-feira, 8 de janeiro de 2009
Manual de estilo
Manual de estilo
Ana Cury (CosacNaify, 2005)
Comecei a escrever esse blog por sugestão da muito querida Mari, que estava organizando um site cultural e me pediu sugestões literárias. Gostei da ideia porque livros talvez sejam meu assunto preferido, mas também porque eu sou muito, muito chata, e achei que num blog poderia reclamar dos defeitos que encontro tantas vezes nos livros que compro; acho que os dois piores casos estão aqui e aqui.
Eu trabalho em uma das maiores empresas de comunicação do país. Sou responsável pela edição de publicações que, quando saem com erros, podem causar muita dor de cabeça aos leitores. Minha equipe funciona em estado constante de alerta, nosso empenho na checagem das informações é super rigoroso e, mesmo assim, é inevitável: erros acontecem. Um nome digitado com a grafia errada. Um telefone que mudou. O prazo apertado que não permitiu uma revisão mais profunda. Uma droga. "Errar é humano" é muito fácil de dizer para os outros, mas difícil de assimilar quando você sabe que vai amargar a sensação de que talvez pudesse ter evitado o erro.
Tudo isso para dizer que, mesmo conhecendo de perto a probabilidade de erros, acho inconcebível que eles apareçam numa publicação como esse Manual de estilo, lançado por uma editora que respeito, e que li hoje de uma sentada, na Fnac Pinheiros. O primeiro desaforo: o livro estava shrinkado, envolto em plástico transparente. Eu não tive dúvida em arrancá-lo. Como é que poderia comprar um livro de R$ 60 sem saber do que se trata? Tirado o shrink, aparece o erro de conceito: de manual, ele não tem nada. É um trabalho bonito, fotos de belas modelos vestindo belas roupas, com páginas recortadas para que a parte de cima de uma produção possa ser vista com a parte de baixo de outra - assim os looks se multiplicam. O caso é que, para ser manual, teria que vir com dicas, regrinhas, princípios. Não vem; no máximo, compila meia dúzia de conceitos batidos sobre moda (que, ahá, não é a mesma coisa que estilo). Trata-se, na verdade, de um grande editorial, e datado; mas você só vai descobrir que a autora fala de tendências para 2005 se tiver curiosidade de ler a ficha catalográfica, como eu tive.
Por fim, o que me deixa com mais raiva. A cada duas páginas há um textinho de, no máximo, duas frases curtas. E, nelas, erros como "a bermuda é um acaso à parte", "tons pásteis", "tricô e um colar vai bem". Não dá pra dizer que foi erro de digitação. Nem que houve revisão. E, certamente, dada a qualidade da produção fotográfica, dinheiro não faltou para isso.
Ana Cury (CosacNaify, 2005)
Comecei a escrever esse blog por sugestão da muito querida Mari, que estava organizando um site cultural e me pediu sugestões literárias. Gostei da ideia porque livros talvez sejam meu assunto preferido, mas também porque eu sou muito, muito chata, e achei que num blog poderia reclamar dos defeitos que encontro tantas vezes nos livros que compro; acho que os dois piores casos estão aqui e aqui.
Eu trabalho em uma das maiores empresas de comunicação do país. Sou responsável pela edição de publicações que, quando saem com erros, podem causar muita dor de cabeça aos leitores. Minha equipe funciona em estado constante de alerta, nosso empenho na checagem das informações é super rigoroso e, mesmo assim, é inevitável: erros acontecem. Um nome digitado com a grafia errada. Um telefone que mudou. O prazo apertado que não permitiu uma revisão mais profunda. Uma droga. "Errar é humano" é muito fácil de dizer para os outros, mas difícil de assimilar quando você sabe que vai amargar a sensação de que talvez pudesse ter evitado o erro.
Tudo isso para dizer que, mesmo conhecendo de perto a probabilidade de erros, acho inconcebível que eles apareçam numa publicação como esse Manual de estilo, lançado por uma editora que respeito, e que li hoje de uma sentada, na Fnac Pinheiros. O primeiro desaforo: o livro estava shrinkado, envolto em plástico transparente. Eu não tive dúvida em arrancá-lo. Como é que poderia comprar um livro de R$ 60 sem saber do que se trata? Tirado o shrink, aparece o erro de conceito: de manual, ele não tem nada. É um trabalho bonito, fotos de belas modelos vestindo belas roupas, com páginas recortadas para que a parte de cima de uma produção possa ser vista com a parte de baixo de outra - assim os looks se multiplicam. O caso é que, para ser manual, teria que vir com dicas, regrinhas, princípios. Não vem; no máximo, compila meia dúzia de conceitos batidos sobre moda (que, ahá, não é a mesma coisa que estilo). Trata-se, na verdade, de um grande editorial, e datado; mas você só vai descobrir que a autora fala de tendências para 2005 se tiver curiosidade de ler a ficha catalográfica, como eu tive.
Por fim, o que me deixa com mais raiva. A cada duas páginas há um textinho de, no máximo, duas frases curtas. E, nelas, erros como "a bermuda é um acaso à parte", "tons pásteis", "tricô e um colar vai bem". Não dá pra dizer que foi erro de digitação. Nem que houve revisão. E, certamente, dada a qualidade da produção fotográfica, dinheiro não faltou para isso.
quarta-feira, 7 de janeiro de 2009
Entre panelas e tigelas: a aventura continua
Entre panelas e tigelas: a aventura continua
Pois esse segundo volume de Cozinhando para amigos parece ainda melhor que o primeiro. Não deu tempo de ler tudo, mas reparei que várias porções, dessa vez, são menores - o que facilita muito a vida de quem mora sozinha, como eu, porque dá pra calcular melhor a quantidade de ingredientes na hora de fazer as receitas divididas. O primeiro capítulo me ganhou de cara: "Eu adoro maçã". Eu também adoro maçã, mas com uma condição: que ela seja processada em bolos, biscoitos, sucos, purês, sopas, saladas. (Acontece o mesmo com a goiaba, sou fanática pelos derivados mas não gosto in natura.) Minha primeira experiência vai ser um arroz com feijão-verde, abóbora e queijo de coalho. Mas chega de falar em comida porque amanhã vou tirar um raio-X do estômago e já entrei no jejum de 12 horas requerido pelo exame...
Heloísa Bacellar (DBA, 2008)
Foi preciso um bom desprendimento financeiro pra desembolsar a grana desse livro, a "continuação" de Cozinhando para amigos - no bom gosto das fotos e do projeto gráfico, nos textos agradáveis e nas receitas tentadoras. Mas livro é sempre dinheiro bem gasto, penso eu, e eu adoro me convencer com argumentos como "logo logo é meu aniversário e eu mereço os presentes que puder me dar". É verdade, by the way.
Pois esse segundo volume de Cozinhando para amigos parece ainda melhor que o primeiro. Não deu tempo de ler tudo, mas reparei que várias porções, dessa vez, são menores - o que facilita muito a vida de quem mora sozinha, como eu, porque dá pra calcular melhor a quantidade de ingredientes na hora de fazer as receitas divididas. O primeiro capítulo me ganhou de cara: "Eu adoro maçã". Eu também adoro maçã, mas com uma condição: que ela seja processada em bolos, biscoitos, sucos, purês, sopas, saladas. (Acontece o mesmo com a goiaba, sou fanática pelos derivados mas não gosto in natura.) Minha primeira experiência vai ser um arroz com feijão-verde, abóbora e queijo de coalho. Mas chega de falar em comida porque amanhã vou tirar um raio-X do estômago e já entrei no jejum de 12 horas requerido pelo exame...
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terça-feira, 6 de janeiro de 2009
George, being George
George, being George
Organizado por um ex-editor da revista em Paris (depois a redação se mudou para Nova York), o livro é muitíssimo bem definido pelo subtítulo: George Plimpton's life as told, admired, deplored and envied by 200 friends, relatives, lovers, acquaintances, rivals - and a few unappreciative observers. Não existe um texto corrido, e sim parágrafos com o depoimento desses vários amigos, parentes, amantes, conhecidos, gente que participou da vida de Plimpton em cada uma de suas fases. Dá certo, e a gente percebe isso já no prólogo, uma sensacional coleção de testemunhos sobre a fascinação que ele tinha por fogos de artifício. Eu, que tenho uma birra tremenda por prólogos, adorei.
Eu ia dizer que George Plimpton teve uma vida invejável: foi gregário, festeiro, empreendedor, aventureiro. Virou celebridade, e isso não é coisa das mais fáceis no mundo literário. Mas não posso invejar, porque sou o anti-Plimpton total. E estou muito contente assim. É tão bom saber que os livros - e muitas biografias, como a do Richard Burton - podem preencher esse tantinho de desprendimento que eu não faço questão de aprender a essa altura da vida, porque gosto dela do jeito que é.
editado por Nelson W. Aldrich, Jr. (Random House, 2008)
Eu não sabia quase nada sobre o George Plimpton até ler uma matéria escrita pelo Graydon Carter, da Vanity Fair, no New York Times. Falava sobre o lançamento desse livro, contava algumas histórias que entraram para o folclore de Plimpton e me deixou morrendo de curiosidade sobre esse homem que nasceu rico, frequentou as melhores escolas, mudou-se para a Europa no pós-guerra e, quase de farra, juntou-se a outros americanos para, juntos, lançarem um marco da literatura mundial: a revista The Paris Review. (Qualquer um que se interesse a sério por livros e escritores deveria sair correndo em busca da compilação de entrevistas da PR, lançada pela Companhia das Letras.)
Organizado por um ex-editor da revista em Paris (depois a redação se mudou para Nova York), o livro é muitíssimo bem definido pelo subtítulo: George Plimpton's life as told, admired, deplored and envied by 200 friends, relatives, lovers, acquaintances, rivals - and a few unappreciative observers. Não existe um texto corrido, e sim parágrafos com o depoimento desses vários amigos, parentes, amantes, conhecidos, gente que participou da vida de Plimpton em cada uma de suas fases. Dá certo, e a gente percebe isso já no prólogo, uma sensacional coleção de testemunhos sobre a fascinação que ele tinha por fogos de artifício. Eu, que tenho uma birra tremenda por prólogos, adorei.
Eu ia dizer que George Plimpton teve uma vida invejável: foi gregário, festeiro, empreendedor, aventureiro. Virou celebridade, e isso não é coisa das mais fáceis no mundo literário. Mas não posso invejar, porque sou o anti-Plimpton total. E estou muito contente assim. É tão bom saber que os livros - e muitas biografias, como a do Richard Burton - podem preencher esse tantinho de desprendimento que eu não faço questão de aprender a essa altura da vida, porque gosto dela do jeito que é.
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segunda-feira, 5 de janeiro de 2009
Uma pequena morte em Lisboa
Uma pequena morte em Lisboa
Li assim que saiu - meu exemplar tem a data de 6/9/02 -, influenciada por algum comentário positivo no jornal. Adorei. Recomendei, dei de presente. Sempre que passava por ele na estante, pensava "um dia preciso reler", e vinha uma nostalgia do litoral de Portugal, que eu não conheço, e a lembrança de uma trama que, para explicar a "pequena morte em Lisboa", voltava no tempo até as conspirações nazistas e a ditadura de Salazar.
Mas ao pensar em escrever sobre o livro no blog, vi que me lembrava muito pouco de tudo. Voltei a ele, então, para uma leitura "na diagonal", expressa, lendo um trecho aqui e outro ali, pulando parágrafos e páginas inteiras, até que a história policial começasse a voltar à minha cabeça. E o que percebi dessa releitura me deixou um pouco triste. A trama é boa, sim. Envolvente, até o fim não dá pra entender o que os nazistas têm a ver com a morte de Catarina Oliveira. E a explicação convence, não faz uso de coincidências milagrosas como Os homens que não amavam as mulheres (ontem li uma resenha sobre o livro na Folha Online que parecia piada: ou o sujeito que a escreveu não leu o livro ou até hoje só leu péssimos romances policiais). O problema - e foi isso que me deixou triste - foi eu não lembrar de como o livro é pobrezinho em termos literários. Está cheio de clichês, de frases mal pensadas, de descrições horrendas e, vá lá, uma ou outra situação descabida. E aí eu volto à pergunta sem resposta: o sujeito é bom porque escreve bem ou porque conta uma boa história?
Robert Wilson (Record, 2002)
Li assim que saiu - meu exemplar tem a data de 6/9/02 -, influenciada por algum comentário positivo no jornal. Adorei. Recomendei, dei de presente. Sempre que passava por ele na estante, pensava "um dia preciso reler", e vinha uma nostalgia do litoral de Portugal, que eu não conheço, e a lembrança de uma trama que, para explicar a "pequena morte em Lisboa", voltava no tempo até as conspirações nazistas e a ditadura de Salazar.
Mas ao pensar em escrever sobre o livro no blog, vi que me lembrava muito pouco de tudo. Voltei a ele, então, para uma leitura "na diagonal", expressa, lendo um trecho aqui e outro ali, pulando parágrafos e páginas inteiras, até que a história policial começasse a voltar à minha cabeça. E o que percebi dessa releitura me deixou um pouco triste. A trama é boa, sim. Envolvente, até o fim não dá pra entender o que os nazistas têm a ver com a morte de Catarina Oliveira. E a explicação convence, não faz uso de coincidências milagrosas como Os homens que não amavam as mulheres (ontem li uma resenha sobre o livro na Folha Online que parecia piada: ou o sujeito que a escreveu não leu o livro ou até hoje só leu péssimos romances policiais). O problema - e foi isso que me deixou triste - foi eu não lembrar de como o livro é pobrezinho em termos literários. Está cheio de clichês, de frases mal pensadas, de descrições horrendas e, vá lá, uma ou outra situação descabida. E aí eu volto à pergunta sem resposta: o sujeito é bom porque escreve bem ou porque conta uma boa história?
domingo, 4 de janeiro de 2009
O homem que calculava
O homem que calculava
Malba Tahan (Record, 2001)
Lendo hoje o G1, vi uma lista feita por Paulo Coelho com seis indicações de livros para 2009: tirando um Castaneda e a capa horrorosa do Khalil Gibran, era bem interessante - As mil e uma noites, 1984, Trópico de Câncer e esse O homem que calculava, que li emprestado de uns primos na pré-adolescência (e que, pensando agora, acho que nunca devolvi). Mais ou menos por aquela época eu havia lido uma história de príncipes, princesas e djins (e que adoraria encontrar de novo se ao menos eu me lembrasse o nome dela), então estava propensa a livros sobre as Arábias.
A primeira surpresa foi encontrar não aventuras geniais, e sim as inteligentes soluções de um matemático para problemas aparentemente insolúveis - eu me lembro direitinho de um caso que envolvia a divisão de 17 camelos entre 3 irmãos. A segunda surpresa apareceu anos depois, quando eu descobri que Malba Tahan não era nenhum árabe contador de episódios milenares, e sim um brasileiro, o professor de matemática Júlio César de Melo e Sousa. Fui agora conferir seu nome no Google e achei um comentário de Monteiro Lobato que define a obra direitinho: "... ficará a salvo das vassouradas do Tempo como a melhor expressão do binômio ‘ciência-imaginação." Falou e disse.
Malba Tahan (Record, 2001)
Lendo hoje o G1, vi uma lista feita por Paulo Coelho com seis indicações de livros para 2009: tirando um Castaneda e a capa horrorosa do Khalil Gibran, era bem interessante - As mil e uma noites, 1984, Trópico de Câncer e esse O homem que calculava, que li emprestado de uns primos na pré-adolescência (e que, pensando agora, acho que nunca devolvi). Mais ou menos por aquela época eu havia lido uma história de príncipes, princesas e djins (e que adoraria encontrar de novo se ao menos eu me lembrasse o nome dela), então estava propensa a livros sobre as Arábias.
A primeira surpresa foi encontrar não aventuras geniais, e sim as inteligentes soluções de um matemático para problemas aparentemente insolúveis - eu me lembro direitinho de um caso que envolvia a divisão de 17 camelos entre 3 irmãos. A segunda surpresa apareceu anos depois, quando eu descobri que Malba Tahan não era nenhum árabe contador de episódios milenares, e sim um brasileiro, o professor de matemática Júlio César de Melo e Sousa. Fui agora conferir seu nome no Google e achei um comentário de Monteiro Lobato que define a obra direitinho: "... ficará a salvo das vassouradas do Tempo como a melhor expressão do binômio ‘ciência-imaginação." Falou e disse.
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