A paixão transformada
Moacyr Scliar (Companhia das Letras, 1998)
Os sintomas da doença nada mais são do que uma disfarçada manifestação do poder do amor; toda doença é apenas paixão transformada.
Essas palavras de Thoman Mann em A montanha mágica (o "épico da doença", como cita o autor) estão entre os diversos textos escolhidos por Moacyr Scliar para contar, ainda que por cima, a história da medicina na literatura - nem sempre ficcional, é verdade, já que inclui também alguns relatos médicos. A partir deles, Scliar escreve minicapítulos em que fala um pouco sobre o avanço dos cuidados com a saúde, a descoberta de doenças e de tratamentos, epidemias, experimentos pessoais e episódios históricos.
Talvez seja porque eu traga um pouco de hipocondria no DNA - a família da minha avó materna é notória pelo gosto por doenças e hospitais. O fato é que eu me interesso muito por temas médicos, e vejo nisso três motivos: o espanto maravilhado diante do funcionamento tão preciso do corpo humano, a facilidade com que esse mecanismo pode falhar de uma hora para outra, pelas mais diversas razões, e o conhecimento aliado aos recursos cada vez mais avançados de que dispõem os médicos para tentar reverter essa situação. Não é à toa que meu seriado preferido é House, nem que meu irmão me tenha dado um Gray's anatomy de presente. Sou uma paciente chatíssima que pergunta tudo para os médicos; não por medo, mas por curiosidade.
Scliar me deu ideias para várias leituras. Hoje mesmo comprei A doença como metáfora, de Susan Sontag, que saiu na coleção baratinha da Companhia das Letras. E fiquei curiosíssima por um livro de William Styron, autor de A escolha de Sofia (que não li): Darkness visible, um título muito apropriado para uma obra que fala da depressão, a grande, enorme praga do século 21. Só tenho receio de ler e me deixar influenciar, porque quero eu mesma, um dia, ainda sentar e escrever sobre isso. Mas não há como não simpatizar com um sujeito que escreve, segundo conta Scliar, que "a doença em sua forma catastrófica é inimaginável para aqueles que não passaram por ela e que conhecem apenas a frustração ou a tristeza que ocasionalmente manifestam-se na vida cotidiana". O texto segue com as palavras de Scliar: "Ele fala de uma 'tempestade uivando no cérebro', uma dor psíquica intensa que não pode ser aliviada por simpatia ou palavras de consolo. Pior é a sensação de um 'segundo eu', que acompanha o doente e o vigia, 'com desapaixonada curiosidade'. O tema do 'duplo', aliás, aparece muitas vezes na literatura - em Jorge Luis Borges, por exemplo."
Meu duplo intelectual continua andando por aí. E o outro permanece adormecido aqui dentro.
segunda-feira, 19 de janeiro de 2009
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3 comentários:
Por sorte não herdei a hipocondria da minha vó paterna. Odeio ir ao médico, cheiro de hospital, remédios e tudo mais. Mas eu adoro o Moacyr Scliar -- mesmo quando ele marcou de me dar uma entrevista na noite de Natal =). Houve uma época que tive vontade de ser cronista por causa dele. Eu lia a Folha de cabo-a-rabo pra tentar adivinhar qual notícia ia ser tema da próxima crônica.
Dois abraços!
Comigo é o contrário: não sou nada fã do Scliar, embora simpatize com ele da mesma forma que simpatizo com o Luis Fernando Verissimo. Mas esse livro é bacana mesmo para quem não herdou hipocondria... :-) Beijos!
li há alguns séculos o livro do Styron, "Perto das trevas", um negócio pequenininho, acho que edição da Rocco. Que me lembre, era bem deprimente.
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