domingo, 26 de abril de 2009

Gomorra

Gomorra
Roberto Saviano (Bertrand Brasil, 2008)

Leio na Folha que Gomorra vendeu mais de 2 milhões de exemplares na Itália - 37 mil no Brasil - e que foi traduzido para mais de 30 idiomas. Exemplar. Pena que o livro seja ruim. Eu mal podia esperar a edição em português (não leio em italiano há décadas) porque estava muito curiosa pela história, pra saber como o autor, um jornalista, conseguiu infiltrar-se no crime organizado de Nápoles para depois relatar os descalabros da Camorra. Foi jurado de morte e creio que ainda se encontra sob proteção policial.

Ok, aqui é preciso fazer uma confissão: eu não li o livro inteiro. Não consegui. Os dois primeiros capítulos são tão ruins que no terceiro eu resolvi abandonar a leitura. O capítulo inicial, então, é uma tortura: "o porto de Nápoles é movimentadíssimo, mas paradoxalmente silencioso. O porto de Nápoles recebe sei lá quantos mil contêineres por dia e xis por cento de toda a muamba produzida na China. Quando cheguei ao porto de Nápoles, fiquei impressionado com a quantidade de contêineres e com o silêncio e a discrição que ali imperam. Tanto por cento da muamba que vem da China passa por ali." E assim mais outra, e outra, e outra vez. "Ok, já entendi", dá vontade de gritar pro Saviano - que, a propósito, manda umas boas 40 páginas sem contar como e por que foi parar ali, ou com que facilidade alugou um apartamento em Nápoles e logo depois já estava dirigindo carros para pegar roupa falsificada . Sei não. Eu desconfio que ele está com a cabeça a prêmio principalmente por ser mau escritor.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Esconderijos do tempo

Esconderijos do tempo
Mario Quintana (Globo, 2005)

Queridíssima amiga e um pouco de mim mesma no passado, K. me deu esse livro de presente de aniversário. Tinha que ser esse, mesmo sabendo que eu adoro tudo o que conheço de Mario Quintana, porque é nele que está Bilhete, meu poema preferido do velhinho gaúcho. (E que, mesmo sendo tão curtinho, eu ridiculamente nunca consegui decorar inteiro.)

Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...

Mas há outros belos poemas no livro. Ando bem impressionada com Intermezzo - mesmo porque, achei que eu tivesse tido o privilégio de inventar a expressão "bolha de tempo". Que nada. Quintana veio muito antes de mim.

Nem tudo pode estar sumido
ou consumido...
Deve - forçosamente - a qualquer instante
formar-se, pobre amigo, uma bolha de tempo nessa Eternidade...
e onde
- o mesmo barman no mesmo balcão,
por trás a esplêndida biblioteca de garrafas,
fonte da nossa colorida erudição -
haveremos de continuar aquela nossa velha discussão
sobre tudo e nada
até
que, fartos de tudo e nada,
desta e da outra vida,
a rir como uns perdidos,
a chorar como uns danados,
beberemos os dois nos crânios um do outro...
até o teto desabar!

(Perdão! até a bolha rebentar...)

O que a gente faz quando sente muita saudade?

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Leite derramado

Leite derramado
Chico Buarque (Companhia das Letras, 2009)

Enrique Vila-Matas, no sensacional Bartleby e companhia, criou um personagem chamado Paranóico Perez: "Paranóico Perez nunca conseguiu escrever um livro, porque sempre que tinha alguma ideia para um e se dispunha a fazê-lo, Saramago o escrevia antes dele." Pois foi um pouco assim que eu me senti ao começar o novo Chico Buarque. Não, é claro, que eu tenha o talento que Chico já havia demonstrado em Budapeste, nem tenho imaginação suficiente para criar uma história tão divertida quanto Leite derramado. Mas o ponto de partida - uma pessoa falando para ninguém, numa cama de hospital - é igualzinho ao começo da única coisa que eu escrevi, até hoje, que julgo ter um pingo de qualidade. A semelhança para por aí. E tomara que eu não me transforme num outro Paranóico Perez e consiga terminar minha história.

Aos 100 anos de idade, Eulálio D'Assumpção imagina contar a trajetória de sua vida a uma das enfermeiras que o atende no hospital. Descendente de figurões cariocas com trânsito livre na corte imperial e nos salões da República, Eulálio é o último na cadeia de um velho ditado que cita: "avô rico, pai nobre, neto pobre". Em meio a delírios e confusões mentais, suas lembranças vão dando conta da morte do pai, do casamento com Matilde, do nascimento da filha, da decadência moral e financeira. Leitura agradável, divertida e rápida: o projeto gráfico do livro promove o milagre da multiplicação das páginas do que seria, na verdade, uma novela, e não um romance. Gostei bem mais que de Budapeste. E, ainda assim, não me sinto tentada a ler Estorvo ou Benjamim.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Spharion

Spharion
Lúcia Machado de Almeida (Ática, 1995)

Agora há pouco um leitor anônimo deixou um comentário no post de O caso da borboleta Atíria - que, de longe, é o assunto que as pessoas mais procuram no Google antes de chegar a este blog. E procuram em busca de resumos para serem copiados e levados à escola. Acho um absurdo. Sinto vergonha por essas pessoas. O infeliz disse que não tinha preguissa (sic) de ler o livro, mas pedia por favor para que eu publicasse o resumo não só de Atíria como também de Spharion.

Taí: fiquei com vontade de escrever sobre Spharion. (E com vontade de alimentar meu lado Darth Vader incluindo um post falso com o "resumo" de Atíria.) Não, isso não é um resumo. São minhas lembranças queridas de um livro que, por algum tempo, me causou um certo medinho só de olhar para a capa, com aquele homem sinistro e seu cilindro misterioso na cabeça. E também porque o personagem principal, Dico Saburó, tinha um pezinho na paranormalidade. Com Spharion eu aprendi o que é um contador Geiger, fiquei com inveja do romance de Dina Saburó e tive ainda mais vontade de conhecer Diamantina. Sei lá se o livro ficou datado. Sei lá se interessa aos jovens que, hoje, escrevem preguiça com SS. Mas é uma história boa pra caramba.

Atualização - Muita gente chega ao blog procurando por "resumo de spharion" no Google. Ok, todo mundo tem o direito de ser preguiçoso. Se você é um deles, porém, que pena: não sabe o que está perdendo por não ler esse livro.

Chocolate & zucchini

Chocolate & zucchini
Clotilde Dusoulier (Broadway Books, 2007)

Cheguei ao Chocolate & Zucchini pulando de blog em blog e gostei muito do que li. Clotilde Dusoulier é uma jovem parisiense que trata a cozinha - e a comida - como parte prazerosa de seu dia. Comecei a ler o blog e a sonhar em um dia também ter uma vida que me permita ir à feira com frequência pra comprar o que está fresquinho, sair do trabalho a tempo de preparar um jantar bacana, receber os amigos com mil-e-um petisquinhos e drinques, depois servir um bolo gostoso junto com o café.

Fiquei contente quando saiu esse seu primeiro livro, cheio de fotos bonitas, dicas e textos sobre as receitas apresentadas - uma delas é o bolo de chocolate e abobrinha que deu nome ao blog. Já marquei mais de dez páginas com receitas que quero experimentar. Musse de atum e maçã verde, madeleines com roquefort, pera e nozes, massa com cacau e abobrinha. Hmmm, deu fome.

domingo, 19 de abril de 2009

Pequeno guia histórico das livrarias brasileiras

Pequeno guia histórico das livrarias brasileiras
Ubiratan Machado (Ateliê Editorial, 2009)

Meus olhos brilharam quando vi esse volume na roda da Cultura: mais um para a minha coleção de "livros sobre livros". Edição bonita, capricho gráfico e um tema muito interessante, pequenas histórias de livrarias brasileiras desde o século 17 até as superlojas de hoje. Eu fico tentando me lembrar qual foi a primeira livraria que frequentei, e não consigo pensar em outra a não ser a Siciliano (aliás, as duas) do shopping Iguatemi. Lembro de entrar lá e sentir o cheiro dos livros nas estantes, lembro de procurar por algo específico - acho que Minha vida de menina foi um deles -, de ficar olhando as prateleiras em busca de nem sei quê. No Guarujá também tinha uma lojinha onde eu comprava basicamente Agatha Christie durante as férias.

Mas o que dizer de um livro que faz jus ao ditado "por fora, bela viola; por dentro, pão bolorento"? A começar pelos erros de revisão - não sei nem como a editora teve coragem de publicar, no expediente do livro, a existência de um revisor. Dói ler coisas como "Durante muitos anos, Gazeau, trabalhou com uma conterrânea..." (p. 99) e "Localizada na rua da praia (...), num pequeno prédio de duas portas e uma janela, o negócio rendia tão pouco..." (p. 85). Eu até faria um esforço enorme para relevar (e teria que ser muito grande mesmo), não fosse o pior aspecto do livro: imprecisão nas informações.

Ela aparece de duas maneiras. A primeira, mais óbvia, está na incongruência entre o texto e algumas etiquetas que ilustram cada capítulo. A livraria Italiana (p. 101), inaugurada em 1894, em São Paulo, recebeu a etiqueta de uma certa Livraria Annunziato, que só surgiria em 1917 - e que não tinha nada a ver com a primeira. O texto sobre a livraria Teixeira (p. 73), também em São Paulo, afirma que a loja foi inaugurada na rua de São Bento, 52, e que mais tarde passaria pelos números 65 e 26 da mesma rua. Mas a etiqueta que ilustra a página mostra claramente o endereço: Rua de São Bento, 54. Mais um exemplo: o capítulo sobre a livraria de Evaristo da Veiga (p. 33), no Rio de Janeiro, traz o ano de 1823 no título. E o próprio texto, logo abaixo, encarrega-se de desmentir a afirmação: "O ano era o de 1823. Quatro anos mais tarde, ao se casar, Evaristo estabeleceu-se por conta própria, na rua dos Pescadores, 49" - que é o endereço da etiqueta.

Distração? Uma vez, vá lá. Duas, ainda passa. Mas isso acontece com frequencia ao longo do livro todo. Igualzinho à outra imprecisão nas informações, essa ainda mais vergonhosa, pois não se presta a desculpas como falta de atenção, revisão ou checagem. Onde é que já se viu um livro que se propõe "histórico" tentar adivinhar o que aconteceu? É o caso do texto sobre o Correio Paulistano (p. 61): "Tanto asim que, na mesma década, surgiram duas novas livrarias, a do Correio Paulistano (provavelmente anexa à tipografia)...". E no capítulo sobre a Universal (p. 51), de São Luís: "Desconheço referências de época, mas é mais do que certo que boa parte da vida literária daqueles "atenienses" se desenrolasse em uma ou duas das quatro livrarias da cidade." Sobre a Genoud (p. 77), de Campinas: "Como a Garraux, em São Paulo, que talvez tenha lhe servido de modelo, a loja vendia de tudo." E na Catilina (p. 39), de Salvador: "É bem provável que o jovem Castro Alves tenha sido frequentador da livraria, reunindo-se ali com os amigos."

Provavelmente? Mais do que certo? Talvez tenha servido de modelo? E, pior, é bem provável que Castro Alves tenha estado na livraria? Espero sinceramente que tais absurdos não se repitam na obra que o autor diz estar escrevendo, uma história das livrarias no Rio de Janeiro. E olha que lá tem assunto: só a Laemmert e a Garnier mereciam, cada uma, um volume próprio.

The little pink book of elegance

The little pink book of elegance
Jodi Kahn (Peter Pauper Press, 2005)

Fazia tempo que eu não escrevia sobre um livrinho de estilo. Já conhecia essa série do The little black book of tea - de outra cor, tudo bem, mas com a mesma pegada: projeto gráfico bacana e o básico sobre o assunto. No caso, elegância , tratada em capítulos sobre roupas, acessórios, comportamento, festas, organização. E, fiquei passada, até higiene. Nunca pensei que hoje ainda exista gente que precise ser avisada para tirar a maquiagem à noite e para lavar os cabelos com frequencia.

Como quase todo livro do gênero, The little pink book of elegance tenta convencer as mulheres que elegância pode, sim, ser conquistada - vai depender principalmente de sua autoconfiança. Nariz grande? Pescoço curto? Pernas finas? Tudo bem. Com segurança e uma ajudinha da roupa certa (i.e., a que valoriza seus pontos fortes e esconde os fracos), cabeça erguida e a certeza de que por baixo daquela calça-e-blusa você está vestindo uma lingerie linda, a parte visual está resolvida. A outra - a que define a verdadeira elegância - está nos pequenos gestos e atitudes, em palavras mágicas como "por favor", "obrigada", "bom dia", "como vai?". E se tem gente que precisa de um toque pra lavar os cabelos todo dia, tem muito mais que se beneficia de conselhos como esse: a prática da gentileza.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

100 New Yorkers

100 New Yorkers
Julia Holmes (The Little Bookroom, 2004)

John Lennon. Georgia O'Keeffe. Frank Sinatra. Mark Twain. Cornelius Vanderbilt. Malcom X. Tito Puente. Diana Vreeland. Dorothy Parker. Elizabeth Bishop. Eles e outras noventa figuras ligadas às artes, à política, às finanças e aos esportes, novaiorquinos de nascimento ou por adoção, aparecem em minibiografias nesse livro que faz o favor de relacionar os endereços onde eles moraram, atuaram e, de alguma maneira, contribuíram para enriquecer o espírito de Nova York. Leitura obrigatória para quem ama a cidade, como eu - melhor ainda se houver uma viagem a caminho.

No breve período em que também eu fui uma novaiorquina, morei no apartamento térreo do 18 W 87th street - a dois ou três prédios de onde vivia Billie Holiday, segundo o Guia New York da Katia Zero. Era um orgulho engraçado, caminhar pelas mesmas calçadas onde a diva pisou. Tivesse eu o 100 New Yorkers naquela época, poderia ter seguido seus passos também no Lenox Lounge ou na esquina do West Village onde ficava o Café Society, lugar em que Billie cantou Strange fruit pela primeira vez. Eu gosto desse tipo de turismo diferente. E quando estiver novamente na cidade vou conhecer o Duke Ellington Memorial, que nem sabia existir na E 110th street, esquina com 5th Avenue.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Charlô em Paris

Charlô em Paris
Nina Horta (DBA, 1999)

Minha vida é feita de tomar decisões - e isso me dá uma angústia tremenda. Acontece também quando termino um livro (O tigre branco) e preciso escolher o que ler em seguida. Tenho tantos, mas tantos volumes na fila, espalhados pela casa, na cadeira da sala, ao lado da cama, e geralmente fico perdida entre uma leitura e outra. Hoje, pra piorar, comprei o Modernismo do Peter Gay e o novo Chico Buarque. Piorou mais ainda quando cheguei em casa e encontrei a Vanity Fair do mês. O que ler primeiro? Como escolher?

Nessas horas de muita angústia literária eu geralmente fujo: acabo relendo uma Agatha Christie inofensiva ou mergulho num livro de receitas - que, como já disse, leio com o maior prazer, como se fosse literatura. E, mexendo na estante, encontrei esse simpático Charlô em Paris, que vai ser meu companheiro pelas próximas noites, até que a ansiedade assente e eu possa escolher o próximo livro, vá lá, "sério". Charlô é Charlô Whately, banqueteiro e dono de restaurante. Nina Horta tem um texto primoroso. E Anita Ljung, a ilustradora, caprichou no trabalho: é tudo colorido, vibrante, alto-astral. Assim como as receitas e a história do moço que foi morar em Paris e acabou como cozinheiro de Madame Radô.

Ah, sim: trata-se de um livro infantil. Ou melhor, de um luxo infantil, já que, com um time desses, qualquer obra, para crianças ou adultos, vira um programão.

domingo, 12 de abril de 2009

O melhor do Comidinhas

O melhor do Comidinhas
Alessandra Blanco (Panda Books, 2009)

Comidinhas é o blog mantido por Alessandra Blanco no iG. Mas o nome engana: não se trata, apenas, de comida "inha", e sim de textos sobre restaurantes, experiências gastronômicas aqui e em outros países, vídeos, receitas. Um montão de assuntos escritos de um jeito que faz a gente ter vontade de largar tudo e ir pra cozinha - ou pegar o carro pra comer aquela coxinha, um panetone especial, pra jantar num restaurante que acabou de ser inaugurado no litoral norte de São Paulo.

O melhor do comidinhas poderia ser isso, uma reunião dos textos mais interessantes do blog. Mas não é. Trata-se de um caderninho de anotações com, como diz o subtítulo, "lugares (quase) secretos, dicas gastronômicas e algumas receitas". Pra mim - e olha que, por força da profissão, eu sou obrigada a saber de muita coisa escondida em São Paulo -, a maioria dos endereços continua desconhecida, e louca pra ser descoberta. É o caso de um restaurante na Bela Vista. Dos zeppole de São José, no Ipiranga. Dos falafel, em Santana. Sem contar as dicas no Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre, em Nova York, Paris, Punta del Este. Taí: esse é um livro que não vai ter lugar na minha estante. O lugar dele é no carro.

Essays

Essays
George Orwell (Penguin, 2000)

O homem que me apresentou a esse livro saiu da minha vida de uma maneira tão rápida quanto entrou. Foi uma decepção tremenda. Por uns dias, acreditei que ele seria diferente. Especial. Ele me apresentou também ao Brodsky. Me deu de presente algumas gravações de I'm thru with love. De Orwell eu só havia lido 1984, há muito tempo. Estava animada com esse livro e já tinha lido um dos ensaios, muito bom, a respeito de good bad books - eu me lembrei de tantos dessa categoria pra escrever aqui! Agatha Christie escreveu good bad books. Rex Stout também.

Hoje é domingo de Páscoa. Eu não acredito em religião, não acredito na ressurreição, em Maomé pulando de jumento para o céu nem em Moisés abrindo as águas do Mar Vermelho. Mas não dá pra negar que certos rituais religiosos me causam certo interesse. Hoje, por exemplo, é um dia metafórico para o renascimento. Que, no meu caso, significa mover todos os emails desse homem para uma pasta escondida, apagar todas as mensagens que ele deixou no meu celular e guardar os livros, tanto o Brodsky quanto os ensaios do Orwell, numa prateleira bem escura dentro do armário - ao lado de O passado, do Alain Pauls, e de 84, Charing Cross Road, que mesmo depois de tanto tempo eu não tenho vontade de ler.

E a vida recomeça, sempre - da mesma forma que o amor.

Organize-se

Organize-se
Donna Smallin (Gente, 2004)

Isso tem acontecido com frequencia: eu acordo no meio da noite, o pensamento que não dá trégua, rolo na cama de um lado pro outro sem conseguir dormir de novo. E aí durmo picadinho, um sono cansado, e acordo mais cedo do que pretendia. Hoje não foi diferente. Mas, em lugar de ficar virando na cama - ou de, loucura, levantar e ligar o computador, como às vezes faço -, resolvi ler alguma coisa entediante pra ver se o sono voltava.

Que nada. Redescobri esse livro, perdido na estante, engatei na leitura e mal vi a hora do dia amanhecer pra eu começar a botar ordem nas minhas gavetas. Não sou tão desorganizada assim - mas só passei a acreditar de verdade nisso quando as pessoas começaram a elogiar minha capacidade de organização no trabalho. Eu tento manter isso também aqui em casa, nem sempre com resultados muito duradouros. Mas há uma certa graça na arrumação periódica. Hoje, já decidi, vai ser a cozinha, assim que acabar o almoço de Páscoa e que meus convidados me deixarem sozinha com a pia de louça suja - eu adoro lavar louça.

Organize-se é mesmo um bom livro de orientação para quem quer colocar ordem na casa e não sabe por onde começar. A autora divide os capítulos em cômodos: cozinha, sala, quartos, banheiro, escritório, e ainda dedica espaço para falar da organização das finanças e do tempo. Cheio de dicas tipo "faça você mesmo" e conselhos de especialistas, é o livro que eu daria de presente pra muita gente que ainda não descobriu que o conforto organizado é muito melhor que a bagunça sem controle.

sábado, 11 de abril de 2009

O tigre branco

O tigre branco
Aravind Adiga (Nova Fronteira, 2008)

Eu não conheço a Índia e, pra falar a verdade, ela não está nem entre os Top 20 lugares do mundo que eu pretendo conhecer. Ainda mais depois de ler O tigre branco - que, como dizia um artigo que li há pouco, revela muito mais sobre o país do que uma novela inteira da Gloria Perez. Meu interesse pelo livro deveu-se mais, portanto, à curiosidade que eu sinto em relação aos vencedores do Booker Prize (Aravind Adiga ganhou em 2008) do que à vontade de visitar o país.

Porque O tigre branco fala da Índia como ela é, a Índia dos pobres, dos moradores de aldeias que não têm água potável nem eletricidade, de grande parte da população destinada a servir aos ricos e por eles ser maltratada e explorada num inferno sem fim. Daí vem Balram Halwai, o protagonista, que conta a história de sua ascenção numa longa carta dirigida ao primeiro-ministro da China. O começo da carta de Balram é impagável: ele a envia ao escritório do premier Wen Jiabao em Beijing, "capital of the Freedom-loving Nation of China". Fala sobre a "democracia" indiana. E diz como, de garoto sem nome e serviçal humilhado, transformou-se em empresário em Bangalore, "the world's center of technology and outsorcing". Uma história cheia de sujeira, sangue e maus-tratos em que, por mais condenáveis que sejam as atitudes de Balram, é impossível não torcer por ele.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Conforte-me com maçãs

Conforte-me com maçãs
Ruth Reichl (Objetiva, 2003)

Eu detestei esse primeiro livro autobiográfico de Ruth Reichl, a ex-todo-poderosa crítica de gastronomia do The New York Times e atual todo-poderosa editora da revista Gourmet. De alguém que se tornou famosa e respeitada por suas avaliações e comentários sobre comida, eu esperava uma obra mais eletrizante, com bastidores do trabalho e mais voltada ao assunto que transformou sua carreira. Não: em lugar de jantares maravilhosos e gafes culinárias, Ruth Reichl passa quase que o tempo todo falando do casamento dela com um marido problemático, o tempo em que viveram numa comunidade meio riponga, o caso dela com um colega de trabalho e a descoberta de um novo amor.

Mas aí veio o Demian e disse que eu li tudo errado, que esse livro é ruim mesmo, e bom é o Alho e Safiras - que ele levou hoje, emprestado para mim. É nesse segundo volume de suas memórias que Ruth escreve sobre a época em que foi crítica do NYT e frenquentava restaurantes à paisana para depois confrontar a mesma refeição servida quando estava disfarçada. Sim, disfarçada. A mulher mudava figurino, usava perucas, fazia outra voz, tudo para não ser reconhecida no restaurante. Deve ser, mesmo, mais interessante que Conforte-me com maçãs (que título, hein?) - mas que, pelo menos, traz uma ótima receita de massa com limão, à moda de Danny Kaye.

terça-feira, 7 de abril de 2009

1984

1984
George Orwell (Ibep Nacional, 2003)

Quando eu li 1984, na adolescência, o máximo de invasão de privacidade que podia existir era alguém ouvir minhas conversas pela extensão do telefone ou ler meus diários - duas coisas que, acredito, nem minha mãe nem meu irmão nunca fizeram. Eu tenho horror de vigilância. E da cobrança que pode vir dela. Tenho horror de que alguém controle meus horários, meus gastos, que possa controlar os sites que acesso, os livros que leio. E então decidi que, com menos de dez dias de uso, vou excluir minha conta no Facebook - porque aquilo é vigilância voluntária. Tô fora.

Por coincidência, é hoje a final da nona edição do Big Brother Brasil. Não duvido que a maioria dos espectadores do programa ignore a origem da expressão Big Brother - o Grande Irmão vigilante de 1984. E não discuto a vontade que as pessoas têm de participar de programas do gênero ou de sites de relacionamento, Orkuts, Facebooks, Twitters (e eu vejo BBB). Mas foi bom descobrir que isso não é pra mim. Das poucas imagens que guardo do livro, lido há tanto tempo, está a voz onipresente do Grande Irmão falando com Winston. Pra mim, já chega a voz que sai da minha própria mente.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Giacomo Leopardi

Giacomo Leopardi

Encontrei umas anotações antigas com dois poemas de Leopardi na tradução de Ivo Barroso. Naquela época eu era bem jovem, estudava italiano e estava apaixonada pela sonoridade de sua poesia - a ponto de, como já escrevi em outro post, misturar os versos de obras diversas para criar um poema só meu. (Dolce e clara è la notte, e senza vento...) (Luna, cara luna, che fai tu in ciel? Dimme, che fai?) (Sorgi la sera e vai, contemplando i deserti, indi ti posi.)

Procurei por algum livro em português com a obra de Leopardi traduzida por Ivo Barroso; não encontrei. Há, no site da livraria Cultura, uma edição da Nova Aguilar sem informações sobre o tradutor. E o site da Nova Aguilar está em construção. Para não perder de vista os poemas, portanto, reuni aqui duas versões em português, tal como encontrei nas anotações, e uma no original, em italiano. Todas lindas.

O poderoso chefão

O poderoso chefão
Mario Puzo (Best Bolso, 2008)

Li recentemente, na Vanity Fair, uma matéria que contava os bastidores das filmagens de O poderoso chefão. Na verdade, os bastidores das negociações entre o estúdio e a Mafia novaiorquina para que o filme pudesse ser rodado. Primeira condição: a palavra Mafia não poderia ser usada. Certo. Depois, a indicação de "atores" para desempenhar alguns papéis. Como Al Martino, que virou o cantor Johnny Fontaine - coincidentemente, também no livro de Mario Puzo, um ator/cantor indicado pelo crime organizado para desempenhar um papel importante num filme de Hollywood.

Posso estar enganada, mas acho que li essa história num antigo volume capenga que havia na casa da minha mãe, chamado apenas de O chefão. Em todo caso, estava tudo lá: os pedidos ao Godfather durante o casamento de Connie, a briga entre as famílias, o assassinato cometido por Michael e seu consequente exílio na Itália, a morte de Sonny. E dá pra dizer que, num caso raro, o livro é tão bom quanto o filme - ou será o contrário?

domingo, 5 de abril de 2009

Viagem à província de São Paulo

Viagem à província de São Paulo
Auguste de Saint-Hilaire (Editora Itatiaia, 1976)

Se necessário, é perfeitamente possível, para mim, trabalhar em casa, já que uso um banco de dados com acesso pela internet. Isso é bacana nos dias em que estou escrevendo algum projeto ou texto mais longo, ou quando preciso de muita concentração. E não é bacana quando, por causa de prazos apertados, tenho que passar o sábado ou o domingo na frente do computador, editando texto atrás do texto, sem nem ver o tempo passar.

Foi o que aconteceu hoje. E, ao ler sobre algumas cidades do Vale do Paraíba durante o trabalho, acabei me lembrando desse livro de Saint-Hilaire, naturalista francês que esteve no Brasil no começo do século 19 e que, num feito espantoso para a época, viajou por Minas, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Goiás, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, foi à nascente do Rio São Francisco e percorreu o interior de São Paulo, tudo em cima de um lombo de burro - nem hoje, com avião, eu conheço tudo isso.

Uma das minhas estantes excêntricas diz respeito à história de São Paulo. O relato de Saint-Hilaire, a bem da verdade, é chatinho. Mas vale pelos detalhes que ele conta sobre o modo de vida na época - as relações familiares, os hábitos caseiros, o contato com estrangeiros, a dificuldade das viagens. Quando estive em Diamantina, comprei também o Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil. Foi ótimo ler o que escreveu Saint-Hilaire sobre a cidade enquanto eu ainda estava lá.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

O espelho mágico de M.C. Escher

O espelho mágico de M.C. Escher
Bruno Ernst (Taschen, 1991)

Ontem à noite, no bar. Festa pelos 25 anos de uma garota querida que trabalha comigo. A certa altura, eu disse para meu amigo: "Você está parecendo um dos caleidociclos do Escher". Ele deu risada. O resto do povo olhou sem entender. E eu fiquei com preguiça de explicar os caleidociclos do Escher. Acho que eu nem saberia explicá-los. Objetos de montar? Figurinhas pra recortar e colar? Pequenas geringonças pra deixar a gente doida?

Teria sido mais fácil mostrar a eles esse livro da Taschen, editora alemã que publica belos livros de arte, com a obra de Escher - Maurits Cornelis Escher - interpretada pelo matemático Bruno Ernst. Eu admito: li muito pouco. A mim, interessa mais ver, em boas reproduções, as xilogravuras e litografias espantosas criadas pelo holandês. Conheci Escher em um quadro que havia no consultório da minha primeira terapeuta, quando eu tinha uns 22, 23 anos; o "Belveder", desenho de um mirante num lugar isolado e algo deprimente. Um dia, eu percebi: o belvedere era uma construção impossível. Seus pilares de sustentação saíam da parte de fora e subiam cúpula adentro, o pé da escada apoiava-se no piso interno e na parede externa, um garoto sentado no banquinho segurava um cubo bizarro. Figuras pra deixar a gente doida - e, no caso do "Belveder" que eu conheci, instaladas num lugar muito apropriado.