terça-feira, 30 de dezembro de 2008

O mundo de Viagem e Turismo

O mundo de Viagem e Turismo
(Editora Abril, 2008)

Meu amigo diz que não viaja porque tem preguiça. Dá preguiça, mesmo. Fazer mala, enfrentar o aeroporto, a fila do check-in ou da PF, chegar cansado, descarregar tudo... Mas nem eu, que pago pra ficar encostada, deixo de viajar por causa disso - e volto sempre estourada de tanto andar pra cima e pra baixo, percorrer museus e lojinhas, mais magra de tanto caminhar. Pra quem precisa de inspiração, esse livro é um achado: traz uma bela foto e um texto superbásico sobre cada um dos 192 países membros da Onu.

2008 foi um ano de recolhimento - com exceção das duas primeiras semanas de janeiro, acho que não saí de São Paulo nenhuma vez. Gostaria que fosse diferente daqui em diante. Muitas viagens me esperam, por mais que, por enquanto, eu me arrisque apenas nas também importantes viagens verticais. Quero convencer alguém a partir comigo para um lugar bem bizarro, como a Capadócia ou a Islândia. A Ilha da Madeira. Zanzibar. Talvez ir a Belém para comer o tacacá da dona Maria. Desafiar os mosquitos e me hospedar num hotel de selva na Amazônia. Até que enfim conhecer Porto Alegre, de preferência durante a Feira do Livro. Aproveitar. E gastar minhas milhas para ir à Ilha de Páscoa (eu até já sei o que significa tingo), o lugar mais isolado do planeta. Como não querer conhecer o lugar mais isolado do planeta? Eu vou.

domingo, 28 de dezembro de 2008

O Natal no Sabadoyle

O Natal no Sabadoyle
organização de Olímpio José Garcia Matos (Massao Ohno, 1994)

O Natal era bom quando eu era criança e minha avó materna se vestia de Papai Noel, e havia sempre uma discussão familiar sobre o que seria servido na ceia do dia 24, e no almoço do dia 25 estávamos todos lá, de volta à casa da vó, pra curtir os presentes do dia anterior e almoçarmos espremidos em volta da mesa da sala. Depois que minha avó morreu - e isso já faz muito tempo -, descobri que na verdade o Natal é uma festa muito deprimente quando não se têm mais tradições ou uma pessoa que simbolize a união. Foi só de uns tempos pra cá que eu consegui assumir: detesto essas festas de fim de ano que só servem pra gente reforçar o auto-engano. E, recentemente, duas das melhores noites de Natal da minha vida foram passadas dentro de um avião, com destino aos Estados Unidos, nocauteada por alguns comprimidos tarja-preta.

Mas não é por isso que eu sou insensível às coisas belas que o Natal já produziu - boa parte do repertório de Bing Crosby, A felicidade não se compra e esse livro, O Natal no Sabadoyle, uma edição comemorativa das atas de Natal escritas pelos freqüentadores do Sabadoyle. Começou em 1972, com Carlos Drummond de Andrade (eu quase coloquei uma foto do poeta no lugar dessa do Plínio Doyle, mas achei melhor homenagear o dono da casa), e seguiu até pelo menos 1994, quando o livro foi editado, com textos e poemas também de Pedro Nava, Alphonsus de Guimaraens Filho, Homero Homem, Homero Senna. Revendo agora meu volume, encontrado num sebo em condições quase excelentes, percebo que o livro trata mais da amizade, do Sabadolyle e das letras do que da festa em si. Como disse Drummond em seus versos finais de Natal na biblioteca de Plínio Doyle:

"(...) Mas tenho que concluir a versalhada
antes que soe a hora da consoada,
pois é Natal, ou quase, nestas salas
em que os livros, amados, formam alas,
agradecendo, num carinho mudo,
o que por eles faz o Plínio: tudo
que se chame cuidado, zelo, amor
de desvelado colecionador,
e os convivas, em roda, tecem loas,
por todas essas coisas muito boas,
ao amigo leal, firme, sem balda,
junto à doce presença de Esmeralda."

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Cozinhando para amigos

Cozinhando para amigos
Heloísa Bacellar (DBA, 2008)

Quando meu amigo disse que esse era o melhor livro de receitas que ele já tinha visto em português, achei exagero. Além do mais, era caríssimo. Mas um dia eu folheei numa livraria, depois em outra, fui lendo os textos da Heloísa Bacellar e, mais importante, comecei a ter vontade de fazer aquela massa, aquela salada, organizar um jantar com o cardápio inteirinho que ela sugeria. O que mais um livro de cozinha precisa para ser bom?

Faz um tempão que ele está na minha estante, e essa semana eu finalmente estreei o livro com duas receitas que deram supercerto: um prosaico frango assado (uma das comidas que eu mais gosto de preparar, massagear o bicho com temperos, o cheiro delicioso do frango no forno, à medida em que vai ficando pronto) e uma salada de grãos, frutas e ervas, que adaptei um pouco para combinar melhor com o que eu ia servir. Testado e aprovado, restam agora dois problemas: coragem pra fazer as receitas mais calóricas (que prometem ser deliciosas) e coragem pra comprar o segundo volume, que acabou de sair - mas tem coisa que vale cada centavo.

Precautions

Precautions
Eugenio Montale

Há dias eu acordo com esse poema do Montale na cabeça, nessa versão em inglês que não sei quem traduziu, e que conheci quando o metrô de Nova York resolveu fazer uma campanha edificante para apresentar poesia às pessoas. (Aliás, não sei nada sobre Montale - se chegou a escrever em inglês, se esse poema foi realmente traduzido.) Here it goes:

Not incorrectly
they advised me
to use the long spoon
if I went to dine with the devil.

Unfortunately
on those rare occasions
the only one available
was short.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Inside Cuba

Inside Cuba
Julio César Pérez Hernández e Gianni Basso (Taschen, 2006)

Ele parafraseou Hemingway e Bogart ao mesmo tempo na dedicatória que escreveu pra mim: "Nuestros daiquiris en la Floridita, nuestros mojitos en la Bodeguita... We will always have Habana." Bem, we won't have Havana anymore, mas eu espero ter sempre esse livro por perto para, ao lado das minhas fotos, me lembrar de tudo o que vi de bacana (e nem tanto) em Cuba. Ou ver o país de outros ângulos, já que não sou boa fotógrafa e que em muitos lugares onde estive era proibido fotografar.

Mas está lá o Palácio Brunet, em Trinidad, onde funciona o Museo Romántico - um dos poucos museus em que pagamos para poder tirar fotos; a bateria da minha máquina acabou depois do segundo clique e a dele simplesmente pifou. E o Hotel Nacional, em Havana, onde tomamos o primeiro de uma série quase vergonhosa de mojitos em Cuba. A sorveteria Coppelia, parecida com um disco voador, onde só conseguimos tomar um helado de morango quando entendemos que havia uma fila para turistas e outra para cubanos. O lugar mais quente do mundo: a Real Fábrica de Tabacos Partagás. Os dois melhores jantares da viagem: no Paladar La Guarida, num cortiço de Centro Habana. Sinto por não aparecer no livro o Edifício Bacardi, tão belo e inacessível.

Uma curiosidade: essa minha edição é trilíngüe, em espanhol, italiano e português. Mas o olho que segue o nome de cada lugar retratado aparece... em inglês. Hotel Habana Riviera - The empire of the Mafia in Cuba. Weird.

Maysa

Maysa - Só numa multidão de amores
Lira Neto (Globo, 2007)

Vi outro dia na TV a chamada para a próxima minissérie da Globo, sobre Maysa, e quase caí pra trás: a atriz escalada para o papel principal é a cara da cantora, uma semelhança impressionante. Já vi que vou ter de fazer o esforço de dormir tarde (ou melhor, de largar a leitura noturna mais cedo) pra acompanhar o programa; sempre gostei da voz de Maysa, de sua interpretação apaixonada de Ne me quitte pas e de Se todos fossem iguais a você.

Não sei se a biografia de Lira Neto ajudou na composição da minissérie; sei que o filho da cantora, Jayme Monjardim, colocou à disposição do autor arquivos familiares e os diários da mãe para ajudar na elaboração do livro. É bem feito, tem boas histórias e permite à gente entender os tais oceanos não pacíficos que mostravam seus olhos, no dizer de Manuel Bandeira. Maysa era precoce: compôs e cantou cedo, casou-se cedo, teve um filho cedo e começou a beber muito cedo. Não é de se espantar que também tenha morrido cedo, aos 40 anos, deixando pra trás um turbilhão de amores, tristezas, porres e gravações cheias de sentimento. Como em quase toda biografia, porém, só lamento que a quantidade de fotos do livro seja reduzida: é muito interessante ver a evolução da beleza de Maysa, da maquiagem pesada e cabelos arrumadinhos dos anos 50 à liberdade leonina das calças jeans e cabeleira revolta dos anos 70.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Bilac vê estrelas

Bilac vê estrelas
Ruy Castro (Companhia das Letras, 2000)

Há alguns anos, eu e um querido amigo começamos a preparar uma edição revisada de O momento literário, um livro do João do Rio publicado talvez em 1908. Na virada do século, João do Rio escolheu trinta e poucos escritores relevantes da época e a todos entrevistou com cinco perguntas, entre elas "quais foram suas influências literárias" e "o que você acha da intersecção entre o jornalismo e a literatura" (ou algo do gênero). Mas o bacana de O momento literário nem são as respostas, algumas chatíssimas, e sim ver que tipo de figura formava o mundo cultural carioca há 100 anos - houve espaço até pra um maluquete que acabou (merecidamente) sumido, um sueco chamado Magnus Söndahl.

Eu e meu amigo investigamos e escrevemos um miniperfil de cada autor entrevistado por João do Rio. E um deles, o padre Severiano de Resende, não é outro senão o modelo usado por Ruy Castro para um dos personagens de Bilac vê estrelas: o padre Maximiliano da Gama. Quem lê esse pequeno romance, parte de uma coleção policial que previa escritores famosos como protagonistas, vai entender por que só ele, entre tantas outras figuras da época, aparece disfarçado com pseudônimo. De resto, estão lá vários medalhões do mundo literário na Belle Époque carioca: Medeiros e Albuquerque, Coelho Neto, Emilio de Menezes, José do Patrocínio, quase todos envolvidos numa trama mirabolante em que Olavo Bilac se vê no papel de detetive. Levinho e inofensivo, e mais divertido para quem conhece ou já ouviu falar desse monte de escritores do passado.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Os escritores

Os escritores - As históricas entrevistas da Paris Review
(Companhia das Letras, 1988)

Estou lendo a "biografia" de George Plimpton, o sujeito que colocou de pé a Paris Review, uma revista literária criada por americanos na década de 50, em Paris. (O motivo das aspas será devidamente explicado no post sobre o livro, assim que eu terminar a leitura.) E então me deu vontade de tirar da estante os dois volumes de Os escritores, lançados em 1988 e 1989 por uma iniciante Companhia das Letras, com a reunião das melhores entrevistas publicadas pela revista ao longo de décadas. (Segundo parêntese: é engraçado ver como eram fraquinhos o projeto gráfico do livro e o texto de orelha no ano em que a editora abriu as portas.)

Logo no primeiro volume encontrei dois post-its e várias frases grifadas. Na entrevista com Dorothy Parker, a respeito de colegas escritoras que, a seu ver, não mereciam muito respeito: "E pensar que havia aquele pobre otário do Flaubert que rolava no chão durante três dias procurando a palavra certa." Em Borges, um post-it laranja e nenhuma anotação (Ruy, eu gosto do Borges quando são livros de entrevistas; tem um dele com o Sábato que é muito bacana.) O segundo volume (é a capa que ilustra o post) tem Nabokov, Garcia Márquez, Isak Dinesen, Auden, Hemingway... Ambos estão esgotados há séculos; consegui os dois volumes graças àquele meu livreiro infalível.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Secrets of style

Secrets of style
In Style magazine (In Style Books, 2005)

Outro livro basicão e bacaninha sobre estilo, roupas clássicas, como comprá-las, identificar sua qualidade, aprender a tirar proveito delas de acordo com o tipo de corpo etc etc etc - não tem a mesma graça de The little black book of style e The one hundred, nem o humor de Trinny e Susannah, mas serve como um bom guia para quem está começando a se inteirar do assunto.

Para mim, o divertido ao consultar esse livro é me lembrar de algumas roupas que já tive e que marcaram minha vida para o bem ou para o mal. Um vestido cor-de-rosa, de tafetá, que usei no aniversário de 15 anos de uma amiga (era um desastre fashion típico dos anos 80 e me dá uma certa depressão lembrar dele, mas o lado bacana foi que minha mãe fez questão de mandar fazer o vestido que eu queria, sem tirar nem pôr); um conjuntinho de saia e twin-set amarelo (mais ou menos da mesma época, e que eu amava); tênis all-star de cano longo, também amarelo; uma época de keds branco com vestidinhos soltos e floridos que me engordavam pra caramba; uma saia preta longa maravilhosa que eu me dei de presente de natal e usei meia dúzia de vezes; uma calsa fuseau de veludo laranja (!!!); o short cru e a camiseta regata colorida usados no réveillon que deu origem a um longo relacionamento; o casaco azul e vermelho da GAP que eu comprei pela metade do preço, perdi num incêndio (isso mesmo) e acabei comprando de novo, pagando afinal o preço inteiro; meu primeiro casaco de camurça; as camisetas da finada Philippe Martin (era isso mesmo?), incluindo uma camisa verde e cor-de-laranja que eu usava em parceria com meu irmão; uma camisa de patinhos que eu também dividia com meu irmão; uma calça fuseau preta que eu usava com a camisa de patinhos; o vestido de veludo azul estampado que usei, aos 8 anos, no casamento do meu padrinho; um vestido preto e decotado, também de veludo; uma camisa pink que usei horrores, já nos anos 2000... Eu poderia ter escrito a primeira frase de A louca da casa: "Estou acostumada a organizar as lembranças da minha vida em torno de um rol de namorados e livros." Mas eu incluiria também as roupas.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Fazendo as malas

Fazendo as malas
Danuza Leão (Companhia das Letras, 2008)

É pra ler de uma tacada, de preferência no intervalo entre dois livros mais densos; nada como crônicas leves, divertidas e alto-astral para zerar o cérebro. Melhor ainda, como é o caso, quando o prazer da leitura dá vontade de fazer uma loucura, empacotar tudo e embarcar no primeiro avião - sorte de quem pode sair por aí como Danuza, com liberdade, independência e conhecimento sobre os lugares que vai visitar.

O ideal seria mesmo ter dinheiro suficiente e passar no crivo de Danuza para poder viajar com ela a seus lugares preferidos. Curtir a Feria de Sevilha, hospedar-se na rua de Lisboa onde, segundo Eça, ficava O Ramalhete, de Os Maias, conhecer o hotelzinho onde ela se hospeda há vinte anos em Paris (e bater perna para conhecer seus estilistas japoneses preferidos), pegar carona no carrinho de Luciano para jantar com eles e ver Roma à noite. Ok, Danuza parece inacessível. Mas com grana no bolso e uma companhia que pareça tão divertida quanto ela, Sevilha, Lisboa, Paris e Roma, aqui vou eu.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Some of me

Some of me
Isabella Rossellini (Random House, 1997)

Isabella Rossellini está entre os meus principais modelos de beleza; eu sempre pensei "quero chegar aos 40 (ou aos 45, ou aos 50) linda como ela". E adorei quando duas amigas-irmãs queridíssimas e xarás me deram de presente essa espécie de autobiografia, com dedicatórias bem sugestivas: "que seu sonho se realize", "ela é bem o seu padrão para se ter como ideal".

Estou longe, a anos-luz de distância de ter a beleza de Isabella Rossellini, mas gosto de pensar que é possível chegar aos 40 (e aos 45, aos 50) bem de rosto, corpo e espírito. E bem de corpo não significa ser magra; IR quase nunca foi. Mais importante: deve ser bem bacana chegar aos 45, a idade que ela tinha ao escrever o livro, com tanta história pra contar sobre experiências pessoais e lembranças dos outros - esse é o tal "bem de espírito" (alma, astral, humor, whatever). Tá certo que Isabella gasta metade das páginas pra dizer como é linda e como as pessoas costumam confundi-la com a mãe, que também era linda. Mas na outra metade ela fala de seus casamentos com Martin Scorsese e David Lynch, relata conversas imaginárias com o pai morto, conta dos filhos, da fase de modelo, de como virou atriz. Tudo cheio de fotos (eu sempre acho que poderia haver mais), incluindo a minha preferida: um quadro feito por David Lynch para ela, cheio de... abelhas mortas. Sensacional.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Assombrações do Recife Velho

Assombrações do Recife Velho
Gilberto Freyre (Topbooks, 2001)

O motorista de táxi, em Recife, queria me cobrar 100 reais só pra me levar à oficina de Francisco Brennand - dali seria outro táxi até a Fundação Gilberto Freye e mais sei lá quanto para voltar a Boa Viagem. Não fui. Sim, bate um certo arrependimento, mas 100 reais numa só corrida de táxi, em 2002, doía ainda mais do que hoje, e eu não tinha ninguém com quem dividir a viagem. Paciência.

Mas eu não me conformava em sair do Recife sem trazer alguma coisa de Gilberto Freyre, mesmo que não fossem as fotos que eu pretendia tirar em sua antiga residência de Apipucos. Por isso fiquei feliz da vida quando encontrei, na Casa da Cultura, uma livraria bagunçada que vendia edições da Fundação e outros títulos de Freyre, como esse então novinho relançamento. Que vontade de poder encontrar, no Recife de hoje, as ruas, casas, fantasmas e aparições que o velhinho reuniu nesse livro: o sobrado da Estrela, a casa da esquina do Beco do Marisco, o sobrado das três mortes, a casa da Imbiribeira... Outro dia eu li um guia de Londres que sugere uma série de roteiros, digamos, macabros na cidade. Será que ninguém se anima a fazer o mesmo com as assombrações de Gilberto Freyre?

Dentro da noite

Dentro da noite
João do Rio (Antiqua, 2002)

Ainda não encontrei o João do Rio aqui em casa, então resolvi escrever a partir apenas de minhas lembranças. Ia começar dizendo que os dois melhores contos desse livro - acho que os dois melhores do autor - não servem para estômagos fracos. Mas que se danem os estômagos fracos: a morbidez é fundamental em Dentro da Noite e O bebê de tarlatana rosa. E quem torcer o nariz para comportamentos igualmente tortos vai perder literatura de primeira.

Na verdade, nem acho tão mórbido assim. O comportamento de Rodolfo em Dentro da noite pode não ser comum, mas está longe de ser inverossímil: pequenas crueldades podem tomar proporções impensáveis e causar um prazer que tanto o Marquês de Sade quanto o Nelson Rodrigues já exploraram muito melhor do que eu. Também há um certo sadismo - ou não vem dele o orgulho de Heitor ao contar a história? - em O bebê de tarlatana rosa, que no mínimo serve pra fazer a gente aprender uma palavra nova; tarlatana é o tipo de tecido usado na fantasia da moça que o narrador conhece num carnaval. E que, para horror e espanto dos que ouvem o relato, tem um traço bem mais marcante que sua roupinha cor-de-rosa. Rodolfo e Heitor chegam a ser cruéis. E igualmente maravilhosos.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Jamie's ministry of food

Jamie's Ministry of Food
Jamie Oliver (Michael Joseph, 2008)

Os detratores podem falar à vontade - que nos programas da TV ele cozinha com as unhas sujas, mede os ingredientes a olho, não lava os temperos -, mas eu não tô nem aí. Adoro Jamie Oliver e seus livros cheios de idéias, liberdade culinária e dicas que sempre me fazem olhar de um jeito diferente para a geladeira e o fogão. E fiquei muito feliz por encontrar à venda aqui, ontem, seu livro mais recente, já que os dois anteriores (Cook with Jamie e Jamie at home) não me empolgaram muito.

Em Ministry of Food, Jamie Oliver retoma uma antiga idéia posta em prática na Inglaterra da Segunda Guerra Mundial: a de que cozinheiras experientes podiam usar sua prática para ensinar a preparar refeições com os poucos ingredientes disponíveis na época. Sem o racionamento de então, ele usa o mesmo propósito para criar uma espécie de "corrente de receitas". No começo da obra há até um pequeno manifesto que incentiva o dono do livro a aprender pelo menos um prato de cada capítulo e passá-lo adiante a dois amigos ou familiares. No fim, o que importa mesmo são as saladas, sopas, carnes, aves e peixes, doces e refeições rápidas que ele reúne nos catorze capítulos. Tudo fácil e sem muito trabalho - porque, como diz o subtítulo, "qualquer um pode aprender a cozinhar em 24 horas".

As mais belas histórias da Antigüidade Clássica - volume II

As mais belas histórias da Antigüidade Clássica - volume II
Gustav Schwab (Paz e Terra, 1995)

Eu acho que perdi a capacidade de me apaixonar - ou melhor, acho que há algum tempo venho mantendo essa capacidade escondida na gaveta mais profunda do meu espírito, com medo de que ela resolva se manifestar novamente e que tudo termine novamente em sofrimento. Porque paixão termina ou em dor ou em tédio, uma desgraça. Agora há pouco eu estava em um show e resolvi flertar com um homem que conheço há pelo menos quinze anos, e que nunca me deu a menor bola. Pra que brincar com a sorte? Ou, pior, com a tranqüilidade?

(Esclarecimento pra quando eu ler esse post outra vez, daqui a algum tempo: sim, bebi mais do que eu devia.)

De um jeito tortuoso, mas ainda saudável, me apaixonei perdidamente por três personagens da ficção: o Carlos Eduardo de Os Maias, o doutor Rodrigo Cambará de O tempo e o vento e o Aquiles da Ilíada, recontada em prosa por Gustav Schwab. Eu já tinha lido o primeiro volume dessa trilogia, que trata de mitos e heróis da Grécia Antiga (o terceiro volume traz a Eneida e a Odisséia, também em prosa). E caí de amores pela história da Guerra de Tróia, pela masculinidade - ainda que gay - de Aquiles, sua devoção por Pátroclo e sua ira fenomenal quando o amante é morto por Heitor. Sofri com Aquiles e sofri por ele, quando Febo o atingiu no calcanhar, mas também senti a dor de Príamo ao tentar resgatar o cadáver do filho, morto pelo herói. Assim como acontece com Os Maias, não consigo deixar de ler a Ilíada sem torcer para que o final, dessa vez, seja diferente. Será que não podia dar empate? Não, os deuses gregos eram implacáveis. A vida também é.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

A dinâmica das larvas

A dinâmica das larvas
Rodrigo Lacerda (Nova Fronteira, 1996)

Aconteceu agora há pouco. Vasculhei um armário em busca de um livro de João do Rio porque senti vontade de escrever sobre dois de seus contos. Não encontrei, mas achei outros dois volumes que a) eu não sabia que tinha; b) não me lembro de ter lido; c) não tenho a menor idéia de como vieram parar aqui. Olhos de ressaca (Capitu), de H. Pereira da Silva, é uma edição fininha de 1970 que está sem a capa de trás. Trata-se de uma peça em três atos inspirada no Dom Casmurro e que, por indicação do autor, deve começar com o fundo musical de Apenas um coração solitário. Não reconheci o livro. Não sei se ganhei de presente ou se alguém me indicou, não sei se peguei emprestado, se comprei em sebo, achei na rua ou herdei. O mais estranho é que eu não gosto de ler dramaturgia; não tenho paciência para os diálogos nem para as marcações do autor.

Mas o segundo caso é ainda pior. A dinâmica das larvas tem uma dedicatória do escritor para mim: "Para a ..., esta tragi-comédia cheia de meus fantasmas pessoais, que só a mim assombram, eu espero... Com o abração do Rodrigo Lacerda, 21.8.96". Eu tenho certeza de que não li esse livro. Eu não me lembro de ter ido a nenhuma sessão de autógrafos do Rodrigo Lacerda. Eu não me lembro de ter ganhado esse livro de ninguém (o namorado que eu tinha em agosto de 1996 também era chegado nas letras, mas nossa paixão em comum foi o Caio Fernando Abreu). Não há registro do Lacerda nem do Olhos de ressaca em minha mente, memória visual, memória afetiva, as capas não me dizem nada e a dedicatória me deixou em pânico. Será que já existe uma parte de minha vida que anda se perdendo por aí?

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

The science of sexy

The science of sexy
Bradley Bayou (Gotham, 2007)

Embalada por minha recente mania de ler livros sobre estilo, encomendei dois volumes pela Amazon que seriam entregues nos Estados Unidos e trazidos para mim por uma querida e abnegada portadora. Um deles, The science of sexy, veio mesmo porque custava só US$ 5,99 e tinha o aval de quatro estrelinhas dos usuários da Amazon. E qual não foi minha surpresa quando abri o referido e encontrei, em diversas páginas, papeizinhos soltos e post-its grudados com anotações. Já aconteceu de eu encontrar "presentinhos" em livros comprados em sebos - eis um bom exemplo. Mas em livro novo, nunca vi.

The science of sexy se presta mesmo a anotações. Seu ponto alto é o método "científico" criado pelo autor para, a partir de dados como altura, peso, medidas dos ombros, do peito, da cintura e dos quadris, encaixar cada mulher em um de 36 tipos físicos possíveis. Baixinha, magrinha e em forma de ampulheta; baixinha, gordinha e em forma de triângulo invertido; altona, gordona e em forma de retângulo - as combinações vão longe. Eu sei, entre outras coisas, que meu livro já passou pelas mãos de alguém que tinha 42 polegadas de ombros e 38 nos quadris. E que ficava entre o triângulo e a ampulheta.

Por diversão - porque o livro não está estragado nem mal conservado -, mandei um email para a Amazon dizendo que, da próxima vez, eles poderiam avisar caso eu esteja comprando algo já usado. Recebi uma dessas respostas automáticas que dizia "sentimos muito, que pena etc, você pode a) clicar aqui para efetuar a troca do produto; b) clicar aqui para que mandemos uma compensação financeira de US$ 2, entre 10% e 20% do valor original". Considerando que eu paguei US$ 5,99 e eles erraram no cálculo da porcentagem, não seria má idéia. Mas eu prefiro manter meu livro cheio de post-its alheios.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Os irmãos Karamabloch

Os irmãos Karamabloch
Arnaldo Bloch (Companhia das Letras, 2008)

Sempre gostei de ler o Arnaldo Bloch no site de O Globo (até o jornal fechar o acesso online aos não-assinantes) e de vez em quando ainda vejo seu blog. Por isso fiquei animada quando soube que é ele o autor de uma biografia dos irmãos Bloch - Karamabloch, nas palavras de Otto Lara Resende. Fundada por Adolpho Bloch, a revista Manchete fez parte da minha infância; a edição da semana batia ponto na casa de meus avós. E, vai saber por que a memória guarda essas coisas, ainda me lembro direitinho de uma capa publicada em 1979, quando Leonel Brizola voltou do exílio.

Os irmãos Karamabloch é um livro bacana. Mas podia ser muito melhor. Numa família com tanta história boa e gente interessante, até entendo a necessidade do autor em focar-se numa só figura, sob pena de escrever uma bíblia. O caso é que, em apenas 300 e poucas páginas, muita coisa acaba se perdendo. (Uma dúvida que não me sai da cabeça: que fim levou Liova, depois que os irmãos chegaram ao Brasil? Voltou a Salvador e acabou morrendo lá?) Eu mesma não sei como resolveria esse problema - para falar de Adolpho e suas realizações é necessário, sim, falar de Joseph e seus irmãos. Mas será que o livro precisaria voltar tanto no tempo? Ou dedicar tanto espaço às lembranças de Leonardo? E do próprio autor? Não sei. Não sei como eu faria. Mas Arnaldo Bloch bem que poderia lançar outro volume da saga familiar, com as histórias que ficaram de fora.