quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Dicionário tradutor de gastronomia em 6 línguas

Dicionário tradutor de gastronomia em 6 línguas
Roberta Malta Saldanha (Antonio Bellini Ed., 2007)

Quem gosta de cozinhar acaba se deparando, mais cedo ou mais tarde, com textos e receitas em outros idiomas. Inglês eu domino (e já aprendi, mais ou menos, a calcular de cabeça a equivalência entre o sistema métrico e o imperial). Francês, nem tanto, mas ainda assim me arrisco nos pratos simples de Recettes insolites (Hachette, 2002), presente de um amigo querido.

Para essas consultas - e para a agradável tarefa de traduzir livros culinários -, esse dicionário vem a calhar. A partir do português, em capítulos como aperitivos, açúcares e afins, embutidos, legumes, verduras e cogumelos, molhos, ovos e técnicas culinárias, cada termo tem seu equivalente em inglês (e inglês britânico, quando for o caso), espanhol, italiano, francês e alemão.

Calvin e Haroldo - Tem alguma coisa babando embaixo da cama

Calvin e Haroldo - Tem alguma coisa babando embaixo da cama
Bill Watterson (Conrad do Brasil, 2008)

Por muito tempo, eu tive medo de viajar de avião. (Hoje, pelo menos, o kit "comprimidos tarja-preta/máscara de olhos /travesseiro de pescoço /protetores de ouvido" garante uma noite tranqüila e sem preocupações durante o vôo.) E, por todo esse tempo, uma das poucas coisas que desviavam minha atenção de todo barulho suspeito, aviso do piloto e luzes sinistras eram os livros de Calvin e Haroldo. Até na pior situação dá pra achar graça nas tirinhas do moleque e seu tigre de estimação.

Calvin acredita que seu bicho de pelúcia é de verdade, tem medo dos monstros debaixo da cama, faz constantes pesquisas de aprovação sobre o comportamento do pai e deixa a mãe doida - em resumo, aproveita a vida de uma criança de 6 anos que, além de inteligente, é criativa pra caramba. Um adorável pestinha e seu invejável melhor amigo, ambos cheios de tiradas filosóficas melhores que muito livro adulto circulando por aí.

As brumas de Avalon

As brumas de Avalon
Marion Zimmer Bradley (Imago, 1989)

Eu tinha uns 15 anos quando essa série de quatro ou cinco livros foi lançada e virou febre no país. Todo mundo lia. E lá fui eu, pegar os dois primeiros volumes emprestados de uma tia, para desvendar quais mistérios poderia ocultar a história do Rei Arthur contada pela perspectiva feminina. Putz, era uma complicação. Demorou um pouco até eu entender quem era quem - vários nomes de personagens usados por Marion Zimmer Bradley não correspondiam aos nomes que a gente aprendeu; Guinevere virou Gwynhefar, por exemplo. Horrível.

Então o primeiro volume foi lido meio aos trancos e barrancos, mas ainda assim tive vontade de continuar e conhecer o resto da história. No segundo, desandou. Achei tudo chato, fiquei irritada com aquela coisa de "você não pode fugir do seu destino", muito personagem não fazia nexo... Abandonei. Algum tempo depois, dei outra chance pra Marion Z. B. com um livro sobre Cassandra e outras personagens da mitologia grega; não me lembro do nome. Mas a fórmula era a mesma. Larguei também.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

The complete English poems

The complete English poems
John Donne (Penguin, 1986)

O livro sobre o qual vou falar não é esse aí ao lado, que escolhi como ilustração e link na falta da edição (meio que roubada) que eu tenho - um volume fininho chamado John Donne, o poeta do amor e da morte (J.C. Ismael Editor, 1986), com introdução, seleção, tradução e notas de Paulo Vizioli. Deve ter saído de campo há décadas: na Livraria Cultura não há referência nem como esgotado e os 18 resultados do Google são quase todos citações.

Eu já escrevi aqui várias vezes que meu poema preferido em língua inglesa é Ephemera, do Yeats. Mas nunca disse que o John Donne também tem seu lugar no meu Top Ten. É A valediction: forbidding mourning, um belíssimo poema de despedida e de promessa que me causa, a cada leitura, o mesmo arrepio de emoção nos versos finais. Taí: nunca tinha me ocorrido que despedida e promessa também estão no cerne de Ephemera. E não é por acaso.

Dicionário de suicidas ilustres

Dicionário de suicidas ilustres
J. Toledo (Record, 1999)

Tá, é bizarro. Mórbido. Freak. Doentio. Mas suicídio - o tema - me atrai muito. Se tem gente disposta a escrever sobre o assunto, eis-me aqui disposta a ler (estou ansiosa pelo lançamento de Suicídio - O futuro interrompido, da jornalista Paula Fontenelle, que deve sair por esses dias). Uma das atitudes mais comuns diante de gente que se matou é dizer "um covarde". O escambau! Estar ali, à beira da morte, e decidir-se por ela, é coisa de uma coragem sem tamanho.

Então essa obra de J. Toledo é uma excelente referência a respeito, com duas características muito bacanas e outras duas questionáveis. As bacanas: a inclusão de personagens de ópera e literatura (e como tem figura cantante que se mata!) e a identificação da bibliografia correspondente logo abaixo de cada verbete. Por outro lado, a maior parte dos "suicidas ilustres" é, na verdade, formada por ilustres desconhecidos - como o francês François Buzot (século 18), o inglês Charles Blount (séc. 17), a brasileira Elsie Houston (começo do século 20), o inglês Barney Barnato (século 19). E, por fim, Toledo inclui entre os suicidas gente como Marilyn Monroe, Chet Baker e Linda McCartney, que morreram sem que se saiba exatamente se foi de caso pensado ou não.

domingo, 26 de outubro de 2008

O livro no Brasil

O livro no Brasil
Laurence Hallewell (Edusp, 2005)

Primeiro eu procurei esse livro por sebos de todo o canto. Depois soube que havia sido relançado, numa edição ampliada - mas quase caí pra trás quando vi o preço. Um dia, na Cultura, ele quase me convenceu a comprá-lo, da mesma forma que eu também tentaria convencê-lo. Fiz bem em esperar. Alguns meses depois, ele herdou a biblioteca da avó. E entre as dezenas de volumes que saíram das caixas empoeiradas estava lá a primeira edição de O livro no Brasil, lançado em 1985. E que acabou em minhas mãos.

Não é tão bonita ou portentosa quanto o volume da Edusp, mas o que importa está lá: informações sobre o mercado editorial no Brasil desde que surgiu até meados dos anos 80. O livro não trata, portanto, do significativo surgimento da Companhia das Letras, em 1988, mas isso é o de menos. O que não falta, no volume de 1985, é material para pesquisa. E trabalho.

Atualização (13/11/08) - Demorou, mas aconteceu. Escrevi dois posts sobre o mesmo livro - e com apenas três meses de diferença entre um e outro. Pelo menos não fui incoerente: minha opinião sobre a obra e a historinha de como eu cheguei até ele estão contadas da mesma maneira nos dois textos...

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Gray's anatomy

Gray's Anatomy
Henry Gray (Barnes & Noble, 1995)

Ganhei do meu irmão esse fac-símile que a Barnes & Noble lançou do Gray's anatomy de 1901, então na 17ª edição. Adorei; acho o corpo humano fascinante e cada descoberta sobre ele me faz querer saber mais. E, embora eu também concorde quando Arnaldo Antunes diz que "o corpo ainda é pouco", sua capacidade de adaptação surpreende: é bacanérrimo saber que, se eu perder o baço, outros órgãos começarão a produzir anticorpos - mas isso eu aprendi em outro lugar.

Ontem eu peguei o Gray's anatomy, como faço de vez em quando, dessa vez pra ler sobre o fígado. Li por pelo menos meia hora até perceber que não estava prestando a menor atenção. "Na parte anterior ele é assim, na posterior é assado... O lado direito faz isso, o esquerdo faz aquilo..." Não tenho nenhum problema hepático. Na verdade, queria saber sobre o fígado real pra tentar entender o figurado.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

O barão nas árvores

O barão nas árvores
Italo Calvino (Companhia das Letras, 1991)

Essa semana eu encontrei um pedacinho do passado e foi bom ver que, por mais que certas coisas não possam ser de novo o que já foram, a lembrança que vai existir pra sempre é bonita e carinhosa, uma lembrança que a gente sempre pode retomar pra se sentir reconfortado, quando preciso. De uma maneira menos tortuosa do que pode parecer, esse livro causa em mim o mesmo efeito: pensar nele traz uma sensação de aconchego que eu sinto apenas diante de coisas cheias de lirismo e beleza.

Na leitura de alguns - principalmente de quem não vê o sutil valor de Calvino -, O barão nas árvores não passa de uma fábula ingênua. Pra mim, não é. A história de Cosme Chuvasco de Rondó, um nobre rapaz do século 18 que, num certo dia de sua vida, resolve viver em cima das árvores, está cheia de uma ironia inteligente e de uma delicada poesia. Do alto, Cosme vê melhor a vida aqui embaixo. Acompanha as idas e vindas de sua família. Apaixona-se por Viola. E permanece firme ao propósito de nunca mais descer.

domingo, 19 de outubro de 2008

The little black book of style

The little black book of style
Nina Garcia (Harper USA, 2007)

Gostei tanto do The One Hundred que pedi à querida Rosie que trouxesse pra mim, dos Estados Unidos, esse primeiro livro de Nina Garcia. Ótima leitura sobre moda e estilo. Assim como na obra de 2008, a autora não está interessada em ditar regras e dizer o que cada um deve vestir em qual ocasião. Ao contrário: Nina encoraja os leitores a pensar sozinhos, seguindo alguns conceitos básicos que ajudam não só na hora de abrir o armário, mas também no momento de sair para fazer compras.

Por exemplo: arrume, sem dó, seu guarda-roupa. Doe tudo aquilo que não usa há anos, que não serve mais, que não cai bem. Uma prateleira com cinco camisetas bacanas é melhor do que uma com 25 que você não quer usar. Ao falar sobre sapatos, acessórios, misturas interessantes, como lidar com seus pontos fracos, no que vale a pena investir, Nina Garcia prova que criar um estilo próprio ajuda, sim, a aumentar sua confiança e auto-estima. Importantíssimo.

sábado, 18 de outubro de 2008

Vale das vertentes

Vale das vertentes
Giselda Laporta Nicolelis (Moderna, 1983)

Uma família em férias num condomínio em Serra Negra, um grito alarmante e misterioso, a "louca da serra", uma turma de amigos e, por fim, um segredo escondido há séculos dentro de uma gruta. Não tenho idéia de como a garotada de hoje encara essa história - quando eu li, com uns 13 ou 14 anos, adorei. Tem uma dose pequena e suficiente de mistério, um climinha de romance e, principalmente, uma narrativa leve e cheia de brincadeiras, mas dessas que me fazem ter dúvidas sobre a compreensão (e o interesse) dos adolescentes de hoje.

De Giselda Laporta Nicolelis li alguns outros livros, entre eles um bem bacana e emocionante, O fio da meada. Infelizmente, a única coisa que me lembro dele é isso: era bacana e emocionante, e tinha uma capa azul-claro (ou amarelo-claro). Ah, era de mistério. Eu sempre gostei de romances policiais e livros de mistério, como os de Stella Carr e seus incríveis Irmãos Encrenca. Será que ainda existe isso hoje?

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

O fantasma de Canterville

O fantasma de Canterville
Oscar Wilde (L&PM, 2006)

Primeira surpresa: ao procurar por esse livro no site da Livraria Cultura para colocar um link no post, só encontrei essa edição dirigida, ou pelo menos assim acredito, ao público adulto. O restante é infanto-juvenil. Será que os textos são adaptados? Será que pré-adolescentes conseguem aproveitar a ironia de Wilde? Segunda surpresa: pelo jeito, a L&PM também foi a única editora a incluir mais contos no livro, como "O príncipe feliz", "O pescador e sua alma". E os outros? Onde ler, hoje, "O gigante egoísta", "O rouxinol e a rosa", "O aniversário da infanta"?

Na antiga edição que eu tinha, todos estavam reunidos sob o título O fantasma de Canterville e outras histórias, se bem me lembro. E então dava pra rir (com o próprio ...fantasma..., uma assombração que acaba assombrada pela família americana que vai morar na casa em que ele vive) e chorar (com o tristíssimo sacrifício inútil de "O rouxinol e a rosa") à vontade. Oscar Wilde é sempre uma inspiração.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Japanese cooking

Japanese cooking - A simple art
Shizuo Tsuji (Kodansha, 1980)

Jeffrey Steingartein, o homem que comeu de tudo, disse que esse não é apenas o melhor livro sobre cozinha japonesa que existe: é um dos melhores livros sobre cozinha já escritos. Ponto. E não dá pra desconsiderar a opinião do homem. Vai daí que encomendei o meu pela Amazon, há alguns anos, e adorei. Só de introdução à culinária japonesa há umas 150 páginas, entre o ótimo capítulo sobre ingredientes, utensílios em geral, diversos tipos de facas, a melhor maneira de cortar e fatiar o que vai ser servido...

Depois vêm as receitas que, infelizmente, são um pouco difíceis de reproduzir aqui. A começar pelo básico dos básicos, o dashi, caldo que entra na preparação de quase tudo que não seja sushi e sashimi. O Demian conta que a avó dele fazia dashi em casa, cozinhava a alga, ralava o peixe... Até dá pra achar tudo na Liberdade, mas e o tempo e a disposição pra preparar receitas tão poéticas? Ainda assim, o Jeffrey Steingarten não deixa de ter razão. Cheio de ilustrações didáticas e explicações idem, Japanese cooking é mesmo um dos melhores livros sobre cozinha já escritos. Ponto.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Big Loira

Big Loira e outras histórias de Nova York
Dorothy Parker (Companhia das Letras, 1987)

Eu nunca sei muito bem o que responder quando alguém vem com aquelas perguntas idiotas e divertidas, como "em que outra época você gostaria de ter vivido?". Acho que em várias. Na virada do século 19 para o 20, no Rio de Janeiro. Ou no Rio dos anos 50. Durante a Semana de Arte Moderna em São Paulo. E na Nova York dos anos 20, quando a turma de Dorothy Parker ia encher a cara na Round Table do hotel Algonquin - quem sabe assim eu não confundiria mais tipos como Alexander Woollcott, Harold Ross, Edna Ferber e outros frasistas que o Ruy Castro vive citando.

Não sou muito chegada em contos, nunca fui. Mas Big Loira é daquele tipo de livro que sempre pego, e para reler sempre o mesmo texto: "Um telefonema", as melhores seis páginas já escritas sobre a paranóia que devasta uma mulher à espera da ligação do ser amado. Toda, toda mulher já passou por isso. Ameaçou jogar o telefone na parede. Rezou implorando pro aparelho tocar. Fez promessas em troca do trimmm-trimmm imediato. E nada. Nessas horas, o único consolo é pensar que nada mudou: os homens dos anos 20 também custavam a telefonar.

domingo, 12 de outubro de 2008

The Collected Poems of W.B. Yeats

The Collected Poems of W.B. Yeats
W.B. Yeats (Free Press, 1996)

Sérgio Rodrigues, de quem sou fã de carteirinha, me fez passar a maior vergonha: apostou que, entre os leitores de seu ótimo blog, eu poderia ter lido algo de J-M. G. Le Clézio, o recente vencedor do Nobel de literatura. Não li. Aliás, nem conhecia o escritor. E, pelo que tenho visto sobre seus livros editados em português, o único que talvez entre na minha sempre crescente lista de próximas leituras é O africano, editado pela Cosac Naify.

Yeats, evidentemente, não tem nada a ver com isso. Mas pensando no que será que eu já li dos ganhadores do Nobel, me lembrei da visita a um sebo, há uns três anos, onde nós dois encontramos uma coleção enorme, de capa dura vermelha, com livros de todos os ganhadores do Nobel até, sei lá, talvez a década de 70. Íamos passando os olhos pelas lombadas com cara de espanto: "esse eu não li", "desse eu nunca ouvi falar", "esse não foi aquele que escreveu tal coisa?". Dois ignorantes absurdos. E, se eu não li Le Clézio, nem Roger Martin du Gard, Salvatore Quasimodo, Yasunari Kawabata, Günter Grass, que vencedor do Nobel poderia ocupar um post neste blog? Yeats, decidi. O autor do meu poema preferido, Ephemera. E como nada tenho a dizer além disso, porque não me considero uma grande leitora de poesia, o post acabou.

Lili do Rio Roncador

Lili do Rio Roncador
Lucília Junqueira de Almeida Prado (Record, 1976)

Eu não me lembrava da existência desse livro até que, há uns dez anos, xeretando as prateleiras infantis da antiga Ática, hoje Fnac, dei de cara com ele. E aí tudo fez vooooooooooim, ou qualquer que seja o barulho de um túnel do tempo, e eu fiquei com os olhos cheios de lágrimas porque o livro estava me levando pra um lugar tão longe e tão pleno das boas recordações literárias da infância.

Muito bem-humorado, mas num estilo bem diferente do querido Uma rua como aquela, o livro conta a história de Lili, uma franguinha que, ainda criança, se perde dos pais e das irmãs. Vai parar na casa de uma família que a acolhe como filha e vive uma série de aventuras até finalmente se encontrar com a turma de seu passado.

sábado, 11 de outubro de 2008

Um caso para Miss Maple

Um caso para Miss Maple
Leonie Swann (Rocco, 2008)

Miss Marple, a velhinha detetive de Agatha Christie, serviu de inspiração - ao menos no nome - para uma outra investigadora perspicaz e inteligente nesse livro de estréia da alemã Swann. A fundamental diferença: Miss Maple não é uma simpática senhorinha às voltas com os habitantes de seu vilarejo, no interior da Inglaterra. É uma ovelha. Que, ao lado das colegas de rebanho, resolve investigar a morte de George, o pastor, encontrado no pasto com uma pá enfiada no corpo.

A Miss Maple juntam-se carneiros e ovelhas impagáveis, como Mopple the Whale, detentor de uma memória especial, o impertinente carneiro de inverno, a filosófica Zora e Otelo, o carneiro negro, quem mais entende de humanos por ali. Entende em termos: na verdade, eles não têm a menor idéia de como acontece a vida das pessoas, e suas deduções a partir do comportamento humano são responsáveis pelos momentos mais divertidos do livro. Um caso para Miss Maple não é exatamente um romance policial. Muito menos um livro engraçadíssimo. Mas está cheio daquele tipo de ironia inteligente que, no final, é o que faz a leitura valer a pena.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Leviatã

Leviatã
Paul Auster (Companhia das Letras, 2001)

Leviatã, o primeiro Paul Auster que li, me deixou com uma tremenda dúvida: o que faz de um escritor um bom escritor? A história que ele conta ou a maneira como conta? A resposta óbvia é "ambos". Mas pra que simplificar as perguntas literárias? Leviatã (eu ainda não sabia) trata do grande tema austeriano: o acaso que muda a vida de um cidadão comum e que faz com que ele saia por aí à procura de alguma coisa que nem sempre sabe o que é. Gostei. Um a zero para "a história que ele conta".

Daí, sempre no original em inglês, eu li A trilogia de Nova York. Pode até ser que eu tenha me empolgado na época, mas o fato é que não gostei. De alguma maneira, porém, achei o livro bem escrito. Então o jogo empatou. Um a um entre "a história que ele conta" e "a maneira como ele conta". À medida em que fui avançando na obra de Paul Auster, vi que seu tema se repete, muitas vezes em títulos ótimos como O livro das ilusões e Noite do oráculo. E sempre com essa escrita elegante, precisa, uma escrita que me agrada tanto pelo estilo como pela voz.

A dúvida literária segue sem resposta. E se eu colocar ao lado de Paul Auster meu outro escritor vivo preferido, Ian McEwan, deve continuar assim por um bom tempo.

domingo, 5 de outubro de 2008

Sapatos

Sapatos
Linda O'Keeffe (H.F. Ullmann, 2008)

Esse livro só tem dois defeitos: o formato, muito pequeno, e o português, de Portugal. Pois merecia virar coffee table book e ter o idioma abrasileirado, já que, como em outros assuntos, o vocabulário referente a sapatos nem sempre é o mesmo nos dois países. De resto, está tudo ali: a história dos calçados, os modelos que marcaram época, os principais designers do gênero no mundo e muitas, muitas fotos.

Quando eu morava em Nova York, um outdoor sensacional dizia: Every woman has a little Imelda inside. Eu não fujo à regra. Sei muito bem de onde vem minha obsessão por sapatos e, até certo ponto, consigo controlar a mania - pago mais do que a média por um par apaixonante, mas não sou do tipo que gasta uma pequena fortuna com Manolos, Louboutins, Viviers e Ferragamos. A respeito deles, o jeito é me contentar com as fotos...

O livro dos amuletos

O livro dos amuletos
Gabriela Erbetta e Michelle Seddig Jorge (Publifolha, 2004)

Eu era criança e me lembro de ver, pela casa, um broche enorme de balangandãs de prata que minha mãe ganhou do meu pai quando ele foi à Bahia. Quando vim morar sozinha, coloquei um potinho cheio de sal grosso e uma cabeça de alho perto da porta de entrada do apartamento. E, todo fim de ano, eu guardava uma folhinha de louro ou sementes de romã na carteira - dizem que atrai dinheiro.

Não acredito em nada disso, pero que las hay, las hay. É difícil ver alguém que não carregue consigo algum tipo de amuleto ou que não siga alguma superstição. Esse livro tem fotos coloridíssimas e um pequeno texto explicativo sobre o significado - ou o suposto significado - de objetos como pé de coelho, crucifixo, figa, carranca, bonequinhos japoneses. Alegre e inofensivo.

sábado, 4 de outubro de 2008

O caso dos dez negrinhos

O caso dos dez negrinhos
Agatha Christie (Globo, 2000)

O primeiro livro que eu li de Agatha Christie foi o surpreendente O assassinato de Roger Ackroyd. Mas o que mais medo me causou foi esse, O caso dos dez negrinhos, que li em uma edição do finado Círculo do Livro, uma capa dura cor-de-rosa forte, num formato menor do que o normal. Lembro dos arrepios que eu sentia à medida em que todos os convidados da ilha iam morrendo, até não restar mais ninguém e a gente saber que aquela última personagem não era culpada pelas outras mortes. Quem, então?

É por causa desse sentimento de angústia constante que, ao contrário de vários outros Agatha Christie, não releio esse livro com freqüência. Talvez, até, eu o tenha lido apenas uma ou duas vezes. Mesmo sabendo quem é o assassino, fala mais forte a sensação de solidão, frio e desconfiança naquela mansão ilhada. Brrrrrr.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

A viagem vertical

A viagem vertical
Enrique Vila-Matas (Cosac Naify, 2004)

Eu já disse que gostaria de ter um Vila-Matas de estimação - adoraria conversar com o autor de um personagem que não come peixe porque, em outra vida, acreditou ter pertencido à civilização de Atlântida. Por causa desse livro, eu gostaria também de conhecer a Ilha da Madeira. É lá que o protagonista, Federico Mayol, vai parar depois de uma série de acontecimentos que começam em sua casa, em Barcelona. O primeiro deles: a mulher o expulsa de casa. Não agüenta mais o marido.

Mayol descobre, então, que sua vida não é nada do que imaginava. E aí começa sua viagem, tanto física quanto interior. Primeiro ele vai parar no Porto, em Portugal. Depois, em Lisboa. Por fim, em Funchal, na Ilha da Madeira. Tudo isso em meio a reflexões sensacionais, compiladas em capítulos com títulos tão bons como "O futuro das lembranças" e "Quando o acaso descansa". Meu exemplar, como sempre, está todo anotado. E um parágrafo, em particular, faz ainda mais sentido hoje, mais de três anos depois da leitura do livro, numa época em que cada anotação refletia um pouco do momento vivido. Que bom: elas continuam válidas até agora.

"Ao entrar no ônibus que o conduziria ao avião - que me leva para além de não sei o quê, pensou Mayol bastante nervoso, para não dizer um tanto fora de si -, sentiu voltando com força à sua consciência a trágica idéia desse ato sempre mutável que é o de lembrar, as transformações que sofrem as lembranças quando revividas, a dificuldade de dominar com plenitude total a memória do que foram nossos dias e, enfim, o desastre cotidiano de ver como se dissolve - nossa memória não é mais do que o conjunto de estilhaços de uma barca quebrada - a unidade de nosso mundo e do que se viveu."

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Fábulas italianas

Fábulas italianas
Italo Calvino (Companhia das Letras, 2006)

Eu já tive a minha época calvinomaníaca, tanto teórica quanto ficcional, e ainda gosto de voltar a livros como o irônico e poético O barão nas árvores - qualquer sujeito que tenha batizado um personagem como Cosme Chuvasco de Rondó merece toda a minha atenção. Também já passei por uma fase fábulas, iniciada na infância com a Tia Nastácia, o Esopo e o La Fontaine no Monteiro Lobato.

Foi surpreendente e gratificante, portanto, encontrar versões de várias fábulas da minha infância nesse livro organizado por Calvino. Prova de que, para uma história adquirir caráter universal, não precisa muito. E viva a tradição oral, responsável pela presença em comum, entre Tia Nastácia e as fábulas italianas de Calvino, de príncipes, princesas, mendigos, espertalhões, monstros traiçoeiros, fadas disfarçadas...