domingo, 29 de junho de 2008

O hobbit

O hobbit
J.R.R. Tolkien (Martins Fontes, 2002)

Eu não tenho paciência pra hobbit. Não li O senhor dos anéis, dormi na primeira parte da trilogia em DVD e apesar de ter um fraco enorme por mundos inventados, nunca quis saber como é a Terra Média. Mesmo assim, uma amiga fanática por Tolkien insistiu: num aniversário, me deu de presente O hobbit, que, como vim a saber, é uma espécie de "preqüência" da saga de Frodo e seus amigos na tentativa de, sei lá, salvar o mundo.

E não é que eu gostei? Menos da história, que equilibra partes chatas (muito nome, muito bicho esquisito) com boas cenas de aventura, e mais da narrativa, principalmente quando Tolkien antecipa trechos da trama de um jeito que aumenta o interesse sem estragar a surpresa. Pra um livro pelo qual eu não dava nada, portanto, só reconhecer essa técnica narrativa já foi lucro.

O Sabadoyle

O Sabadoyle
Homero Senna (Casa da Palavra, 2000)

De vez em quando alguém aparece com a pergunta: "se você pudesse ter escolhido outro lugar e outra época para viver, qual seria?" Eu já respondi que seria o Rio dos anos 50, na transição para a bossa-nova. Ou a São Paulo do modernismo de 1922. A Paris de Picasso, de Hemingway e Fitzgerald. Na verdade, acho que nada seria melhor do que o aqui e o agora - só de contar com a internet e com um sistema de troca de mensagens que, durante a maior parte de minha vida, não passava de um imenso delírio futurista, já me dou por satisfeita com os anos 2000.

Mas dois momentos da nossa história literária me fazem ter vontade de, senão ter vivido a época, pelo menos poder voltar um pouquinho no tempo. Um é o Rio de Janeiro no final do século 19, como Brito Broca descreve muito bem em seu Vida Literária no Brasil - 1900. Outro é o mesmo Rio, só que o dos anos 60 e 70, quando o advogado e bibliófilo Plínio Doyle começou a receber amigos no sábado à tarde em torno de sua biblioteca. Sábado + Doyle = Sabadoyle. Uma confraria literária, nas palavras do autor Homero Senna, por onde passaram nomes como Carlos Drummond de Andrade (um dos fundadores do grupo), Pedro Nava, Raul Bopp, Afonso Arinos e Alphonsus de Guimaraens Filho, e que contou com visitantes ilustres como Di Cavalcanti e Lygia Fagundes Telles. As atas de cada encontro - porque até isso o clubinho tinha - chegaram a ser reunidas em dois livros: uma edição das atas-poema, feita pelos próprios confrades, e uma reunião das atas de Natal, lançadas pela Massao Ohno nos anos 90. Será que ninguém se interessa em editar tudo de novo?

A biblioteca mágica de Bibbi Boken

A biblioteca mágica de Bibbi Boken
Jostein Gaarder e Klaus Hagerup (Cia. das Letras, 2003)

Eu não resisto a um livro sobre livros - nem quando é escrito por Jostein Gaarder, que aqui repete a fórmula epistolar de sua única outra obra que li: o best-seller O mundo de Sofia. Ao contrário dos bons livros sobre livros, porém, esse é, na verdade, um romance para adolescentes que se propõe a introduzir seu público no maravilhoso mundo literário. Eu, se tivesse que escrever algo sobre livros para jovens, gostaria de fazer algo melhor, menos chato e muito menos assustador (porque, convenhamos, fazer um personagem procurar no dicionário o que quer dizer "incunábulo" mais afasta do que aproxima qualquer criatura do tema).

Eu não me lembrava que ... Bibbi Boken era tão chato até tirá-lo da estante pra escrever este post. Mas em meio a tanta bobeira, ele se prestou para uma coisa: me ensinar o que é a classificação decimal de Dewey, usada para indexar os volumes de uma biblioteca segundo uma vasta tabela de temas. É claro que nunca decorei e nem pretendo decorar a classificação de Dewey, mas só de conhecer a lógica por trás daqueles numerozinhos etiquetados na lombada dos livros já fiquei mais feliz. Mesmo através do Jostein Gaarder.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Maldição e glória

Maldição e glória
Carlos Maranhão (Companhia das Letras, 2004)

Ao lado de Lúcia Machado de Almeida (O caso da borboleta Atíria, Spharion, O escaravelho do diabo) e Maria José Dupré (A ilha perdida, A montanha encantada, O cachorrinho Samba), Marcos Rey está para sempre ligado à coleção Vaga-Lume, que criança nenhuma perdia nos anos 70 e 80. Seu primeiro livro para a série da editora Ática foi O mistério do cinco estrelas, mais tarde seguido por O rapto do garoto de ouro e Um cadáver ouve rádio. Ao contrário da maioria de seus colegas de coleção, que ambientavam suas histórias em fazendas, florestas, cidades do interior e até no espaço, Marcos Rey fez do espaço urbano um coadjuvante para suas histórias. Léo, Gino e Angela, personagens de sua trilogia detetivesca, vivem em São Paulo e é nessa cidade que precisam desvendar um assassinato em O mistério do cinco estrelas.

Ok, mas estou falando de outro livro. Maldição e glória não tem crimes, trio de amigos detetives nem hotéis classudos. Ao contrário: começa às voltas com um garoto portador de hanseníase - a lepra - e, por isso, condenado a viver escondido para não ir parar nos sanatórios onde os doentes eram confinados. Marcos Rey, o garoto doente, evitou falar de sua condição por quase toda a vida. Da mesma maneira, foi só nos anos 80, com quase 60 anos de idade, que admitiu ter sido roteirista de pornochanchadas para a Boca do Lixo paulistana. Essas e outras histórias, como as passagens pelo rádio, TV, cinema, publicidade e teatro, estão reunidas nesta bem escrita biografia, que só não é melhor porque... bem, porque a vida de Marcos Rey não ajuda muito. O melhor, portanto, concentra-se na pior fase da vida do escritor: a luta contra a hanseníase, as internações, as seqüelas da doença - com direito a uma informação eletrizante descoberta por Carlos Maranhão e que diz muito sobre a política de saúde pública no Brasil dos anos 30.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Guess how much I love you

Guess how much I love you
Sam McBratney (Walker Books UK, 2006)

Desde Pedro, o coelho, de Beatrix Potter, eu não me interessei por nenhum outro coelhinho literário fofinho até conhecer a dupla de pai e filho deste livro encantador - pra dizer a verdade, pai e filho são duas lebres, e não coelhos. Há uma edição em português, mas foi em inglês que eu o li, logo depois do lançamento, e foi em inglês que eu o mandei de presente para o homem com quem descobri um amor tão intenso quanto a distância que nos separava.

É esse, justamente, o tema do livro: a intensidade do amor, que a lebre-filho tenta traduzir em distâncias, numa divertida competição com o pai. "Eu te amo daqui até o rio", diz o filho. "Mas eu te amo até as montanhas que ficam depois do rio", rebate o pai. Não dá pra quantificar o amor. Mas a disputa dos dois bichinhos dá uma boa idéia de até onde ele pode chegar.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

La Cucina

La Cucina
Marcella Hazan (Companhia das Letras, 2oo1)

Eu tive a sorte de conhecer os textos e as receitas de Marcella Hazan por este livro, uma edição caprichada com ilustrações de um artista plástico de quem gosto muito, o Paulo Pasta. É que em seu título mais conhecido, Fundamentos da cozinha italiana clássica, que eu li um tempo depois, Marcella me pareceu um pouco sisuda demais, coisa de professora que quer prender a atenção dos alunos e não se permite nenhuma brincadeirinha. (Mas pra mim a campeã da "ranzincice" culinária é mesmo Elizabeth Davis, uma autora venerada por mundo e meio da gastronomia.)

Os capítulos seguem a divisão clássica dos livros do gênero: entradas, sopas, massas, peixes, carnes e por aí vai. E, quase melhor que as receitas (teve uma época em que eu praticamente me viciei no Fricassê de frango com folhas de louro), são as histórias que Marcella conta antes de cada uma: a inspiração que teve para criar este ou aquele prato, as técnicas que ajudam a realçar o sabor da comida, os ingredientes descobertos a cada visita ao mercado. Na impossibilidade de freqüentar as aulas de Marcella em Veneza, seus livros são um excelente substituto.

domingo, 22 de junho de 2008

A Inspetora e o caso do broche desaparecido

A Inspetora e o caso do broche desaparecido
Santos de Oliveira (Ediouro, 1979)

Faz muito tempo que eu conheço um livreiro daqueles que não se encontram mais hoje em dia. Alguém que sabe do que está falando, que conhece o gosto dos clientes e indica livros que sem dúvida irão agradá-los. Ele já não tem mais loja, mas continua exercendo sua vocação de facilitador literário ao procurar em sebos - e quase sempre encontrar - os títulos difíceis que a clientela lhe pede.

Há uns dois ou três anos, eu lhe propus um desafio: encontrar para mim qualquer volume da série da Inspetora, uma coleção infanto-juvenil publicada na Ediouro nos anos 70/80 e escrita por Santos de Oliveira - um outro nome usado por Ganymédes José. Já tinha quase esquecido da história quando um dia cheguei em casa e o porteiro me entregou um pacotão de papel pardo. Quando abri, encontrei nove livros da Inspetora, e foi chorando de emoção que liguei para o livreiro, não só para perguntar como eu fazia o pagamento mas também para agradecer seu trabalho. Acho que ele ficou contente, porque dias mais tarde me arrumou o décimo livro, e por esse não quis nem cobrar.

Garota esperta e inteligente, Eloísa mora numa fazenda com os pais, a prima Malu, a empregada Bortolina e José Luís, filho do caseiro. Os quatro garotos formam a Patota da Coruja de Papelão, sempre pronta a resolver os mistérios que aparecem na pequena cidade: roubo de jóias, assaltos, sabotagens, luzes misteriosas... Escrito numa época em que ninguém estava nem aí com o politicamente correto, José Luís é tratado de orelhudo e gordo, Bortolina de negrinha burra e por aí vai. Pena. Não fosse por isso, a Patota da Coruja de Papelão bem que merecia um relançamento caprichado.

Os insones

Os insones
Tony Bellotto (Companhia das Letras,

Eu gosto do jeito como Tony Bellotto escreve. É elegante. E assim como sua série de Bellinis, que eu adoro, foi com elegância que ele escreveu este Os Insones. Li com o prazer que causa a narrativa bem escrita, mas com a frustração de encontrar uma história que, se não chega a ser forçada, também não causa nenhuma empatia, porque é muito inverossímil - basta abrir o jornal no caderno de Cidades para saber que a vida num morro carioca dominado pelo tráfico de drogas não é compatível com tanto romantismo e alguma benevolência.

Samora Machel da Silva, o sujeito que justifica o título do livro não por passar as noites acordado, mas por uma citação que faz do Subcomandante Marcos, é o jovem negro, rico e idealista que larga tudo e se muda para um morro no Rio de Janeiro com a intenção de chegar às Farc colombianas. Sofia Pellegrini é a jovem branca, rica e idealista que foge de casa para viver com Samora. Pena que a história dos dois - ou a de Renato e Lílian, os pais de Sofia, desnorteados com o desaparecimento da filha - não convença. E que Tony Bellotto, apesar da escrita elegante, tenha se deixado levar, em vários trechos, pela pieguice e pelo lugar comum.

sábado, 21 de junho de 2008

Uma rua como aquela

Uma rua como aquela
Lucília Junqueira de Almeida Prado (Planeta do Brasil, 2003)

Outro dia li no jornal que Lucília Junqueira de Almeida Prado estava lançando um novo livro. Fiquei surpresa: numa ignorância vergonhosa a respeito das escritoras que marcaram minha infância, eu nem sabia que ela ainda estava viva. Pois está, e aos 84 anos editou um romance autobiográfico, Sob as asas da aurora (Scortecci/Conquista). (E Teresa Noronha, Isa Silveira Leal, Giselda Laporta Nicolelis, Stella Carr, Maria José Dupré, o que terá acontecido com elas? O principal nome masculino da lista, Ganymedes José, eu sei que morreu precocemente.)

Sobre esses livros dos anos 70 e começo dos 80, não é exagero dizer que, durante a leitura, eu me mudava para dentro deles. Foi o que aconteceu com Uma rua como aquela, que me transportou para uma rua sem saída, travessa da avenida Brasil, em São Paulo, e que me fazia imaginar diálogos com o Reinaldo, o Alexandre, a Fátima, a dona Iaiá do piano, o Planador, o Carlão, a Lavínia - caramba, eu queria ser a Lavínia! (E acho que foi ela quem me ensinou a enfrentar a série de amores platônicos que eu viveria durante a adolescência.) Ainda tenho meu exemplar desse clássico particular, e o releio sempre que posso, ao menos uma parte ou outra. Conheço as histórias de trás pra frente e não deixo nunca de me emocionar com elas, a carta de Alexandre que Lavínia lê para a garotada no dia em que a Apolo 11 pousa na Lua, a molecada levando de volta o piano de dona Iaiá, a fala decisiva do Avarento no fim do livro. Acho que é disso que os livros inesquecíveis são feitos: boas histórias e excelentes lembranças.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Feliz ano velho

Feliz ano velho
Marcelo Rubens Paiva (Objetiva, 2006)

Assim como quase todo adolescente na década de 80, li Feliz ano velho ali pelos 15, 16 anos. Bacana. Revoltado. Marcelo Rubens Paiva conta sua história de um jeito quase brutal - o garoto classe média que viu o pai sumir durante a ditadura para nunca mais aparecer, aproveitou sexo e drogas à vontade durante os anos de estudante na Unicamp e acabou tetraplégico depois de um acidente imbecil, ao mergulhar de cabeça num lago raso.

Não sei como o classificam críticos e teóricos da literatura, mas pra mim Feliz ano velho passa longe do chamado romance (autobiográfico) de formação, como o O encontro marcado de Fernando Sabino. E, assim como O encontro marcado, ficou datado demais. Apesar de não folhear o livro faz um bom tempo, não acredito que hoje suas descrições de sexo e do consumo de drogas, do hospital e dos tratamentos, causassem o mesmo impacto que causaram nos obscuros anos 80. Ainda assim, foi a melhor coisa que Marcelo Rubens Paiva escreveu até hoje - o livro seguinte, Blecaute, fez com que eu desistisse de toda a obra de ficção do autor.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Hiroshima

Hiroshima
John Hersey (Companhia das Letras, 2002)

Ter ouvido falar de Hiroshima já é horrível o suficiente (aos 9 anos, eu descobri a existência da bomba atômica e fui tomada por um medo terrível de que o mundo pudesse acabar a qualquer momento; só fui sentir medo tão grande outra vez nos atentados de 11 de setembro). Ler sobre Hiroshima, então, provoca na gente um horror asqueroso - mas essa grande reportagem de John Hersey, escrita um ano depois da bomba, é fundamental para saber a real dimensão do que foi tudo aquilo, ainda que detalhes de corpos carbonizados e gente morrendo não seja exatamente agradável.

Hersey conta a história da bomba sobre Hiroshima a partir do relato de seis sobreviventes: uma arquivista, uma dona de casa, dois médicos e dois religiosos, um deles alemão. Suas lembranças, aliadas a uma boa pesquisa histórica, revivem o dia 6 de agosto de 1945 pelo cotidiano de pessoas comuns - a guerra, com suas invasões européias, ataques aos Estados Unidos e campos de extermínio, acontecia longe daquela gente. Hersey publicou seu trabalho numa edição especial da revista The New Yorker e, quarenta anos depois da bomba, voltou ao Japão para saber o que havia acontecido com seus seis entrevistados. É essa a horrível história de Hiroshima, leitura fundamental pra entendermos do que nós próprios somos capazes.

PS: Minha amiga K., de espantosa memória, lembrou-se que John Hersey foi o mesmo sujeito que Anne Fadiman (autora do ótimo Ex-libris) acusou de ter plagiado uma reportagem escrita por sua mãe durante a Segunda Guerra e lançada por ele em 1942, num livro chamado Men on Bataan. Em 1988, outra denúncia: Hersey plagiou trechos inteiros de uma biografia (a do escritor James Agee, escrita por Laurence Bergreen) para um artigo na New Yorker. Putz, em 1980 o cara escreveu um artigo dizendo que a regra sagrada do jornalismo é não inventar. Depois, admitiu ter usado material de outros autores em seus escritos. Médico ou monstro? E Hiroshima, onde fica?

domingo, 15 de junho de 2008

Auto-engano

Auto-engano
Eduardo Giannetti (Cia. das Letras, 2005)

Eduardo Giannetti é a maior fonte de epígrafes para os livros que eu não vou escrever, e contribui não só com idéias próprias como com frases dos outros - "É doce manter nossa mente fora do alcance daquilo que a fere", de Sófocles, está entre as minhas preferidas e resume muito bem o espírito do livro. Essa minha pequena edição de bolso tem centenas de marcações, parágrafos sublinhados e anotações numa letra tremida que eu às vezes peno para decifrar, ou que remetem a sei lá quais pensamentos andavam povoando minha cabeça na época da leitura (eu devia começar a marcar também quando um livro é lido, e não apenas quando é comprado).

Porque é fácil a cabeça encher-se de idéias e reflexões a partir das idéias e reflexões de Giannetti. Auto-engano mostra como a condição do título é vital para seguirmos em frente. Dos disfarces animais como forma de defesa ou ataque às mentiras e afirmações que impomos a nós e aos outros, todo ser vivo precisa de ilusões. Difícil é encontrar o balanço adequado entre o engano produtivo e o engano covarde.

sábado, 14 de junho de 2008

O mago

O mago
Fernando Morais (Planeta, 2008)

Quando questionado sobre o massacre da gramática e da ortografia em seus primeiros livros, Paulo Coelho dizia que "Deus estava nos erros". Ao escrever a biografia do mago, Fernando Morais parece ter incorporado essa máxima: dá raiva encontrar, na primeira edição da obra, erros tão básicos de informação e revisão - Lily Marinho, viúva de Roberto Marinho, aparece como Lilly; na mesma data (e no mesmo capítulo), PC ora tem 34, ora 35 anos; o avô materno é tratado como avô paterno, "cigarro aceso" virou "cigarro acesso" e tigelinha, barbaridade!, virou tijelinha. (Tem mais, é que estou com preguiça de procurar.)

Erros acontecem com mais freqüência do que gostaríamos. Mas, infelizmente, esse não é o principal defeito do livro. Dá pra chamar de picaretagem - uma biografia que se pretende reveladora de grandes segredos não conta quase nada que já não foi dito sobre PC. Ah, tem lá as internações em clínicas psiquiátricas na adolescência, o moleque que ele atropelou e depois fugiu, a covardia diante da namorada presa pela ditadura. Interessante. Mas nada disso ajuda a entender o fenômeno em que PC se tornou no mundo todo com livros mal escritos, histórias piegas e doses cavalares de auto-ajuda.

As duas etapas da vida de Paulo Coelho que mais interessam a quem tenta entender seu sucesso dizem respeito, primeiro, à fase em que se dedicou ao ocultismo, magia negra e satanismo, fez um pacto (e depois desfez) com o demônio, diz ter estado na presença do coisa-ruim e de repente abandonou tudo. Só que Fernando Morais mal trata disso. Fala da conversão do escritor à ordem O.T.O., liderada por uma figura esquisita e adoradora do demônio, e de resto passa por cima: não há menção a rituais, cultos, benefícios ou qualquer outra coisa importante dessa época. Segundo, a reconversão ao catolicismo, depois de uma visão do Mestre (que ficaria famoso nas páginas de Diário de um Mago), seu mentor na R.A.M, uma ordem católica. Religião e magia? É isso o que o Mestre, Jean, combina. Como assim? Que raio de ordem é essa? Como surgiu? Por que PC foi escolhido para fazer parte dela? São perguntas básicas, que não merecem resposta ou consideração do biógrafo.

Por fim, e não menos absurdas, são a falta de bibliografia (não houve pesquisa para escrever o livro? Ele não leu artigos de jornal, outros livros sobre o mago, nada nada nada?) e de notas que digam como, quando e quem Fernando Morais entrevistou. As declarações de PC, por exemplo. Não dá pra saber se foram feitas ao autor ou se foram tiradas de alguma reportagem sobre ele - só dá pra ter certeza de que é ele quando Morais transcreve trechos de seus diários. Há opinião de gente que não se sabe quando, ou se, falou com Morais. Há lembranças de ex-namoradas que tanto podem ter conversado com o biógrafo ou saído da memória de Paulo Coelho. Fora a falta de explicação para tanta coisa de menor importância (PC plagiou Carlos Heitor Cony na juventude e depois o veterano escritor foi um de seus maiores cabos eleitorais para a Academia Brasileira de Letras; mas como Cony recebeu o plágio? No idea).

O caso é que Fernando Morais, assim como Paulo Coelho, diz em 600 páginas exatamente o que as pessoas querem ouvir, sem se aprofundar nos fatos realmente misteriosos - e interessantes - da vida do escritor. Pelo olhar de Fernando Morais, a mirabolante história de vida de Paulo Coelho não passa de outro mirabolante romance que poderia ter sido escrito pelo próprio Coelho.

PS. Cony manifestou-se a respeito do plágio de Paulo Coelho num artigo publicado na Folha de S. Paulo em 19/06/08.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Flores raras e banalíssimas

Flores raras e banalíssimas
Carmen Lucia Oliveira (Rocco, 2004)

Eu sempre fico em dúvida: o lugar mais bonito do Rio de Janeiro é o Aterro do Flamengo ou a Lagoa Rodrigo de Freitas? A pendência para o Aterro ganhou força desde que li esse livro, que o subtítulo indica como sendo "A história de Lota de Macedo Soares e Elizabeth Bishop" - não sei por que não está escrito "A história de amor de Lota de Macedo Soares e Elizabeth Bishop", pois é disso que trata. Feia, baixinha, determinada e ultra moderna para sua época, Lota vinha de uma tradicional família do Rio. Vivia em meio a intelectuais e artistas e, nos anos 40, seu sonho era criar uma organização que promovesse a cultura do Brasil. Em 1951, aos 40 anos, a poeta americana Elizabeth Bishop tomou um navio e foi parar no Rio de Janeiro. Bishop conhecia Mary Morse, a companheira de Lota. Mary apresentou Bishop a Lota - e repentinamente saiu de cena, porque a agitadora cultural e a poeta se apaixonaram na mesma hora.

Viviam entre o apartamento do Leme e uma casa de sonho construída em meio à mata de Petrópolis, numa relação de altos e baixos tumultuada pelo alcoolismo da americana e o trabalho da brasileira. E o Aterro do Flamengo? No começo dos anos 60, durante o governo de Carlos Lacerda, Lota foi encarregada de coordenar a criação de um parque no terreno à beira-mar do Flamengo. Moveu mundos, fundos e gente como Roberto Burle Marx e Sérgio Bernardes para, como disse, "transformar aquele terreno cheio de entulho num Central Park". Deu um trabalhão, causou um monte de brigas e certamente contribuiu para atrapalhar o casamento das duas. Mas sempre que saio do Santos Dumont, ao percorrer o Aterro e ver a Marina da Glória e o Pão de Açúcar logo ali em frente, não deixo de agradecer em pensamento à empreitada de dona Lota.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Casa da Chris

Casa da Chris
Chris Campos (Record, 2004)

Eu não me animei muito com o último livro da Chris, mas é porque nele a autora passou longe de sua verdadeira vocação: viver a versão brasileira, muito menos certinha e muito mais bem humorada, da faz-tudo americana Martha Stewart (que passou um tempo na cadeia por, acho, usar informações privilegiadas na venda de ações, mas que nem assim deixou de ser um ícone de elegância e bem viver para suas conterrâneas).

Martha tem sites, revistas e programas voltados para o bem-estar... caseiro. São receitas, idéias de decoração, modelos de presentes que podem ser criados em casa e uma série de outros faça-você-mesmo que ajudam a deixar a vida mais gostosa e bonita. Pois a Chris tem esse mesmíssimo dom, com a vantagem de que seu gosto é muito mais adaptado à realidade brasileira. Nesse livro, homônimo de seu site bacanérrimo com ar retrô, ela ensina a promover jantares para os amigos, receber o clube da luluzinha para uma tarde de chá e fofocas, dar um trato na casa, pintar paredes, sobreviver à reforma... Manual de etiqueta, regras de decoração? Longe disso. Chris fala à mulher real, que pode morar em apartamentos pequenos e não ter um faqueiro de prata guardado para ocasiões especiais. O título de alguns capítulos dá o tom do livro: "O manual da farra consciente, ou como organizar almoços festivos", "Truques para deixar sua casa com cara de cenário de filme", "A vida sem velas não seria uma festa". Bem escrito, bem humorado e muito útil.

domingo, 8 de junho de 2008

A capital da solidão

A capital da solidão
Roberto Pompeu de Toledo (Objetiva, 2003)

Mais um da categoria "ai como eu queria ter memória suficiente pra guardar tudo isso", como já contei aqui e aqui. Por um certo tempo, tratei de abastecer uma estante excêntrica com livros sobre a história de São Paulo - o Paulística do Paulo Prado, o volume do Saint-Hilaire onde ele passa pela então capitania de SP, o Histórias e tradições da cidade de São Paulo, do Ernani Silva Bruno, e alguns outros. Não importa o quanto sejam clássicos - acho que a obra definitiva sobre minha cidade, pelo menos no que diz respeito ao prazer da leitura, da prosa envolvente, é esse livro de Roberto Pompeu de Toledo.

Como admito ali em cima, não dá pra dizer que eu me lembro do livro inteiro. Uma das exceções é a história da briga entre os Pires e os Camargo, duas famílias poderosas na São Paulo do século 17. Segundo consta, uma morte natural, mas muito esquisita, foi o estopim para que os dois clãs abrissem entre si uma guerra que durou mais de uma década. Com reproduções de fotos, ilustrações e uns poucos mapas, A capital da solidão só tem um defeito: o progresso da cidade segue apenas até o fim do século 19, quando os primeiros automóveis começaram a aparecer. Mas aí já é outra história, e resta esperar que algum editor esperto convença Roberto Pompeu de Toledo a retomá-la.

Dicionário de lugares imaginários

Dicionário de lugares imaginários
Alberto Manguel e Gianni Guadalupi (Companhia das Letras, 2003)

Agrada saber que tenho essa obra na estante; quando passo os olhos por todos os volumes enfileirados na minha prateleira de "livros sobre livros", esse é um dos que mais causa prazer. Talvez pela excelente idéia desenvolvida pelos autores, a de compilar em verbetes as cidades, planetas, mundos, ruas, edifícios e outros lugares que, mesmo sem existir de verdade, são tão importantes para algumas obras literárias que, às vezes, merecem até mapas detalhados de sua geografia.

Mas quando tiro o livro da estante para ler, ao acaso, algum dos verbetes, vem uma inevitável frustração. Não só pelo fato da maioria dos lugares imaginários pertencer a obras desconhecidas, sem tradução para o português - mas principalmente porque os textos foram escritos de uma maneira enciclopédica demais, sem charme, de um jeito que às vezes causa mais desconfiança do que curiosidade pelo lugar retratado. A edição brasileira incluiu alguns locais famosos de nossa literatura, como o Sítio do Picapau Amarelo, Antares e o ateneu de Raul Pompéia. Só não entendo o critério de seleção, que privilegiou, por exemplo, a Ilha do Pavão, citada em um dos romances menores de João Ubaldo Ribeiro, e deixou de fora Santa Fé, cidade que é quase protagonista de O tempo e o vento, ao lado da família Terra Cambará.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Sex and the city

Sex and the city
Candace Bushnell (Record, 2003)

Eu nunca fui fã do seriado - pra mim, Carrie Bradshaw (Sarah Jessica Parker) é uma das mulheres mais chatas da história da TV. Nem sendo a mais insegura das criaturas dá pra agüentar tanta carência emocional. Mas minhas amigas, TODAS, adoravam a série, e eu até achei divertido um ou outro episódio, então encontrei o livro em liquidação, em inglês, e resolvi dar mais uma chance pra história das quatro amigas que, solteiras, em Manhattan, passam os dias entre homens, sapatos de grife, Cosmopolitans e restaurantes badalados.

Conclusão: o livro consegue ser ainda mais chato do que a série (pelo menos na TV a gente pode babar pelos homens e pelos sapatos de grife). Consta que a autora incluiu várias experiências pessoais nos textos; o principal personagem masculino seria seu ex-affair, um editor da revista Vogue. Não circulo por meios glamurosos para saber se o que ela conta é possível mesmo existir. Pelo menos ao meu redor - e olha que, tirando a quantidade astronômica de homens que passam pelo mulherio literário, eu também sou solteira, carente, bem-sucedida na profissão e tenho loucura por sapatos, assim como boa parte das minhas amigas - ninguém tem tanta roupa de grife, tantos amantes casuais, tantos convites para festas. Totalmente dispensável. Ainda prefiro ver um ou outro episódio na TV, de vez em quando; consigo me identificar com situações isoladas, não com esse monte de mulher estranha do livro de Bushnell.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Vida literária no Brasil - 1900

Vida literária no Brasil - 1900
Brito Broca (José Olympio, 2005)

Brito Broca foi um crítico literário que, ao contrário de Silvio Romero e José Verissimo, ainda hoje conhecidos por uns ou outros, caiu quase totalmente no esquecimento. Uma pena, porque deixou trabalhos interessantíssimos, como essa grande crônica da literatura brasileira na virada do século 19 para o 20. Sou capaz de apostar que, não tivesse morrido atropelado, em 1961, aos 58 anos, Broca teria concluído seu projeto com louvor: uma trilogia sobre as letras brasileiras, incluindo um volume sobre o modernismo.

O melhor de Vida literária no Brasil - 1900 (que ganhou essa pífia reedição pela José Olympio, em nada diferente da terceira edição, de 1975) é que Brito Broca não só tira do pedestal nomes consagrados - seu relato da briga entre Silvio Romero e José Veríssimo é impagável - como traz à tona nomes desconhecidos que, embora não tenham a menor importância para a história literária do país, ajudavam a agitar o mundo das letras nos 1900. Mas também estão lá Machado de Assis, Olavo Bilac, Coelho Neto, Luís Edmundo. Quem gosta de ler e de saber sobre escritores fica até com uma certa nostalgia, vontade de bater ponto na livraria Laemmert ou se encontrar na Colombo, como fazia toda essa turma.

domingo, 1 de junho de 2008

Pequenas epifanias

Pequenas epifanias
Caio Fernando Abreu (Agir, 2006)

Comecei a ler Caio Fernando Abreu tardiamente, pouco antes de sua morte, em 1996, nas crônicas do jornal O Estado de S. Paulo. E foi um daqueles casos de pesar, um "como é que eu nunca tinha lido esse cara antes?", uma tristeza antecipada porque Caio Fernando, quando descobriu que o vírus da aids já havia se manifestado em seu corpo, escancarou a verdade no jornal, numa crônica belíssima.

Ela, ao lado de outras duas favoritas, estão reunidas neste volume póstumo, publicado ainda em 1996. O meu foi meio que trocado com um então namorado - eu fiquei com o Pequenas epifanias dele, ele levou pra sempre meu Feliz ano novo (de quebra, numa era pré-email, o ex se comunicava por escrito com o CFA; o escritor até o cita em algumas correspondências reunidas em outro volume póstumo, Cartas, editora Aeroplano, 2002). Há tempos eu percebo que sempre retorno a esse livro só para ler as duas crônicas favoritas, que têm o mesmo mês como tema: Sugestões para atravessar agosto (linda, um alento para o mês frio e comprido que joga na nossa cara o fato de outro ano já ter ido pela metade) e Agostos por dentro (muito bela, muito emocionante; eu choro). Caio já sabia que estava morrendo. E mesmo que deixasse a tristeza tomar conta de vez em quando, ainda tinha muita coisa bacana para dizer aos leitores.