Uma real leitora
Alan Bennett (Record, 2008)
Livrinho divertido e descompromissado, que li em dois dias, nas férias. A história começa quando a rainha da Inglaterra - a própria, Elizabeth II - é atraída para uma biblioteca ambulante por seus cães de caça. Lá, conhece o bibliotecário e um funcionário gay do palácio (que, aliás, não tem a menor necessidade de ser gay; isso não influencia em nada a trama; ou será que minha memória já se deteriorou de vez?). Para não criar constrangimento, resolve levar um livro emprestado. E gosta da experiência da leitura, capaz de distrai-la um pouco dos chatos assuntos de Estado.
Mas seu interesse crescente pelos livros começa a provocar mudanças nem sempre desejáveis - o tal funcionário gay é promovido a uma espécie de assistente, por exemplo, e cria-se uma expectativa geral, no reino, para saber o que Elizabeth anda lendo. Até que o secretário particular da rainha (ou seria o Primeiro Ministro?) se vê obrigado a interferir.
É bacana ver que Alan Bennett não se deixou levar pela fórmula fácil e edificante da redenção. Imaginou uma história improvável e contou-a da melhor maneira - com vários momentos de ironia inteligente, o que já é suficiente pra eu gostar de alguma coisa. Fim de papo.
domingo, 28 de março de 2010
Alice no país das maravilhas
Alice no país das maravilhas
Lewis Carroll (CosacNaify, 2009)
Muitos anos atrás, tentei ler Alice no país das maravilhas no original, em inglês - era um pocket book que incluia, também, Alice através do espelho. Devo ter deixado o livro de lado depois da terceira página, vítima da mesma incompetência mental que, até hoje, me impede de ler Guimarães Rosa. O inglês de Lewis Carroll é cheio de neologismos e nomes que eu não entendia, e que somem e aparecem e somem e aparecem como os próprios personagens. O melhor que fiz, portanto, foi retomar Alice nesta tradução de Nicolau Sevcenko, lançada ano passado pela CosacNaify numa edição linda, em que as ilustrações de Luiz Zerbini - figuras saídas das cartas do baralho - valem quase tanto quanto o texto.
A história, todo mundo conhece por causa do desenho animado de Walt Disney - que espero rever, em breve, para poder comparar com o livro, pois algumas de minhas lembranças não fazem parte da tradução de Sevcenko. Uma delas é a festa de desaniversário, quando Alice conhece a Lebre e o Chapeleiro; na edição da CosacNaify, os dois estão apenas tomando chá, sem comemorar coisa alguma, mas trata-se de reunião das mais divertidas, que inclui, ainda, uma marmota: cada um mais louco do que o outro, falando coisas que quase nunca fazem sentido (mas que fazem pensar).
Gostaria de rever o filme, também, para saber até que ponto a trama foi infantilizada. Ok, é conhecida a história de que Lewis Carroll (pseudônimo de Charles Dodgson) escreveu Alice para a filha de um amigo, durante um passeio de barco. Mas, por mais inteligentes que fossem as garotas vitorianas (no posfácio, Sevcenko faz uma boa análise da importância da obra para a época em que foi lançada), tudo é tão pioneiramente surrealista que eu sinceramente não sei até que ponto as crianças conseguem apreender tudo aquilo - mas talvez eu não tenha contato suficiente com elas para saber do que são capazes. Para mim, de qualquer forma, Alice no país das maravilhas será sempre o mais adulto dos livros infantis.
Lewis Carroll (CosacNaify, 2009)
Muitos anos atrás, tentei ler Alice no país das maravilhas no original, em inglês - era um pocket book que incluia, também, Alice através do espelho. Devo ter deixado o livro de lado depois da terceira página, vítima da mesma incompetência mental que, até hoje, me impede de ler Guimarães Rosa. O inglês de Lewis Carroll é cheio de neologismos e nomes que eu não entendia, e que somem e aparecem e somem e aparecem como os próprios personagens. O melhor que fiz, portanto, foi retomar Alice nesta tradução de Nicolau Sevcenko, lançada ano passado pela CosacNaify numa edição linda, em que as ilustrações de Luiz Zerbini - figuras saídas das cartas do baralho - valem quase tanto quanto o texto.
A história, todo mundo conhece por causa do desenho animado de Walt Disney - que espero rever, em breve, para poder comparar com o livro, pois algumas de minhas lembranças não fazem parte da tradução de Sevcenko. Uma delas é a festa de desaniversário, quando Alice conhece a Lebre e o Chapeleiro; na edição da CosacNaify, os dois estão apenas tomando chá, sem comemorar coisa alguma, mas trata-se de reunião das mais divertidas, que inclui, ainda, uma marmota: cada um mais louco do que o outro, falando coisas que quase nunca fazem sentido (mas que fazem pensar).
Gostaria de rever o filme, também, para saber até que ponto a trama foi infantilizada. Ok, é conhecida a história de que Lewis Carroll (pseudônimo de Charles Dodgson) escreveu Alice para a filha de um amigo, durante um passeio de barco. Mas, por mais inteligentes que fossem as garotas vitorianas (no posfácio, Sevcenko faz uma boa análise da importância da obra para a época em que foi lançada), tudo é tão pioneiramente surrealista que eu sinceramente não sei até que ponto as crianças conseguem apreender tudo aquilo - mas talvez eu não tenha contato suficiente com elas para saber do que são capazes. Para mim, de qualquer forma, Alice no país das maravilhas será sempre o mais adulto dos livros infantis.
sábado, 20 de março de 2010
La reina Mab
La reina Mab
Ruth Kaufman e Cristian Turdera (Pequeño editor, 2007)
Foi com Monteiro Lobato, só não me lembro em qual livro de sua coleção infantil, que conheci a história da rainha Mab, uma pequena criatura fantástica que aparece no primeiro ato de Romeu e Julieta, de Shakespeare. (Acho que é Mercúcio quem diz a Romeu algo como "ah, vejo que a rainha Mab o visitou em sonhos essa noite.")
Pois alguém teve a brilhante ideia de juntar uma escritora e um ilustrador muito bom para transformar a história da rainha em obra para crianças - e para adultos que, como eu, gostam de livros belos, não importa para quem foram feitos. Não se trata de uma tradução dos versos de Shakespeare, o que é outra boa sacada, e sim de um texto leve que começa contando como foi fabricada a carruagem da rainha (casca de avelã, teias de aranha) e avança até as aventuras noturnas de Mab, capaz de provocar sonhos de amor ao passar pelo cérebro dos enamorados, delírios de luta ao roçar o pescoço de um soldado, beijos amorosos ao galopar pelos lábios das garotas.
Só não entendi - meu conhecimento de Shakespeare está longe de ser significativo - o motivo do livro ter um subtítulo meio sombrio: "El hada de las pesadillas". Sim, lembro de Monteiro Lobato ter contado que Mab às vezes chicoteia sem dó algumas pessoas que visita à noite, mas para mim a pequena rainha está mais para fada dos sonhos do que dos pesadelos.
Ruth Kaufman e Cristian Turdera (Pequeño editor, 2007)
Foi com Monteiro Lobato, só não me lembro em qual livro de sua coleção infantil, que conheci a história da rainha Mab, uma pequena criatura fantástica que aparece no primeiro ato de Romeu e Julieta, de Shakespeare. (Acho que é Mercúcio quem diz a Romeu algo como "ah, vejo que a rainha Mab o visitou em sonhos essa noite.")
Pois alguém teve a brilhante ideia de juntar uma escritora e um ilustrador muito bom para transformar a história da rainha em obra para crianças - e para adultos que, como eu, gostam de livros belos, não importa para quem foram feitos. Não se trata de uma tradução dos versos de Shakespeare, o que é outra boa sacada, e sim de um texto leve que começa contando como foi fabricada a carruagem da rainha (casca de avelã, teias de aranha) e avança até as aventuras noturnas de Mab, capaz de provocar sonhos de amor ao passar pelo cérebro dos enamorados, delírios de luta ao roçar o pescoço de um soldado, beijos amorosos ao galopar pelos lábios das garotas.
Só não entendi - meu conhecimento de Shakespeare está longe de ser significativo - o motivo do livro ter um subtítulo meio sombrio: "El hada de las pesadillas". Sim, lembro de Monteiro Lobato ter contado que Mab às vezes chicoteia sem dó algumas pessoas que visita à noite, mas para mim a pequena rainha está mais para fada dos sonhos do que dos pesadelos.
quinta-feira, 18 de março de 2010
Wash this blood clean from my hands
Wash this blood clean from my hands
Fred Vargas (Penguin USA, 2007)
A francesa Fred Vargas inaugurou a série de romances policiais vivida pelo detetive Jean-Baptiste Adamsberg com O homem dos círculos azuis. Depois, vieram O homem do avesso, a graphic novel Les quatre fleuves, Fuja logo e demore para voltar, a coleção de três novelas Coule la Seine, Sous les vents de Neptune (este Wash this blood clean from my hands, em inglês), Relíquias sagradas e Un lieu incertain. Não sei o que levou a Companhia das Letras a lançar os quatro títulos, em português, fora da ordem cronológica. Mas deve ter sido um motivo e tanto, porque poucas coisas são tão importantes a ponto de estragar a surpresa de uma história de detetives - é o que acontece com quem lê Relíquias... antes de Wash this blood..., como eu.
Ok: mesmo fazendo várias referências ao livro anterior, Relíquias... não entrega totalmente o jogo. Mas acaba com duas dúvidas fundamentais que surgem durante a narrativa de Wash this blood..., principalmente no final, porque a gente já sabe quem é mocinho e quem é bandido, quem é pai de quem, quem salva quem e onde (embora o salvamento seja espetacular).
Acontece que Jean-Baptiste Adamsberg tem um passado tumultuado. Foi envolvido num crime acontecido há mais de trinta anos e nunca se livrou da obsessão de pegar o assassino, o Netuno (ou Tridente) do título francês. E, mesmo sabendo que o sujeito morreu há mais de uma década, meu detetive preferido põe em dúvida a própria sanidade mental quando crimes semelhantes aos que o bandido praticava começam a aparecer aqui e ali - até mesmo no Canadá, onde seu time de detetives passa por um treinamento de quinze dias. Não estraga dizer que Camille está em Montreal. Que Adamsberg continua quase um porco chauvinista (mas um adorável porco chauvinista). Que uma das melhores personagens do livro é também uma das mais improváveis. E que, como em todo romance de Fred Vargas que eu li até hoje, é preciso suprimir um pouco do amor pela credibilidade para sair do livro feliz.
Fred Vargas (Penguin USA, 2007)
A francesa Fred Vargas inaugurou a série de romances policiais vivida pelo detetive Jean-Baptiste Adamsberg com O homem dos círculos azuis. Depois, vieram O homem do avesso, a graphic novel Les quatre fleuves, Fuja logo e demore para voltar, a coleção de três novelas Coule la Seine, Sous les vents de Neptune (este Wash this blood clean from my hands, em inglês), Relíquias sagradas e Un lieu incertain. Não sei o que levou a Companhia das Letras a lançar os quatro títulos, em português, fora da ordem cronológica. Mas deve ter sido um motivo e tanto, porque poucas coisas são tão importantes a ponto de estragar a surpresa de uma história de detetives - é o que acontece com quem lê Relíquias... antes de Wash this blood..., como eu.
Ok: mesmo fazendo várias referências ao livro anterior, Relíquias... não entrega totalmente o jogo. Mas acaba com duas dúvidas fundamentais que surgem durante a narrativa de Wash this blood..., principalmente no final, porque a gente já sabe quem é mocinho e quem é bandido, quem é pai de quem, quem salva quem e onde (embora o salvamento seja espetacular).
Acontece que Jean-Baptiste Adamsberg tem um passado tumultuado. Foi envolvido num crime acontecido há mais de trinta anos e nunca se livrou da obsessão de pegar o assassino, o Netuno (ou Tridente) do título francês. E, mesmo sabendo que o sujeito morreu há mais de uma década, meu detetive preferido põe em dúvida a própria sanidade mental quando crimes semelhantes aos que o bandido praticava começam a aparecer aqui e ali - até mesmo no Canadá, onde seu time de detetives passa por um treinamento de quinze dias. Não estraga dizer que Camille está em Montreal. Que Adamsberg continua quase um porco chauvinista (mas um adorável porco chauvinista). Que uma das melhores personagens do livro é também uma das mais improváveis. E que, como em todo romance de Fred Vargas que eu li até hoje, é preciso suprimir um pouco do amor pela credibilidade para sair do livro feliz.
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domingo, 14 de março de 2010
O último caso da colecionadora de livros
O último caso da colecionadora de livros
John Dunning (Companhia das Letras, 2009)
"Só o Kindle salva", pensei, ao saber que teria de ficar uma semana sem carregar peso, digitar e fazer movimentos bruscos com o braço direito, por causa de uma cirurgia. Foi tudo bem - e o Kindle realmente salvou, tão fácil que é de ler só apertando os botõezinhos com a mão esquerda. Mas eu imaginava que, com sete dias inteirinhos sem poder fazer absolutamente nada, a não ser ler e ver TV, eu devoraria três, quatro títulos em uma tacada, e acabei empacando neste aqui.
Foi meu terceiro romance com Cliff Janeway desde que descobri o detetive em A promessa do livreiro - nas férias, havia lido também Assinaturas e assassinatos (outra vez no Kindle, outra vez em inglês: The sign of the book). E foi o que menos gostei. Começa bem, termina relativamente bem, mas a maior parte da trama é muito cansativa: uma repetição sem fim de situações, algumas até inverossímeis, no chato ambiente das corridas de cavalos.
Janeway é chamado por um sujeito antipático e misterioso para avaliar a coleção de livros de um velhote que acabou de morrer. Não aceita. Mas acaba envolvido na história ao ver antigas fotografias e conhecer a filha do falecido.
John Dunning (Companhia das Letras, 2009)
"Só o Kindle salva", pensei, ao saber que teria de ficar uma semana sem carregar peso, digitar e fazer movimentos bruscos com o braço direito, por causa de uma cirurgia. Foi tudo bem - e o Kindle realmente salvou, tão fácil que é de ler só apertando os botõezinhos com a mão esquerda. Mas eu imaginava que, com sete dias inteirinhos sem poder fazer absolutamente nada, a não ser ler e ver TV, eu devoraria três, quatro títulos em uma tacada, e acabei empacando neste aqui.
Foi meu terceiro romance com Cliff Janeway desde que descobri o detetive em A promessa do livreiro - nas férias, havia lido também Assinaturas e assassinatos (outra vez no Kindle, outra vez em inglês: The sign of the book). E foi o que menos gostei. Começa bem, termina relativamente bem, mas a maior parte da trama é muito cansativa: uma repetição sem fim de situações, algumas até inverossímeis, no chato ambiente das corridas de cavalos.
Janeway é chamado por um sujeito antipático e misterioso para avaliar a coleção de livros de um velhote que acabou de morrer. Não aceita. Mas acaba envolvido na história ao ver antigas fotografias e conhecer a filha do falecido.
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sábado, 13 de março de 2010
Xul Solar
Xul Solar
Dezembro, em Buenos Aires. Peregrinação por livrarias atrás de algum livro sobre Xul Solar - qualquer um, desde que não fosse a biografia bem ruim que eu, com muito esforço, já tinha lido. Cúspide, El Ateneo, Capítulo 2, Prometeo. E nada. Nem na loja da Fundação Pan Klub, onde fica o museu do artista (confesso que, ali, eu podia ter comprado um catálogo. Mas, com poucas exceções, achei o acervo bem fraco, e a moça que dublava de porteira, bilheteira e vendedora da loja era muito antipática). Até que um ser iluminado, na Yenny do Patio Bullrich, perguntou: "Pode ser infantil?" Claro que podia, principalmente porque livro infantil costuma ter muitas imagens, e o que me interessava mais era justamente poder ver, quando eu quisesse, alguns quadros produzidos por ele.
Xul Solar, da coleção "Arte para chicos", é lindo. Narrado em primeira pessoa, como se o próprio pintor estivesse contando sua história, tem algumas fotos do artista, vários quadros do acervo da Fundação (eba, economizei mais de 100 pesos ao deixar de levar o catálogo), detalhes que mostram características de seus trabalhos - transparências, bandeiras, os muitos símbolos - a história da casa onde fica o museu, uma cronologia, bibliografia e a lista de obras retratadas no livro. Ainda mais legal: propõe atividades para as crianças se aventurarem como repórteres ("o que são a filosofia e a astrologia?", pede a autora que descubram), pintoras, detetives (para identificar os símbolos escondidos nos quadros). Atividades para crianças mais crescidas e, principalmente, inteligentes. E que podem também servir para adultos, como eu, que adoro encarar uma brincadeira de vez em quando.
Uns dias depois, na loja do Malba, encontrei ainda Mago Xul - El mundo de Xul Solar para niños, de Didi Grau, com ilustrações de Irene Singer (Calibroscopio, 2009). Igualmente belo, igualmente instigante, e com os mesmos quadros que aparecem no outro livro - ambos foram feitos com apoio da Fundação e do museu. As crianças portenhas estão bem servidas de volumes sobre Xul. Então é preciso juntar-se a elas para descobrir um pouco mais da vida e da obra desse artista genial.
Vali Guidalevich (Albatros, 2009)
Dezembro, em Buenos Aires. Peregrinação por livrarias atrás de algum livro sobre Xul Solar - qualquer um, desde que não fosse a biografia bem ruim que eu, com muito esforço, já tinha lido. Cúspide, El Ateneo, Capítulo 2, Prometeo. E nada. Nem na loja da Fundação Pan Klub, onde fica o museu do artista (confesso que, ali, eu podia ter comprado um catálogo. Mas, com poucas exceções, achei o acervo bem fraco, e a moça que dublava de porteira, bilheteira e vendedora da loja era muito antipática). Até que um ser iluminado, na Yenny do Patio Bullrich, perguntou: "Pode ser infantil?" Claro que podia, principalmente porque livro infantil costuma ter muitas imagens, e o que me interessava mais era justamente poder ver, quando eu quisesse, alguns quadros produzidos por ele.
Xul Solar, da coleção "Arte para chicos", é lindo. Narrado em primeira pessoa, como se o próprio pintor estivesse contando sua história, tem algumas fotos do artista, vários quadros do acervo da Fundação (eba, economizei mais de 100 pesos ao deixar de levar o catálogo), detalhes que mostram características de seus trabalhos - transparências, bandeiras, os muitos símbolos - a história da casa onde fica o museu, uma cronologia, bibliografia e a lista de obras retratadas no livro. Ainda mais legal: propõe atividades para as crianças se aventurarem como repórteres ("o que são a filosofia e a astrologia?", pede a autora que descubram), pintoras, detetives (para identificar os símbolos escondidos nos quadros). Atividades para crianças mais crescidas e, principalmente, inteligentes. E que podem também servir para adultos, como eu, que adoro encarar uma brincadeira de vez em quando.
Uns dias depois, na loja do Malba, encontrei ainda Mago Xul - El mundo de Xul Solar para niños, de Didi Grau, com ilustrações de Irene Singer (Calibroscopio, 2009). Igualmente belo, igualmente instigante, e com os mesmos quadros que aparecem no outro livro - ambos foram feitos com apoio da Fundação e do museu. As crianças portenhas estão bem servidas de volumes sobre Xul. Então é preciso juntar-se a elas para descobrir um pouco mais da vida e da obra desse artista genial.
domingo, 7 de março de 2010
A autobiografia de Alice B. Toklas
A autobiografia de Alice B. Toklas
Gertrude Stein (CosacNaify, 2009)
Aos trancos - não porque não esteja gostando, mas porque o tempo parece ter se esmerado em pregar suas peças em mim -, estou terminando de ler Paris é uma festa, de Hemingway, numa versão em inglês, para o Kindle, anterior àquela que um de seus netos desfigurou para tentar melhorar a imagem da avó. E me diverti muito, logo no início, quando Hemingway fala de sua amizade com Gertrude Stein, bem na época retratada pela escritora nesse A autobiografia de Alice B. Toklas. Sim, trata-se de uma "autobiografia", mas escrita por outra pessoa - afinal, a vida de uma é a vida da outra.
Alice viveu com Gertrude por 38 anos, dividindo os papéis de amante, secretária, governanta e eventual cozinheira. Segundo MFK Fisher, no prefácio de O livro de cozinha de Alice B. Toklas, foi uma mulher baixinha, muito feia, de olhos vivos e gosto por chapéu espetaculares. Era dela a tarefa, como conta Gertrude e corrobora Hemingway (sem, no entanto, citar o nome de Alice), de conversar com as mulheres dos amigos da casa, de passar a limpo e de fazer a revisão dos textos da companheira.
Eu já tinha lido O livro de cozinha..., escrito pela própria Alice depois da morte de Gertrude Stein. É meio sisudo e, às vezes, até baixo-astral, embora traga histórias inspiradoras - muito diferente da bem-humorada autobiografia que, mesmo sem ter saído da pena da biografada, consegue mostrar de um jeito bem mais amigável quem foi, afinal, essa americana que largou tudo em seu país para viver, na França, com a escritora (já, então, um tanto famosa - se não pelos livros, pela fabulosa coleção de amigos: Picasso, Matisse, Apollinaire, Sherwood Anderson, vários outros).
É também através das palavras de Alice que Gertrude Stein fala muito de si mesma, quase sempre sem nenhuma modéstia ("Posso dizer que só três vezes na vida encontrei gênios [...] Gertrude Stein, Pablo Picasso e Alfred Whitehead"), das frustrações e expectativas em relação à sua obra e de seu método de trabalho. Picasso, suas mulheres e seus quadros, ocupam boa parte das memórias, assim como a convivência com Matisse, desafeto da cozinheira Hélène: "(...) Monsieur Matisse vai ficar para jantar hoje, ela dizia, nesse caso não vou fazer omelete, mas ovos fritos. Gasta o mesmo número de ovos e a mesma quantidade de manteiga, mas demonstra menos respeito e ele vai entender."
Dá vontade de ler outra vez, assim que eu acabar o Hemingway, e continuar lendo outros escritos sobre essa época em Paris. O livro de Sylvia Beach sobre a Shakespeare and Company. Paris era ontem, de Janet Flanner, a correspondente da revista The New Yorker, na França, quando Gertrude, Alice, Pablo, Ernest e tantos outros viviam lá. É dela, aliás, a frase "qualquer autobiografia de uma será, necessariamente, uma biografia da outra", que usei adaptada ali em cima, e que aparece no ótimo posfácio de Silviano Santiago - ilustrado por uma foto das duas, Gertrude Stein levando um cachorro na coleira e Alice B. Toklas a seu lado, baixinha, muito feia, com um chapéu espetacular.
Gertrude Stein (CosacNaify, 2009)
Aos trancos - não porque não esteja gostando, mas porque o tempo parece ter se esmerado em pregar suas peças em mim -, estou terminando de ler Paris é uma festa, de Hemingway, numa versão em inglês, para o Kindle, anterior àquela que um de seus netos desfigurou para tentar melhorar a imagem da avó. E me diverti muito, logo no início, quando Hemingway fala de sua amizade com Gertrude Stein, bem na época retratada pela escritora nesse A autobiografia de Alice B. Toklas. Sim, trata-se de uma "autobiografia", mas escrita por outra pessoa - afinal, a vida de uma é a vida da outra.
Alice viveu com Gertrude por 38 anos, dividindo os papéis de amante, secretária, governanta e eventual cozinheira. Segundo MFK Fisher, no prefácio de O livro de cozinha de Alice B. Toklas, foi uma mulher baixinha, muito feia, de olhos vivos e gosto por chapéu espetaculares. Era dela a tarefa, como conta Gertrude e corrobora Hemingway (sem, no entanto, citar o nome de Alice), de conversar com as mulheres dos amigos da casa, de passar a limpo e de fazer a revisão dos textos da companheira.
Eu já tinha lido O livro de cozinha..., escrito pela própria Alice depois da morte de Gertrude Stein. É meio sisudo e, às vezes, até baixo-astral, embora traga histórias inspiradoras - muito diferente da bem-humorada autobiografia que, mesmo sem ter saído da pena da biografada, consegue mostrar de um jeito bem mais amigável quem foi, afinal, essa americana que largou tudo em seu país para viver, na França, com a escritora (já, então, um tanto famosa - se não pelos livros, pela fabulosa coleção de amigos: Picasso, Matisse, Apollinaire, Sherwood Anderson, vários outros).
É também através das palavras de Alice que Gertrude Stein fala muito de si mesma, quase sempre sem nenhuma modéstia ("Posso dizer que só três vezes na vida encontrei gênios [...] Gertrude Stein, Pablo Picasso e Alfred Whitehead"), das frustrações e expectativas em relação à sua obra e de seu método de trabalho. Picasso, suas mulheres e seus quadros, ocupam boa parte das memórias, assim como a convivência com Matisse, desafeto da cozinheira Hélène: "(...) Monsieur Matisse vai ficar para jantar hoje, ela dizia, nesse caso não vou fazer omelete, mas ovos fritos. Gasta o mesmo número de ovos e a mesma quantidade de manteiga, mas demonstra menos respeito e ele vai entender."
Dá vontade de ler outra vez, assim que eu acabar o Hemingway, e continuar lendo outros escritos sobre essa época em Paris. O livro de Sylvia Beach sobre a Shakespeare and Company. Paris era ontem, de Janet Flanner, a correspondente da revista The New Yorker, na França, quando Gertrude, Alice, Pablo, Ernest e tantos outros viviam lá. É dela, aliás, a frase "qualquer autobiografia de uma será, necessariamente, uma biografia da outra", que usei adaptada ali em cima, e que aparece no ótimo posfácio de Silviano Santiago - ilustrado por uma foto das duas, Gertrude Stein levando um cachorro na coleira e Alice B. Toklas a seu lado, baixinha, muito feia, com um chapéu espetacular.
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Saladas
Saladas
Maria Rosa Lacombe Herz e Lucia Lacombe Herz (Nova Fronteira, 2003)
Se tem uma coisa que me deixa irritada - mas bem-feito, afinal, por ser compulsiva e ter uma memória péssima - é comprar o livro errado, ainda que eu tenha desembolsado menos da metade do preço oficial por ele. Foi o que aconteceu aqui. Tinha certeza de estar levando Celeiro - culinária, o primeiro volume das receitas servidas no badalado restaurante da rua Dias Ferreira, no Rio de Janeiro. Da primeira edição, que li emprestada, em meados dos anos 90, copiei a receita do delicioso bolo de banana que faço até hoje, e sei que tinha muito mais coisas boas ali.
Este Saladas não é ruim; apenas não é o que eu queria. Tem uns defeitinhos: rata de livros de receitas que sou, é difícil que eu não me incomode com listas de ingredientes fora da ordem ou produtos que estão relacionados e não aparecem no modo de preparo (como a cebola roxa, na "abobrinha com tomate e orégano" - que, aliás, não explica se a abobrinha deve ser crua ou cozida). Mas também tem vários lados bons. A introdução é uma minienciclopédia sobre ingredientes como ervas, especiarias e óleos (mas, não, vinagre, não é um "vegetal aromático"). As fotos são bonitas. E há boas ideias de combinações para saladas diferentes, como frisée com parma e vinagrete de vinho tinto, espinafre com palmito ao molho de ameixa e gergelim e a insólita feijão preto com mamão e queijo de minas, que ainda vou experimentar.
Maria Rosa Lacombe Herz e Lucia Lacombe Herz (Nova Fronteira, 2003)
Se tem uma coisa que me deixa irritada - mas bem-feito, afinal, por ser compulsiva e ter uma memória péssima - é comprar o livro errado, ainda que eu tenha desembolsado menos da metade do preço oficial por ele. Foi o que aconteceu aqui. Tinha certeza de estar levando Celeiro - culinária, o primeiro volume das receitas servidas no badalado restaurante da rua Dias Ferreira, no Rio de Janeiro. Da primeira edição, que li emprestada, em meados dos anos 90, copiei a receita do delicioso bolo de banana que faço até hoje, e sei que tinha muito mais coisas boas ali.
Este Saladas não é ruim; apenas não é o que eu queria. Tem uns defeitinhos: rata de livros de receitas que sou, é difícil que eu não me incomode com listas de ingredientes fora da ordem ou produtos que estão relacionados e não aparecem no modo de preparo (como a cebola roxa, na "abobrinha com tomate e orégano" - que, aliás, não explica se a abobrinha deve ser crua ou cozida). Mas também tem vários lados bons. A introdução é uma minienciclopédia sobre ingredientes como ervas, especiarias e óleos (mas, não, vinagre, não é um "vegetal aromático"). As fotos são bonitas. E há boas ideias de combinações para saladas diferentes, como frisée com parma e vinagrete de vinho tinto, espinafre com palmito ao molho de ameixa e gergelim e a insólita feijão preto com mamão e queijo de minas, que ainda vou experimentar.
sábado, 6 de março de 2010
Las mil y una curiosidades del cementerio de la Recoleta
Las mil y una curiosidades del cementerio de la Recoleta
Diego M. Zigiotto (Grupo Editorial Norma, 2009)
Tudo começou com a avó da Fernanda, que conta a seguinte história: ainda mocinha, numa excursão para Buenos Aires, ela teria visto o corpo embalsamado de uma menina, vestida de branco, num mausoléu do cemitério da Recoleta. Há alguns anos, o Edu e a Fê estiveram lá e não encontraram nem rastro da garota - nem da história. Eu também já tinha visitado o lugar e o máximo que vi foi o túmulo de Evita, além de algumas sepulturas bem bonitas, com esculturas interessantes e ares art déco.
Em dezembro, estive em Buenos Aires outra vez - um pouco antes do Edu e da Fê, que voltaram para lá em janeiro - e botei na cabeça que ia tentar descobrir o túmulo da menina embalsamada. Acabei nem tendo tempo de visitar o cemitério, mas logo no começo da viagem (e de um périplo por livrarias em busca por livros sobre Xul Solar) encontrei este Las mil y una curiosidades..., que, certamente, tiraria nossa dúvida: a garota que a avó da Fê viu ainda estaria ali, embalsamada?
Não está. Pode ser que ela tenha visto a estátua de Luz María Garcia Velloso, a "dama de branco", uma menina que morreu de peritonite aos 14 anos, em 1924. Segundo o livro, a mãe de Luz, desesperada, chegou a dormir dentro da cripta, junto à estátua da garota, que foi retratada de branco, deitada sobre um leito de rosas.
Diego M. Zigiotto (Grupo Editorial Norma, 2009)
Tudo começou com a avó da Fernanda, que conta a seguinte história: ainda mocinha, numa excursão para Buenos Aires, ela teria visto o corpo embalsamado de uma menina, vestida de branco, num mausoléu do cemitério da Recoleta. Há alguns anos, o Edu e a Fê estiveram lá e não encontraram nem rastro da garota - nem da história. Eu também já tinha visitado o lugar e o máximo que vi foi o túmulo de Evita, além de algumas sepulturas bem bonitas, com esculturas interessantes e ares art déco.
Em dezembro, estive em Buenos Aires outra vez - um pouco antes do Edu e da Fê, que voltaram para lá em janeiro - e botei na cabeça que ia tentar descobrir o túmulo da menina embalsamada. Acabei nem tendo tempo de visitar o cemitério, mas logo no começo da viagem (e de um périplo por livrarias em busca por livros sobre Xul Solar) encontrei este Las mil y una curiosidades..., que, certamente, tiraria nossa dúvida: a garota que a avó da Fê viu ainda estaria ali, embalsamada?
Não está. Pode ser que ela tenha visto a estátua de Luz María Garcia Velloso, a "dama de branco", uma menina que morreu de peritonite aos 14 anos, em 1924. Segundo o livro, a mãe de Luz, desesperada, chegou a dormir dentro da cripta, junto à estátua da garota, que foi retratada de branco, deitada sobre um leito de rosas.
Sou do tipo que gosta de visitar cemitérios, principalmente em viagens. Não vejo nada de sinistro neles. E, em minha próxima vez em Buenos Aires, espero prestar minha homenagem à dama de branco.
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