Collected poems
Paul Auster (Penguin USA, 2004)
Na Flip de 2004, em Parati, eu perguntei a Paul Auster se ele costuma reler suas obras. Ele disse que não. Depois perguntei se ele tem intenção de escrever poesia outra vez. Ele disse que não. Pois minha teoria maldosa é a de que Auster, algum dia, releu seus poemas e, a partir daí, tomou duas decisões: nunca mais escrevê-los nem reler qualquer coisa de sua autoria.
Repito: maldade pura (embora as perguntas tenham mesmo acontecido). Mas a brincadeira vem fácil quando se compara a poesia do americano à maioria de seus romances e aos livros de não-ficção que ele escreveu. Além dos versos compostos por Paul Auster, Collected poems traz diversas traduções que ele fez de poemas em francês. São todos fracos; servem apenas como curiosidade, ainda que um ou outro me agrade pelo tema ou pela sonoridade.
Essa maneira bobinha e engraçadinha de falar de Paul Auster pela primeira vez aqui no blog denota, na verdade, um grande medo: escrever sobre sua obra em prosa e refletir sobre o que ela representa para mim. Paul Auster é um dos meus dois autores estrangeiros vivos preferidos (o outro é Ian McEwan). Acho que é um ótimo escritor - com direito a altos e baixos, como quase todos - e descobri-lo, com Leviatã, me fez pensar a respeito de temas literários que até então nunca tinham passado pela minha cabeça (e que me atormentam até hoje).
Talvez PA merecesse o primeiro post a respeito de um autor, e não de uma obra específica. Eu detesto sua badaladíssima Trilogia de Nova York. Adoro Leviatã. E Noite do oráculo. E O livro das ilusões (como não gostar de alguém que dá esse título a um livro?). Mas minha austermania não me impede de enxergar os defeitos óbvios em obras mais rasas, como Mr. Vertigo. Respiro fundo: quem sabe eu crie coragem para, um dia, escrever direitinho sobre os efeitos Auster em minha vida.
terça-feira, 29 de abril de 2008
Harry Potter e as relíquias da morte
Harry Potter e as relíquias da morte
J.K. Rowling
Acho que não existe nada pior para um leitor compulsivo e ansioso do que uma história publicada em série. Quando o primeiro Harry Potter saiu em português, eu decidi: não vou morrer antes de ler o último episódio dessa saga. E pelos sete anos seguintes eu quase virei uma fanática dessas que discutem a trama em fóruns na internet e vão ao lançamento vestidas de Hermione. Li os dois primeiros volumes em português e a partir do terceiro eu só não ficava na fila da livraria, esperando as caixas serem abertas, porque já tinha encomendado o meu livro em inglês pela Amazon e lido tudo antes que ele chegasse aqui.
Eu gosto muito da boa literatura infanto-juvenil (tá, e da ruim também, desde que traga queridas lembranças da infância), mas não pensei que fosse cair tanto de amores por Harry Potter; no início, até torci o nariz pela badalação excessiva. Só que quando a curiosidade venceu e eu comprei o primeiro volume, a surpresa foi enorme: desde Monteiro Lobato, eu nunca tinha visto alguém criar um mundo de fantasia tão coerente e interessante. (Declaração: acho Tolkien muito, muito chato.) Pra completar, a história é ótima e tem uma dose certa de mistérios e revelações - você sai de cada livro com algumas dúvidas respondidas e outras ainda mais intrigantes.
A trama é manjadíssima (aos 11 anos, Harry Potter descobre que é bruxo, que seus pais morreram para salvá-lo do terrível vilão Voldemort e que ele, de alguma forma, tem seu destino ligado ao coisa-ruim do mundo mágico) e enorme (são sete livros! Tem gente que morre, que surge, segredos, aulas de magia, viagens, jogos de quadribol...). E não é porque pertence a um mundo diferente que Harry se vê livre das dores e aflições comuns a todo ser humano. Ao longo da saga, ele briga com os amigos, vira um adolescente chato, vê muita gente querida morrer e carrega nas costas um peso de culpa e confusões que o faria passar uns bons anos no divã.
Abri As relíquias da morte com um certo receio: e se J.K. Rowling resolvesse jogar fora tudo o que escrevera antes e apelar para um final meloso e maniqueísta? Não foi o que aconteceu. O sétimo volume é, certamente, o melhor de toda a série, onde tudo se encaixa e se explica. Pensando bem, até mesmo o epílogo, que de início achei dispensável, tem lá sua razão de ser. Agora eu já posso morrer - bem, pelo menos enquanto Rowling não inventar algo parecido outra vez.
PS. Apesar de eu ter lido a maior parte da saga em inglês, é preciso elogiar a excelente tradução de Lia Wyler, que conseguiu captar a essência dos neologismos latinistas de J.K. Rowling e criar termos em português à altura. Deu um show.
J.K. Rowling
Acho que não existe nada pior para um leitor compulsivo e ansioso do que uma história publicada em série. Quando o primeiro Harry Potter saiu em português, eu decidi: não vou morrer antes de ler o último episódio dessa saga. E pelos sete anos seguintes eu quase virei uma fanática dessas que discutem a trama em fóruns na internet e vão ao lançamento vestidas de Hermione. Li os dois primeiros volumes em português e a partir do terceiro eu só não ficava na fila da livraria, esperando as caixas serem abertas, porque já tinha encomendado o meu livro em inglês pela Amazon e lido tudo antes que ele chegasse aqui.
Eu gosto muito da boa literatura infanto-juvenil (tá, e da ruim também, desde que traga queridas lembranças da infância), mas não pensei que fosse cair tanto de amores por Harry Potter; no início, até torci o nariz pela badalação excessiva. Só que quando a curiosidade venceu e eu comprei o primeiro volume, a surpresa foi enorme: desde Monteiro Lobato, eu nunca tinha visto alguém criar um mundo de fantasia tão coerente e interessante. (Declaração: acho Tolkien muito, muito chato.) Pra completar, a história é ótima e tem uma dose certa de mistérios e revelações - você sai de cada livro com algumas dúvidas respondidas e outras ainda mais intrigantes.
A trama é manjadíssima (aos 11 anos, Harry Potter descobre que é bruxo, que seus pais morreram para salvá-lo do terrível vilão Voldemort e que ele, de alguma forma, tem seu destino ligado ao coisa-ruim do mundo mágico) e enorme (são sete livros! Tem gente que morre, que surge, segredos, aulas de magia, viagens, jogos de quadribol...). E não é porque pertence a um mundo diferente que Harry se vê livre das dores e aflições comuns a todo ser humano. Ao longo da saga, ele briga com os amigos, vira um adolescente chato, vê muita gente querida morrer e carrega nas costas um peso de culpa e confusões que o faria passar uns bons anos no divã.
Abri As relíquias da morte com um certo receio: e se J.K. Rowling resolvesse jogar fora tudo o que escrevera antes e apelar para um final meloso e maniqueísta? Não foi o que aconteceu. O sétimo volume é, certamente, o melhor de toda a série, onde tudo se encaixa e se explica. Pensando bem, até mesmo o epílogo, que de início achei dispensável, tem lá sua razão de ser. Agora eu já posso morrer - bem, pelo menos enquanto Rowling não inventar algo parecido outra vez.
PS. Apesar de eu ter lido a maior parte da saga em inglês, é preciso elogiar a excelente tradução de Lia Wyler, que conseguiu captar a essência dos neologismos latinistas de J.K. Rowling e criar termos em português à altura. Deu um show.
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quarta-feira, 23 de abril de 2008
O amor acaba
O amor acaba
Paulo Mendes Campos (Civilização Brasileira, 1999)
Foi no verão de 2001. Tínhamos acabado de sair do cinema, depois de ver o belíssimo Amor à Flor da Pele, e corremos para um restaurante japonês - quem viu o filme é capaz de entender a vontade louca que me deu de comer gohan, aquele arroz branquinho e grudento, à moda oriental. E foi assim, entre tigelas de gohan e pratinhos de sushi, que começou a discussão sobre o filme e, lógico, seu tema principal: o amor. Não importava tanto descobrir se a linda Maggie Cheung e o charmoso Tony Leung tinham, afinal, consumado aquele namoro platônico. Mais importante era tentar entender que tipo de sentimento, que tipo de amor é esse que tanto une quanto afasta, que pode ser grande e ao mesmo tempo tão contido.
E a certa altura da nossa conversa eu me lembrei desse texto de Paulo Mendes Campos: O amor acaba. Coisa de eu ter lido ainda bem jovem, e de ter guardado na memória não só o teor da crônica, a sucessão de maneiras às vezes tão banais e quase despercebidas de como o amor pode acabar, mas também a sensação de arrepio que eu sentia toda vez que chegava à última linha, um arrepio de emoção por uma frase tão bonita e por uma verdade tão grande. Meu amigo não concordou com Paulo Mendes Campos; ele acreditava na máxima rodrigueana de que "se acabou, não era amor". E eu não concordei - ainda não concordo - com meu amigo. O amor acaba, sim. "Às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido", escreveu PMC. Não poderia achar mais verdadeiro.
Paulo Mendes Campos (Civilização Brasileira, 1999)
Foi no verão de 2001. Tínhamos acabado de sair do cinema, depois de ver o belíssimo Amor à Flor da Pele, e corremos para um restaurante japonês - quem viu o filme é capaz de entender a vontade louca que me deu de comer gohan, aquele arroz branquinho e grudento, à moda oriental. E foi assim, entre tigelas de gohan e pratinhos de sushi, que começou a discussão sobre o filme e, lógico, seu tema principal: o amor. Não importava tanto descobrir se a linda Maggie Cheung e o charmoso Tony Leung tinham, afinal, consumado aquele namoro platônico. Mais importante era tentar entender que tipo de sentimento, que tipo de amor é esse que tanto une quanto afasta, que pode ser grande e ao mesmo tempo tão contido.
E a certa altura da nossa conversa eu me lembrei desse texto de Paulo Mendes Campos: O amor acaba. Coisa de eu ter lido ainda bem jovem, e de ter guardado na memória não só o teor da crônica, a sucessão de maneiras às vezes tão banais e quase despercebidas de como o amor pode acabar, mas também a sensação de arrepio que eu sentia toda vez que chegava à última linha, um arrepio de emoção por uma frase tão bonita e por uma verdade tão grande. Meu amigo não concordou com Paulo Mendes Campos; ele acreditava na máxima rodrigueana de que "se acabou, não era amor". E eu não concordei - ainda não concordo - com meu amigo. O amor acaba, sim. "Às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido", escreveu PMC. Não poderia achar mais verdadeiro.
segunda-feira, 21 de abril de 2008
Fazes-me falta
Fazes-me falta
Inês Pedrosa (Planeta, 2003)
Faz parte da categoria "ai que inveja, como eu queria ter escrito isso". E da assustadora categoria "como é que podem ter escrito tão bem sobre mim sem ao menos me conhecerem?". É difícil falar de Fazes-me falta sem ter vontade de chorar. Folhear o livro para rever as dezenas de passagens anotadas, os post-its cor-de-laranja grudados nas páginas, alguns já amassados de tanto que eu esperei o dia de ler em voz alta as frases que eu mais gostei. Fazes-me falta é daquele tipo de livro que - assim como O passado, covardemente não lido - materializa as conversas que eu tive com ele, a história que eu vivi com ele, as discussões que tivemos e a milagrosa identidade. No livro de Inês Pedrosa, ela morreu e se comunica com o amigo em cartas recheadas de sentimento e lembranças; ele responde com questionamentos sobre Deus e o relacionamento. Dizer só isso é pouco; só que mais não há para ser dito.
Das páginas 13 e 14, que nem estavam marcadas com post-it: "Tu foste simplesmente à tua vida e eu fui à minha. Como sabes, eu vivo por relâmpagos; contigo partilhei uma trovoada um pouco mais longa do que o habitual. Foi apenas isso. De qualquer modo, a morte espreita sobre todos os prazeres dessa cronologia a que nos agarramos para escapar ao tempo. O que somos para além do que vamos sendo? O meu além eras tu - íman da minha íntima, impessoal temporalidade. Redenção dos males que me amputaram. Tu. Agora puro vapor do universo. Serves-me de Deus - quem diria? Serves-me no que não sei ser, e é a verdade. Olho para o mar do Guincho, para essas ondas frias e violentas em que tanto gostavas de mergulhar, e sinto-me também eu meio morto, meio frio. Feliz por estar ao teu lado outra vez. Ao lado dessa que já estava morta um bom par de anos antes de tu morreres. Fazes-me falta. Mas a vida não é mais do que essa sucessão de faltas que nos animam. A tua morte alivia-me do medo de morrer. Contigo fora de jogo, diminui o interesse da parada. E se tu morreste, também eu serei capaz de morrer, sem que as ondas nem o céu nem o silêncio se transtornem. Cair em ti, cada vez mais longe da mísera ficção de mim."
Inês Pedrosa (Planeta, 2003)
Faz parte da categoria "ai que inveja, como eu queria ter escrito isso". E da assustadora categoria "como é que podem ter escrito tão bem sobre mim sem ao menos me conhecerem?". É difícil falar de Fazes-me falta sem ter vontade de chorar. Folhear o livro para rever as dezenas de passagens anotadas, os post-its cor-de-laranja grudados nas páginas, alguns já amassados de tanto que eu esperei o dia de ler em voz alta as frases que eu mais gostei. Fazes-me falta é daquele tipo de livro que - assim como O passado, covardemente não lido - materializa as conversas que eu tive com ele, a história que eu vivi com ele, as discussões que tivemos e a milagrosa identidade. No livro de Inês Pedrosa, ela morreu e se comunica com o amigo em cartas recheadas de sentimento e lembranças; ele responde com questionamentos sobre Deus e o relacionamento. Dizer só isso é pouco; só que mais não há para ser dito.
Das páginas 13 e 14, que nem estavam marcadas com post-it: "Tu foste simplesmente à tua vida e eu fui à minha. Como sabes, eu vivo por relâmpagos; contigo partilhei uma trovoada um pouco mais longa do que o habitual. Foi apenas isso. De qualquer modo, a morte espreita sobre todos os prazeres dessa cronologia a que nos agarramos para escapar ao tempo. O que somos para além do que vamos sendo? O meu além eras tu - íman da minha íntima, impessoal temporalidade. Redenção dos males que me amputaram. Tu. Agora puro vapor do universo. Serves-me de Deus - quem diria? Serves-me no que não sei ser, e é a verdade. Olho para o mar do Guincho, para essas ondas frias e violentas em que tanto gostavas de mergulhar, e sinto-me também eu meio morto, meio frio. Feliz por estar ao teu lado outra vez. Ao lado dessa que já estava morta um bom par de anos antes de tu morreres. Fazes-me falta. Mas a vida não é mais do que essa sucessão de faltas que nos animam. A tua morte alivia-me do medo de morrer. Contigo fora de jogo, diminui o interesse da parada. E se tu morreste, também eu serei capaz de morrer, sem que as ondas nem o céu nem o silêncio se transtornem. Cair em ti, cada vez mais longe da mísera ficção de mim."
Bonequinha de luxo
Bonequinha de Luxo
Truman Capote (Companhia das Letras, 2005)
Eu não tenho a menor idéia do motivo que leva um roteirista a mudar completamente o final de uma história já existente -- e, com isso, mudar todo o espírito da mesma história -- ao adaptá-la para o cinema. Se é por razões comerciais, por que não criar uma trama do zero? Pois aconteceu com Bonequinha de luxo, que acabou se tornando um dos meus filmes preferidos, mas que pouco tem a ver com a novela original. Ok, os principais elementos estão lá: Holly Golightly, uma garota acostumada a receber dinheiro de seus acompanhantes e que sonha em dar o golpe do baú, Paul Varjack, o escritor que se muda para o prédio de Holly, o ex-marido caipirão, o fotógrafo japonês, os principais fatos da história. Mas o clima, o ar, que diferença...
A novela de Capote não tem nada do jeitão conto-de-fadas do filme, reforçado pela escolha dos apolíneos Audrey Hepburn e George Peppard para os papéis principais. No livro, Holly é claramente uma garota de programa interessada em se casar com um milionário. Dá em cima de um, de outro, chega a ficar grávida de um abastado brasileiro de olho numa união conveniente. Nada dá certo, e nada parece mais distante para ela do que encontrar um lugar onde ela se sinta segura como na Tiffany. Envolvida num esquema criminoso, rejeitada pelo brasileiro, ela resolve sumir no mundo: pega um avião e nunca mais é vista por ninguém conhecido. É esse sumiço, na verdade, que dá origem à narrativa, quando uma suposta fotografia dela na África faz Paul Varjack começar a escrever a história. "Sempre volto aos lugares em que vivi, às casas e à vizinhança.", diz a primeira frase. Excelente começo.
Truman Capote (Companhia das Letras, 2005)
Eu não tenho a menor idéia do motivo que leva um roteirista a mudar completamente o final de uma história já existente -- e, com isso, mudar todo o espírito da mesma história -- ao adaptá-la para o cinema. Se é por razões comerciais, por que não criar uma trama do zero? Pois aconteceu com Bonequinha de luxo, que acabou se tornando um dos meus filmes preferidos, mas que pouco tem a ver com a novela original. Ok, os principais elementos estão lá: Holly Golightly, uma garota acostumada a receber dinheiro de seus acompanhantes e que sonha em dar o golpe do baú, Paul Varjack, o escritor que se muda para o prédio de Holly, o ex-marido caipirão, o fotógrafo japonês, os principais fatos da história. Mas o clima, o ar, que diferença...
A novela de Capote não tem nada do jeitão conto-de-fadas do filme, reforçado pela escolha dos apolíneos Audrey Hepburn e George Peppard para os papéis principais. No livro, Holly é claramente uma garota de programa interessada em se casar com um milionário. Dá em cima de um, de outro, chega a ficar grávida de um abastado brasileiro de olho numa união conveniente. Nada dá certo, e nada parece mais distante para ela do que encontrar um lugar onde ela se sinta segura como na Tiffany. Envolvida num esquema criminoso, rejeitada pelo brasileiro, ela resolve sumir no mundo: pega um avião e nunca mais é vista por ninguém conhecido. É esse sumiço, na verdade, que dá origem à narrativa, quando uma suposta fotografia dela na África faz Paul Varjack começar a escrever a história. "Sempre volto aos lugares em que vivi, às casas e à vizinhança.", diz a primeira frase. Excelente começo.
sábado, 19 de abril de 2008
The meaning of tingo
The meaning of tingo
Adam Jacot de Boinod (Penguin UK, 2006)
Houve uma fase - que na verdade ainda existe, mas anda apenas latente - em que eu queria botar as mãos na maior quantidade possível de livros a respeito de palavras. Acabei formando outra estante excêntrica, além da de "livros sobre livros", muito útil para um trabalho que eu comecei e, quem sabe, um dia tenha coragem de terminar. Essa minibiblioteca de dicionários e afins (um dia escrevo aqui sobre History in English words, do Owen Barfield, um dos "afins" mais bacanas que li na época) estreou sua vertente estrangeira com The meaning of tingo, um livrinho divertido cheio de palavras cuja tradução - para o inglês, pelo menos, e certamente para o português também - não se daria na forma simples de um vocábulo apenas.
Tingo, por exemplo: para os habitantes da Ilha de Páscoa, quer dizer mais ou menos "tirar tudo o que se deseja de um amigo pedindo um objeto emprestado de cada vez". E os esquimós inuítes têm uma palavra específica, areodjarekput, para "trocar esposas por alguns dias". Num blog já desativado, o escritor confessa que seu termo preferido é o alemão Scheissenbedauern, "a frustração que alguém sente quando algo não sai tão mal quando esperava". Boa palavra.
PS. Procurando a ilustração para esse post, que retrata a capa britânica do livro, e não a americana que eu tenho, descobri que Boinod escreveu uma continuação: Toujours tingo. Oba.
Adam Jacot de Boinod (Penguin UK, 2006)
Houve uma fase - que na verdade ainda existe, mas anda apenas latente - em que eu queria botar as mãos na maior quantidade possível de livros a respeito de palavras. Acabei formando outra estante excêntrica, além da de "livros sobre livros", muito útil para um trabalho que eu comecei e, quem sabe, um dia tenha coragem de terminar. Essa minibiblioteca de dicionários e afins (um dia escrevo aqui sobre History in English words, do Owen Barfield, um dos "afins" mais bacanas que li na época) estreou sua vertente estrangeira com The meaning of tingo, um livrinho divertido cheio de palavras cuja tradução - para o inglês, pelo menos, e certamente para o português também - não se daria na forma simples de um vocábulo apenas.
Tingo, por exemplo: para os habitantes da Ilha de Páscoa, quer dizer mais ou menos "tirar tudo o que se deseja de um amigo pedindo um objeto emprestado de cada vez". E os esquimós inuítes têm uma palavra específica, areodjarekput, para "trocar esposas por alguns dias". Num blog já desativado, o escritor confessa que seu termo preferido é o alemão Scheissenbedauern, "a frustração que alguém sente quando algo não sai tão mal quando esperava". Boa palavra.
PS. Procurando a ilustração para esse post, que retrata a capa britânica do livro, e não a americana que eu tenho, descobri que Boinod escreveu uma continuação: Toujours tingo. Oba.
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terça-feira, 15 de abril de 2008
Precisamos falar sobre o Kevin
Precisamos falar sobre o Kevin
Lionel Shriver (Intrínseca, 2007)
Na Folha de S. Paulo de domingo, o psicanalista Renato Mezan escreveu um artigo sobre o assassinato da menina Isabella - em São Paulo, não se fala em outra coisa. E uma das frases me chamou a atenção porque resume bem a sensação que eu tive durante toda a leitura de Precisamos falar sobre o Kevin, um livro excelente que, depois do começo meio arrastado, prende a atenção até a última página: "... casos como o de Isabella, como o de mães que tentam matar seus bebês indesejados, provocam uma repulsa mais profunda porque põem em jogo a crença na naturalidade dos sentimentos familiares."
Pois é a tal "naturalidade dos sentimentos familiares" que Eva Khatchadourian questiona o tempo todo durante sua narrativa, que começa algum tempo depois que o filho, Kevin, de 16 anos, promove uma matança generalizada à moda de Columbine. Nas cartas que Eva escreve para o marido, Franklin, ela relembra os momentos do encontro dos dois, o pequeno apartamento em Nova York, o nascimento de Kevin, a mudança para uma casa horrível no subúrbio, o conseqüente afastamento - tudo para tentar entender o que aconteceu, e justificar seus sentimentos, e perdoar Franklin pela condescendência, e passar a limpo uma existência, a de Kevin, desconhecida por seus próprios pais. Começar o livro sabendo da tragédia que é seu ponto culminante não atrapalha em nada. Quanto mais Eva escreve, mais queremos saber das circunstâncias que levaram a ela. E, no final, fechamos o volume com aquela rara sensação de inveja, a sensação de "como eu queria ter escrito isso".
Lionel Shriver (Intrínseca, 2007)
Na Folha de S. Paulo de domingo, o psicanalista Renato Mezan escreveu um artigo sobre o assassinato da menina Isabella - em São Paulo, não se fala em outra coisa. E uma das frases me chamou a atenção porque resume bem a sensação que eu tive durante toda a leitura de Precisamos falar sobre o Kevin, um livro excelente que, depois do começo meio arrastado, prende a atenção até a última página: "... casos como o de Isabella, como o de mães que tentam matar seus bebês indesejados, provocam uma repulsa mais profunda porque põem em jogo a crença na naturalidade dos sentimentos familiares."
Pois é a tal "naturalidade dos sentimentos familiares" que Eva Khatchadourian questiona o tempo todo durante sua narrativa, que começa algum tempo depois que o filho, Kevin, de 16 anos, promove uma matança generalizada à moda de Columbine. Nas cartas que Eva escreve para o marido, Franklin, ela relembra os momentos do encontro dos dois, o pequeno apartamento em Nova York, o nascimento de Kevin, a mudança para uma casa horrível no subúrbio, o conseqüente afastamento - tudo para tentar entender o que aconteceu, e justificar seus sentimentos, e perdoar Franklin pela condescendência, e passar a limpo uma existência, a de Kevin, desconhecida por seus próprios pais. Começar o livro sabendo da tragédia que é seu ponto culminante não atrapalha em nada. Quanto mais Eva escreve, mais queremos saber das circunstâncias que levaram a ela. E, no final, fechamos o volume com aquela rara sensação de inveja, a sensação de "como eu queria ter escrito isso".
domingo, 13 de abril de 2008
Legacy of ashes
Legacy of ashes
Tim Weiner (Bantam Books, 2007)
Eu nunca tinha me interessado por nada relativo à CIA (Central Intelligence Agency) até ler O vulto das torres, o ótimo livro de Lawrence Wright sobre a Al Qaeda - entre outros fatores, Wright credita à briga entre CIA e FBI o desleixo que levou aos atentados terroristas de 11 de setembro. Pouco depois, comprei esse Legacy of ashes, ainda sem tradução em português, que conta a história da agência de forma meticulosa e quase didática (para sorte de quem, como eu, sabe quase nada da política americana).
Foi, portanto, na condição de leiga total em matéria de serviço secreto e governo, que eu me espantei com fatos como a) os Estados Unidos não tinham nenhum serviço de espionagem durante a Segunda Guerra; b) os Estados Unidos não sabiam sequer como implantar um serviço de espionagem; c) a CIA, ao contrário do que eu imaginava, é um exemplo de desorganização e trapalhadas; d) seus agentes caíam como patinhos nas tramas muito mais espertas de inimigos como a União Soviética da Guerra Fria. E por aí vai, incluindo o caso dos U2, da tentativa de invadir a Baía dos Porcos, do Irã-Contras, do 11 de setembro. Ainda que, por vezes, eu tenha tido a impressão de que um assunto não foi devidamente esgotado (acho que nem dava, porque só pra contar o básico lá se foram mais de 500 páginas), trata-se de um ótimo relato jornalístico - e que, infelizmente, pelo teor tragicômico dos desfechos, pode ser encarado também como uma ótima comédia.
Tim Weiner (Bantam Books, 2007)
Eu nunca tinha me interessado por nada relativo à CIA (Central Intelligence Agency) até ler O vulto das torres, o ótimo livro de Lawrence Wright sobre a Al Qaeda - entre outros fatores, Wright credita à briga entre CIA e FBI o desleixo que levou aos atentados terroristas de 11 de setembro. Pouco depois, comprei esse Legacy of ashes, ainda sem tradução em português, que conta a história da agência de forma meticulosa e quase didática (para sorte de quem, como eu, sabe quase nada da política americana).
Foi, portanto, na condição de leiga total em matéria de serviço secreto e governo, que eu me espantei com fatos como a) os Estados Unidos não tinham nenhum serviço de espionagem durante a Segunda Guerra; b) os Estados Unidos não sabiam sequer como implantar um serviço de espionagem; c) a CIA, ao contrário do que eu imaginava, é um exemplo de desorganização e trapalhadas; d) seus agentes caíam como patinhos nas tramas muito mais espertas de inimigos como a União Soviética da Guerra Fria. E por aí vai, incluindo o caso dos U2, da tentativa de invadir a Baía dos Porcos, do Irã-Contras, do 11 de setembro. Ainda que, por vezes, eu tenha tido a impressão de que um assunto não foi devidamente esgotado (acho que nem dava, porque só pra contar o básico lá se foram mais de 500 páginas), trata-se de um ótimo relato jornalístico - e que, infelizmente, pelo teor tragicômico dos desfechos, pode ser encarado também como uma ótima comédia.
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sábado, 12 de abril de 2008
Assim te conquistei
Assim te conquistei
Chris Campos (Versar, 2008)
Seria muito injusto dizer que Assim te conquistei é um livro de auto-ajuda amorosa. Mas seu principal defeito passa perto: é colocar ali um pezinho, ainda que disfarçado nas frases edificantes que permeiam cada uma das 30 histórias de amor e relacionamento editadas no volume. Não causa espanto, pois segue a mesma linha de outros dois livros da editora Versar, um sobre lições de vida recebidas dos pais e outro, das mães (não li nenhum deles).
É uma pena, porque a maioria das 30 histórias escolhidas teria tudo para se transformar em belas narrativas literário-jornalísticas. Tem gente que está junta há 1 ano, há 10, há 30, há 50. Hetero e homossexuais. Gente que foi amante antes de virar marido ou mulher. Gente que se amou e hoje é mais feliz como amigo do ex. Eu gostaria de saber mais, por exemplo, sobre Carla e Antônio, que depois de 20 anos de um relacionamento clandestino conseguiram finalmente ficar juntos porque a mulher dele, que sempre soube do caso do marido, resolveu conceder o divórcio. Concedeu por quê? Como descobriu a existência de Carla? Como é que os dois viveram esses 20 anos secretos? Da maneira como o livro foi concebido - relatos curtos e entremeados das tais frases edificantes -, a gente fecha a última página com a sensação de que ainda havia mais história pra contar.
Chris Campos (Versar, 2008)
Seria muito injusto dizer que Assim te conquistei é um livro de auto-ajuda amorosa. Mas seu principal defeito passa perto: é colocar ali um pezinho, ainda que disfarçado nas frases edificantes que permeiam cada uma das 30 histórias de amor e relacionamento editadas no volume. Não causa espanto, pois segue a mesma linha de outros dois livros da editora Versar, um sobre lições de vida recebidas dos pais e outro, das mães (não li nenhum deles).
É uma pena, porque a maioria das 30 histórias escolhidas teria tudo para se transformar em belas narrativas literário-jornalísticas. Tem gente que está junta há 1 ano, há 10, há 30, há 50. Hetero e homossexuais. Gente que foi amante antes de virar marido ou mulher. Gente que se amou e hoje é mais feliz como amigo do ex. Eu gostaria de saber mais, por exemplo, sobre Carla e Antônio, que depois de 20 anos de um relacionamento clandestino conseguiram finalmente ficar juntos porque a mulher dele, que sempre soube do caso do marido, resolveu conceder o divórcio. Concedeu por quê? Como descobriu a existência de Carla? Como é que os dois viveram esses 20 anos secretos? Da maneira como o livro foi concebido - relatos curtos e entremeados das tais frases edificantes -, a gente fecha a última página com a sensação de que ainda havia mais história pra contar.
sexta-feira, 11 de abril de 2008
Ela é carioca
Ela é carioca
Ruy Castro (Companhia das Letras, 1999)
Eu amo o Rio de Janeiro - tanto o de hoje, ainda que com dengue e violência, quanto o do passado, seja o dos anos 40, 50, 60 ou 70. Vá lá, até o dos 80, década que eu ainda lembro como "ontem" mas que já é velha o suficiente para ser considerada "passado". E, para a sorte de gente como eu, Ruy Castro também ama o Rio de Janeiro. Suas melhores obras tratam da cidade ou de alguns de seus personagens mais emblemáticos, como Garrincha e Nelson Rodrigues. Outro título dessa leva: Carnaval no fogo (2003), uma crônica estendida que retrata o Rio desde o século XVI até hoje. E esse, um perfil de Ipanema feito à maneira dos dicionários, com verbetes sobre os lugares, personagens e instituições do bairro mais Zona Sul da Zona Sul carioca.
Só pra ficar em alguns temas, Ruy Castro conta como começou a Banda de Ipanema, fala da época em que ninguém ainda freqüentava o Arpoador, cita um punhado de bares que entraram para a história - foi no Veloso que, como quer a MPB, Tom Jobim e Vinicius de Moraes viram passar aquela menina a caminho do mar. A sucessão de figuras que o escritor tirou do baú é impagável: um mestre de capoeira, atores iniciantes, cantores, pescadores e o meu preferido, Roniquito de Chevalier, um sujeito que, se não tivesse existido, merecia ter sido inventado. Sua biografia, escrita pela irmã, Scarlet Moon, está na minha lista de leituras futuras, e graças ao livro de Ruy Castro.
Ruy Castro (Companhia das Letras, 1999)
Eu amo o Rio de Janeiro - tanto o de hoje, ainda que com dengue e violência, quanto o do passado, seja o dos anos 40, 50, 60 ou 70. Vá lá, até o dos 80, década que eu ainda lembro como "ontem" mas que já é velha o suficiente para ser considerada "passado". E, para a sorte de gente como eu, Ruy Castro também ama o Rio de Janeiro. Suas melhores obras tratam da cidade ou de alguns de seus personagens mais emblemáticos, como Garrincha e Nelson Rodrigues. Outro título dessa leva: Carnaval no fogo (2003), uma crônica estendida que retrata o Rio desde o século XVI até hoje. E esse, um perfil de Ipanema feito à maneira dos dicionários, com verbetes sobre os lugares, personagens e instituições do bairro mais Zona Sul da Zona Sul carioca.
Só pra ficar em alguns temas, Ruy Castro conta como começou a Banda de Ipanema, fala da época em que ninguém ainda freqüentava o Arpoador, cita um punhado de bares que entraram para a história - foi no Veloso que, como quer a MPB, Tom Jobim e Vinicius de Moraes viram passar aquela menina a caminho do mar. A sucessão de figuras que o escritor tirou do baú é impagável: um mestre de capoeira, atores iniciantes, cantores, pescadores e o meu preferido, Roniquito de Chevalier, um sujeito que, se não tivesse existido, merecia ter sido inventado. Sua biografia, escrita pela irmã, Scarlet Moon, está na minha lista de leituras futuras, e graças ao livro de Ruy Castro.
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quinta-feira, 10 de abril de 2008
The complete manual of things that might kill you
The complete manual of things that might kill you
Knock Knock Books (2007)
A loja americana moderninha onde encontrei esse livro, a capa cheia de sintomas e doenças radicais e o subtítulo direto - A guide to self-diagnosis for hypochondriacs - indicam que essa obra não passa de uma grande brincadeira com quem vive preocupado com a saúde. Mesmo assim, comprei correndo (fase de interesse médico, certo?), e adorei descobrir que, embora a obra seja, sim, uma brincadeira das mais divertidas, as doenças apresentadas diante de variados sintomas são muito reais, e aparecem em detalhes extremamente verdadeiros.
Logo no começo, um textinho sério e meio escondido avisa que o livro é uma paródia de manuais médicos. Ainda assim, as últimas pessoas para quem eu recomendaria essa leitura são os hipocondríacos, como sugere o subtítulo. (Quer saber se você é um hipocondríaco? Faça o teste da página 16.) Porque tudo o que o pessoal da editora Knock Knock fez foi tomar sintomas até que simples - tremores, mãos frias, dor no pé, músculos fracos - e dar a eles explicações das mais assustadoras. Você está com dor de cabeça? Vai ver que tem um tumor no cérebro, encefalite ou aids. Seu coração está batendo muito rápido? Pode ser beribéri, taquicardia supraventricular ou Síndrome de Wolff-Parkinson-White (don't ask). E cada doença ainda vem acompanhada de uma tabelinha que classifica, de 1 a 4, os riscos de contágio, os graus de dor e sofrimento e a possibilidade de levar à morte.
Alguém pode se perguntar o que faz uma pessoa gostar de livros como esses - e ainda escrever sobre eles. Eu gosto. Num ataque de filosofia muito barata, poderia dizer que conhecer a falibilidade do corpo humano nos deixa mais... humanos. Mas não é nada disso. Doenças são possibilidades. E eu gosto muito de possibilidades.
Knock Knock Books (2007)
A loja americana moderninha onde encontrei esse livro, a capa cheia de sintomas e doenças radicais e o subtítulo direto - A guide to self-diagnosis for hypochondriacs - indicam que essa obra não passa de uma grande brincadeira com quem vive preocupado com a saúde. Mesmo assim, comprei correndo (fase de interesse médico, certo?), e adorei descobrir que, embora a obra seja, sim, uma brincadeira das mais divertidas, as doenças apresentadas diante de variados sintomas são muito reais, e aparecem em detalhes extremamente verdadeiros.
Logo no começo, um textinho sério e meio escondido avisa que o livro é uma paródia de manuais médicos. Ainda assim, as últimas pessoas para quem eu recomendaria essa leitura são os hipocondríacos, como sugere o subtítulo. (Quer saber se você é um hipocondríaco? Faça o teste da página 16.) Porque tudo o que o pessoal da editora Knock Knock fez foi tomar sintomas até que simples - tremores, mãos frias, dor no pé, músculos fracos - e dar a eles explicações das mais assustadoras. Você está com dor de cabeça? Vai ver que tem um tumor no cérebro, encefalite ou aids. Seu coração está batendo muito rápido? Pode ser beribéri, taquicardia supraventricular ou Síndrome de Wolff-Parkinson-White (don't ask). E cada doença ainda vem acompanhada de uma tabelinha que classifica, de 1 a 4, os riscos de contágio, os graus de dor e sofrimento e a possibilidade de levar à morte.
Alguém pode se perguntar o que faz uma pessoa gostar de livros como esses - e ainda escrever sobre eles. Eu gosto. Num ataque de filosofia muito barata, poderia dizer que conhecer a falibilidade do corpo humano nos deixa mais... humanos. Mas não é nada disso. Doenças são possibilidades. E eu gosto muito de possibilidades.
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quarta-feira, 9 de abril de 2008
A ciência médica de House
A ciência médica de House
Andrew Holtz (Best Seller, 2008)
Ando muito interessada em temas médicos (o próximo post deve ser sobre uma compilação inacreditável de doenças), não só em livros mas em seriados da TV - House e Grey's Anatomy, os mais inteligentes. Foi só por isso que não resisti a esse volume, recém-lançado, mesmo desconfiando que podia ser picaretagem. Pois é mesmo, pelo menos se olhado da maneira como se vende: a "ciência médica" do dr. House, os casos bizarros que desafiam o conhecimento e o ego do médico televisivo, são apenas mencionados vez ou outra. Em vez de descrever as doenças raras e as combinações perigosas que podem levar à falência da saúde, em vez de dizer se esses casos improváveis existiram mesmo, de falar das possibilidades de cura, o livro apenas descreve, de modo quase didático, os procedimentos que um médico deve tomar até chegar ao diagnóstico e à cura de uma doença.
Gregory House e sua equipe, portanto, aparecem apenas como exemplo - geralmente mau exemplo - de atitudes a serem tomadas no processo da doença. Questões éticas, tratamentos de risco, diagnósticos diferenciais, as dúvidas que podem surgir no percurso, todas as etapas aparecem como se fossem uma aulinha de faculdade. Andrew Holtz, jornalista especializado na área de saúde, entrevistou diversos médicos americanos que traçam um panorama das diferentes fases de um diagnóstico, da chegada do paciente ao hospital ao tratamento proposto. Que falam como funciona um hospital de verdade em contraponto ao Princeton-Plainsboro do seriado. Em resumo, que tratam do entorno, da perfumaria, e em nenhum momento exploram o que mais me interessa: as doenças e sua real possibilidade de existência. Uma pena. Com um seriado tão badalado no ar, esse livro poderia ter sido uma boa oportunidade de esclarecer alguns males aos quais estamos sujeitos, muitas vezes sem nem desconfiar do perigo próximo.
Andrew Holtz (Best Seller, 2008)
Ando muito interessada em temas médicos (o próximo post deve ser sobre uma compilação inacreditável de doenças), não só em livros mas em seriados da TV - House e Grey's Anatomy, os mais inteligentes. Foi só por isso que não resisti a esse volume, recém-lançado, mesmo desconfiando que podia ser picaretagem. Pois é mesmo, pelo menos se olhado da maneira como se vende: a "ciência médica" do dr. House, os casos bizarros que desafiam o conhecimento e o ego do médico televisivo, são apenas mencionados vez ou outra. Em vez de descrever as doenças raras e as combinações perigosas que podem levar à falência da saúde, em vez de dizer se esses casos improváveis existiram mesmo, de falar das possibilidades de cura, o livro apenas descreve, de modo quase didático, os procedimentos que um médico deve tomar até chegar ao diagnóstico e à cura de uma doença.
Gregory House e sua equipe, portanto, aparecem apenas como exemplo - geralmente mau exemplo - de atitudes a serem tomadas no processo da doença. Questões éticas, tratamentos de risco, diagnósticos diferenciais, as dúvidas que podem surgir no percurso, todas as etapas aparecem como se fossem uma aulinha de faculdade. Andrew Holtz, jornalista especializado na área de saúde, entrevistou diversos médicos americanos que traçam um panorama das diferentes fases de um diagnóstico, da chegada do paciente ao hospital ao tratamento proposto. Que falam como funciona um hospital de verdade em contraponto ao Princeton-Plainsboro do seriado. Em resumo, que tratam do entorno, da perfumaria, e em nenhum momento exploram o que mais me interessa: as doenças e sua real possibilidade de existência. Uma pena. Com um seriado tão badalado no ar, esse livro poderia ter sido uma boa oportunidade de esclarecer alguns males aos quais estamos sujeitos, muitas vezes sem nem desconfiar do perigo próximo.
terça-feira, 8 de abril de 2008
Paris não tem fim
Paris não tem fim
Enrique Vila-Matas (Cosac Naify, 2007)
Em julho de 2005, eu já havia lido dois Vila-Matas (Bartleby e companhia e A viagem vertical) quando assisti a uma palestra dele - ou melhor, um bate-papo com o jornalista Cassiano Elek Machado - na Livraria Cultura do shopping Vila-Lobos. Depois de ouvi-lo com o maior prazer e de ver os desenhos divertidos que ele fez em meus livros na hora dos autógrafos, saí de lá com uma certeza absoluta: eu queria um Vila-Matas de estimação. Imagine a alegria de poder conversar a qualquer hora com alguém que compartilhasse, e até incentivasse, os jogos sem compromisso com a realidade, as ilações mais absurdas, e falar de escritores, e falar de escrita, e inventar personagens, e viver o amor maior pelo livro.
Pois a vontade de ter um Vila-Matas de estimação voltou ainda mais forte depois de ler Paris não tem fim, as "memórias" do escritor durante os dois anos que passou em Paris, em início de carreira, numa água-furtada alugada de Marguerite Duras. "Memórias", entre aspas, porque como quase sempre, em Vila-Matas, não dá pra saber muito bem onde termina a realidade e começa a ficção - em Bartleby e companhia, meu livro preferido de VM, pelo menos meia dúzia dos escritores citados saíram da cabeça do autor. O mais bacana, em Paris não tem fim, é que nem dá vontade de descobrir o que aconteceu de verdade e o que foi imaginado. Não faz a menor diferença saber se a carta que ele escreveu pedindo dinheiro ao pai, e a impagável resposta do velho, existiram mesmo. Nem comprovar a existência da brilhante conferência sobre a ironia que serve de mote para o livro. Ainda assim, não é todo mundo que gosta de Vila-Matas. Já li em algum lugar (e concordo inteiramente, ainda que não me encaixe na categoria) que Vila-Matas é um escritor de escritores. E talvez só consiga gostar dele quem tiver desprendimento suficiente para acompanhar suas viagens literárias.
Enrique Vila-Matas (Cosac Naify, 2007)
Em julho de 2005, eu já havia lido dois Vila-Matas (Bartleby e companhia e A viagem vertical) quando assisti a uma palestra dele - ou melhor, um bate-papo com o jornalista Cassiano Elek Machado - na Livraria Cultura do shopping Vila-Lobos. Depois de ouvi-lo com o maior prazer e de ver os desenhos divertidos que ele fez em meus livros na hora dos autógrafos, saí de lá com uma certeza absoluta: eu queria um Vila-Matas de estimação. Imagine a alegria de poder conversar a qualquer hora com alguém que compartilhasse, e até incentivasse, os jogos sem compromisso com a realidade, as ilações mais absurdas, e falar de escritores, e falar de escrita, e inventar personagens, e viver o amor maior pelo livro.
Pois a vontade de ter um Vila-Matas de estimação voltou ainda mais forte depois de ler Paris não tem fim, as "memórias" do escritor durante os dois anos que passou em Paris, em início de carreira, numa água-furtada alugada de Marguerite Duras. "Memórias", entre aspas, porque como quase sempre, em Vila-Matas, não dá pra saber muito bem onde termina a realidade e começa a ficção - em Bartleby e companhia, meu livro preferido de VM, pelo menos meia dúzia dos escritores citados saíram da cabeça do autor. O mais bacana, em Paris não tem fim, é que nem dá vontade de descobrir o que aconteceu de verdade e o que foi imaginado. Não faz a menor diferença saber se a carta que ele escreveu pedindo dinheiro ao pai, e a impagável resposta do velho, existiram mesmo. Nem comprovar a existência da brilhante conferência sobre a ironia que serve de mote para o livro. Ainda assim, não é todo mundo que gosta de Vila-Matas. Já li em algum lugar (e concordo inteiramente, ainda que não me encaixe na categoria) que Vila-Matas é um escritor de escritores. E talvez só consiga gostar dele quem tiver desprendimento suficiente para acompanhar suas viagens literárias.
segunda-feira, 7 de abril de 2008
1968 - O ano que não terminou
1968 - O ano que não terminou
Zuenir Ventura (Nova Fronteira, 2006)
Que fique claro: esse post não se deve aos 40 anos de 1968, nem aos 20 da publicação do livro. Talvez esse tipo de aniversário só devesse ser comemorado aos 100 anos de alguma coisa, numa comprovação de que o troço realmente teve importância, a ponto de ser lembrado um século depois. O caso é que outro dia tirei o 1968 da estante, para emprestar a uma amiga, e me deu uma nostalgia danada da época em que li o livro, um ano depois de seu lançamento, num momento do país em que os (então) jovens, como eu, ainda tinham esperança de mudar alguma coisa.
Zuenir Ventura escreve com conhecimento de causa, porque viveu 1968 com todos os seus problemas, alegrias e esperanças. Da festa de réveillon que abre o livro, com o povo todo dançando Miriam Makeba, à instituição do famigerado AI-5, em dezembro, muita água podre rolou no país, em especial no Rio de Janeiro. A morte do estudante Edson Luís, a Passeata dos Cem Mil, as prisões arbitrárias, manifestações culturais, sociais e políticas, as pessoas que fizeram o ano acontecer, para o bem e para o mal, estão todos ali. Foi nesse livro que descobri a apaixonante figura de Hélio Pellegrino, o psicanalista a quem o livro é dedicado. E que invejei um grupo heterogêneo de pessoas, artistas e políticos e gente que se importava com a tortura escondida, com os sumiços involuntários, porque estavam preocupados em garantir o maior bem do ser humano: a liberdade. Não dá pra dizer que eles ganharam - afinal, o ano terminou com o AI-5. Mas seu exemplo devia permanecer vivo até hoje, principalmente em momentos como o de agora, em que ninguém parece se revoltar com governos, corrupção, falcatruas e malandragem.
Zuenir Ventura (Nova Fronteira, 2006)
Que fique claro: esse post não se deve aos 40 anos de 1968, nem aos 20 da publicação do livro. Talvez esse tipo de aniversário só devesse ser comemorado aos 100 anos de alguma coisa, numa comprovação de que o troço realmente teve importância, a ponto de ser lembrado um século depois. O caso é que outro dia tirei o 1968 da estante, para emprestar a uma amiga, e me deu uma nostalgia danada da época em que li o livro, um ano depois de seu lançamento, num momento do país em que os (então) jovens, como eu, ainda tinham esperança de mudar alguma coisa.
Zuenir Ventura escreve com conhecimento de causa, porque viveu 1968 com todos os seus problemas, alegrias e esperanças. Da festa de réveillon que abre o livro, com o povo todo dançando Miriam Makeba, à instituição do famigerado AI-5, em dezembro, muita água podre rolou no país, em especial no Rio de Janeiro. A morte do estudante Edson Luís, a Passeata dos Cem Mil, as prisões arbitrárias, manifestações culturais, sociais e políticas, as pessoas que fizeram o ano acontecer, para o bem e para o mal, estão todos ali. Foi nesse livro que descobri a apaixonante figura de Hélio Pellegrino, o psicanalista a quem o livro é dedicado. E que invejei um grupo heterogêneo de pessoas, artistas e políticos e gente que se importava com a tortura escondida, com os sumiços involuntários, porque estavam preocupados em garantir o maior bem do ser humano: a liberdade. Não dá pra dizer que eles ganharam - afinal, o ano terminou com o AI-5. Mas seu exemplo devia permanecer vivo até hoje, principalmente em momentos como o de agora, em que ninguém parece se revoltar com governos, corrupção, falcatruas e malandragem.
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