segunda-feira, 21 de abril de 2008

Fazes-me falta

Fazes-me falta
Inês Pedrosa (Planeta, 2003)

Faz parte da categoria "ai que inveja, como eu queria ter escrito isso". E da assustadora categoria "como é que podem ter escrito tão bem sobre mim sem ao menos me conhecerem?". É difícil falar de Fazes-me falta sem ter vontade de chorar. Folhear o livro para rever as dezenas de passagens anotadas, os post-its cor-de-laranja grudados nas páginas, alguns já amassados de tanto que eu esperei o dia de ler em voz alta as frases que eu mais gostei. Fazes-me falta é daquele tipo de livro que - assim como O passado, covardemente não lido - materializa as conversas que eu tive com ele, a história que eu vivi com ele, as discussões que tivemos e a milagrosa identidade. No livro de Inês Pedrosa, ela morreu e se comunica com o amigo em cartas recheadas de sentimento e lembranças; ele responde com questionamentos sobre Deus e o relacionamento. Dizer só isso é pouco; só que mais não há para ser dito.

Das páginas 13 e 14, que nem estavam marcadas com post-it: "Tu foste simplesmente à tua vida e eu fui à minha. Como sabes, eu vivo por relâmpagos; contigo partilhei uma trovoada um pouco mais longa do que o habitual. Foi apenas isso. De qualquer modo, a morte espreita sobre todos os prazeres dessa cronologia a que nos agarramos para escapar ao tempo. O que somos para além do que vamos sendo? O meu além eras tu - íman da minha íntima, impessoal temporalidade. Redenção dos males que me amputaram. Tu. Agora puro vapor do universo. Serves-me de Deus - quem diria? Serves-me no que não sei ser, e é a verdade. Olho para o mar do Guincho, para essas ondas frias e violentas em que tanto gostavas de mergulhar, e sinto-me também eu meio morto, meio frio. Feliz por estar ao teu lado outra vez. Ao lado dessa que já estava morta um bom par de anos antes de tu morreres. Fazes-me falta. Mas a vida não é mais do que essa sucessão de faltas que nos animam. A tua morte alivia-me do medo de morrer. Contigo fora de jogo, diminui o interesse da parada. E se tu morreste, também eu serei capaz de morrer, sem que as ondas nem o céu nem o silêncio se transtornem. Cair em ti, cada vez mais longe da mísera ficção de mim."

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