quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Do amor e outros demônios

Do amor e outros demônios
Gabriel García Márquez (Record, 1996)

Fazia muito tempo que eu não via um morto. E eu nunca tinha visto uma morta tão jovem e tão bonita como a que vi agora à noite, uma Aurora que parecia estar dormindo com o vestido azul que era o seu preferido, o sapato mais confortável e um raminho de rosas brancas nas mãos. Eu a vi pela primeira vez algumas semanas atrás, andando pela rua com o pai - um querido e eventual companheiro de trabalho, um homem generoso e gentil, competente e criativo.

Naquele dia, não reparei no quanto ela era bonita. Dezesseis, dezessete anos, alta e magra como o pai. Agora à noite, vendo a mãe mexer em seus cabelos, traçar com os dedos o contorno dos brincos na orelha da filha, pensei nesse livro de García Márquez, inspirado pela descoberta, muitos anos antes de ser escrito, da ossada de uma jovem com cabelos que passavam dos 20 metros de comprimento. Quase nada lembro da história, mas a imagem dos cabelos compridos ficou comigo durante o tempo todo que passei no necrotério. Belos como os da garota que estava ali, de vestido azul, sapatos confortáveis e um raminho de rosas brancas nas mãos.

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