domingo, 15 de março de 2009

I Ching

I Ching
(Pensamento, 1996)

Eu não sei muito bem por que é que eu e a Karla nos afastamos. Fomos melhores amigas da infância ao começo da juventude, até que vieram trabalho, namoros, mudanças e, de repente, aos 20 e tantos anos, eu não convivia mais com ela. Uma pena. Tenho boas lembranças da Karla. Na casa dela eu tomei suco de maracujá pela primeira vez; lá também aprendi a receita do melhor bolo de chocolate que já fiz até hoje. Saíamos pra dançar, ir a festas, comprar roupas. Ela cantava Kate Bush e me contava de seus "sonhos dourados". Encaramos juntas a primeira prova pra tirar habilitação e, quando eu não passei, ela me levava pra cima e pra baixo no Voyage branco de sua família.

Quando tinha qualquer dúvida, principalmente a respeito dos garotos, a Karla desenterrava um velho livro do I Ching e tentava interpretar suas respostas a partir do que mostravam umas varetas e moedinhas. Eu nunca entendi muito bem - e nunca acreditei naquilo. As mensagens eram filosóficas, cabeça e poéticas, falavam de garças, lagos, luz e fogo, e a interpretação dependia do grau de conhecimento (e isenção) de cada um. De vez em quando a Karla jogava o I Ching pra mim e, mesmo sem acreditar, confesso que nos momentos de maior desespero eu torcia pra, no fundo, cair com uma leitura fácil e de bons presságios.

Desde que a minha amiga sumiu no mundo, eu me tornei muito mais cética e desconfiada. Há anos deixei de ler horóscopo, ainda que por diversão. Não acredito em destino. Sou mais Freud do que Jung. E, ainda assim, agora há pouco eu levei um susto porque me vi pensando, curiosa, no que será que as moedinhas da Karla diriam pra mim nessa estranha noite de sábado.

2 comentários:

vera maria disse...

Eu tenho esse livro, isabel, e tb já li muito o I Ching quando jovem. Mas depois passei para o tarô, e tb jogo de vez em quando. Acho que o tarô me disse coisas fundamentais da minha vida, transformações enormes pelas quais iria passar, isso aconteceu no último jogo que fiz, depois nunca mais.
(E também penso no que foi feito de minha melhor amiga da adolescência, maria helena, que virou pó na passagem do tempo, mas não a memória de nosso convívio...)


beijo,
clara

Isabel Pinheiro disse...

Acho que o mais importante é isso, né, Clara? A memória, o que fica dessas amizades. Eu tenho muita saudade dessa minha amiga.
Um beijo,

Isabel