Secret ingredients
Organizado por David Remnick (Random House, 2007)
Taí um livro que eu queria ter feito, taí o tipo de livro que eu queria passar o resto da minha vida fazendo: uma seleção de excelentes textos sobre comida publicados na revista New Yorker. E não são apenas resenhas de restaurantes ou perfis de gente que marcou época na cozinha, mas histórias - histórias como a de quando Julia Child, afônica, foi a um restaurante chinês e se comunicou com a dona apenas trocando bilhetinhos, ou o conto escrito por Louise Erdrich sobre a amizade entre duas corajosas mulheres, uma delas casada com um açougueiro.
Para mim, o melhor talvez esteja nos textos que abrem o capítulo "Eating in", escritos por M.F.K. Fisher. Eu já tinha lido dois livros de Ms. Fisher: Um alfabeto para gourmets, que me agradou muito, e Como cozinhar um lobo, que, na época, achei meio mais-ou-menos (hoje eu fico pensando, ainda mais depois de ler os textos dela em Secret ingredients, se não seria bom retomar essas leituras com uma predisposição maior para entender a voz de M.F.K. Fisher - uma voz que, como a de Elizabeth David, soa mal-humorada a princípio, mas vai revelando uma ironia inteligente e um conhecimento enorme à medida em que a gente se acostuma ao discurso).
O primeiro texto de "Eating in" é o Secret ingredients que dá nome ao livro. Assim como eu, a autora tem uma birra enorme de gente que escreve receitas sem contar o "pulo do gato": aquela pitada de um temperinho que faz toda a diferença, a técnica de assar de um jeito perfeito, as quantidades todas em "punhado", "mãozada", "um tanto". Em outro artigo, Ms. Fisher fala das casseroles, receita que toda dona de casa americana preparava, nos anos 60, achando que estava economizando tempo ao assar (numa caçarola, ahá) sobras de comida com arroz ou macarrão. (Ela escreveu isso em 1968 e, já naquela época, pregava o uso de pelo menos legumes frescos para deixar o prato mais apetitoso.) Ms. Fisher é elegante e engraçada até para falar de tripa - e dar uma receita completa do ingrediente, com direito a descrições e detalhes que fazem a gente agradecer por livro de cozinha não vir com o cheiro da própria.
domingo, 18 de outubro de 2009
Dicionário de mitologia
Dicionário de mitologia
Eu só não entendo por que o principal texto a respeito de, por exemplo, um deus antigo, aparece no verbete de seu nome romano, e não do muito mais conhecido nome grego (bem, eu fui criada na mitologia de Monteiro Lobato, pra quem havia Zeus, Palas-Atena, Hera e Ares, e não Júpiter, Minerva, Juno e Marte) - embora haja remissões de um termo para o outro. De qualquer forma, não é um livro para aprender, com prazer, sobre as lendas da Grécia e de Roma Antigas, já que os verbetes são redigidos de uma maneira direta e didática; melhor usá-lo mesmo para consultas pontuais. O que me leva a tentar procurar, aqui em casa, o primeiro volume do As mais belas histórias da Antiguidade Clássica, do Gustav Schwab (o volume dois é tratado aqui). Esse, sim, fala sobre mitos com o respeito devido à literatura.
(Best Seller, 2000)
Quando precisei procurar algo a respeito de Procrustes (Procusto, em português) para escrever sobre At large and at small, da Anne Fadiman, tinha certeza de ter, aqui em casa, o Dicionário mítico-etimológico do Junito de Souza Brandão. Que nada. Tenho é essa versão chatinha - embora, acredito, correta - que trata de personagens, lugares, plantas, festas e quetais relacionados à mitologia.
Eu só não entendo por que o principal texto a respeito de, por exemplo, um deus antigo, aparece no verbete de seu nome romano, e não do muito mais conhecido nome grego (bem, eu fui criada na mitologia de Monteiro Lobato, pra quem havia Zeus, Palas-Atena, Hera e Ares, e não Júpiter, Minerva, Juno e Marte) - embora haja remissões de um termo para o outro. De qualquer forma, não é um livro para aprender, com prazer, sobre as lendas da Grécia e de Roma Antigas, já que os verbetes são redigidos de uma maneira direta e didática; melhor usá-lo mesmo para consultas pontuais. O que me leva a tentar procurar, aqui em casa, o primeiro volume do As mais belas histórias da Antiguidade Clássica, do Gustav Schwab (o volume dois é tratado aqui). Esse, sim, fala sobre mitos com o respeito devido à literatura.
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Paciente particular
Paciente particular
P.D. James (Companhia das Letras, 2009)
Eu nunca havia lido P.D. James até ganhar este livro de presente - e, ainda no início, cheguei à conclusão de que não posso me considerar uma legítima fã de policiais sem conhecer tanta coisa bacana. Só neste ano, fui apresentada a três autores, digamos, já bem rodados nas histórias de detetives: Fred Vargas, Henning Mankell e a agora querida P.D. James. E faltam tantos... Patricia Highsmith, por exemplo, de quem só li O amigo americano, e há tanto tempo que não me lembro de quase nada.
Paciente particular ganhou minha simpatia logo de cara porque o clima, o ambiente, os personagens fizeram com que eu reconhecesse, ali, um toque de Agatha Christe, de quem podem falar mal à vontade que eu vou continuar adorando anyway. Talvez tenha sido o cenário - uma mansão no interior da Inglaterra transformada em hospital particular -, ou a personalidade quase hermética das principais figuras envolvidas na história, ou o hábito tão britânico e agathachrístico do chá da tarde, ou a hierarquia um tanto ritualística seguida pelos moradores da clínica. Sei que, de repente, eu estava esperando que aparecesse ali, em Cheverell Manor, não o investigador Adam Dalgliesh (por quem só não me apaixonei porque meu coração já pertence a Jean-Baptiste Adamsberg), mas Hercule Poirot ou Miss Marple.
Rhoda Gradwin é uma jornalista especializada em descobrir o podre de pessoas poderosas. Dona de uma cicatriz que corta seu rosto, ela resolve internar-se na clínica do famoso cirurgião plástico George Chandler-Powell. A operação é um sucesso - mas Rhoda nunca chega a ver seu rosto reconstruído, já que morre assassinada logo depois da intervenção. Todo mundo é suspeito: o médico, o médico-assistente e sua irmã acadêmica, a enfermeira-chefe, a governanta da clínica, a empregada maluquete, o casal de cozinheiros, a contadora. Por causa de uma frase do final do livro que eu li sem querer e, ironia, interpretei errado, descobri o assassino bem antes de Dalgliesh. Mas nem isso tirou a graça da trama e o envolvimento que eu senti com tudo aquilo. Atrás de mais P.D. James, pois.
P.D. James (Companhia das Letras, 2009)
Eu nunca havia lido P.D. James até ganhar este livro de presente - e, ainda no início, cheguei à conclusão de que não posso me considerar uma legítima fã de policiais sem conhecer tanta coisa bacana. Só neste ano, fui apresentada a três autores, digamos, já bem rodados nas histórias de detetives: Fred Vargas, Henning Mankell e a agora querida P.D. James. E faltam tantos... Patricia Highsmith, por exemplo, de quem só li O amigo americano, e há tanto tempo que não me lembro de quase nada.
Paciente particular ganhou minha simpatia logo de cara porque o clima, o ambiente, os personagens fizeram com que eu reconhecesse, ali, um toque de Agatha Christe, de quem podem falar mal à vontade que eu vou continuar adorando anyway. Talvez tenha sido o cenário - uma mansão no interior da Inglaterra transformada em hospital particular -, ou a personalidade quase hermética das principais figuras envolvidas na história, ou o hábito tão britânico e agathachrístico do chá da tarde, ou a hierarquia um tanto ritualística seguida pelos moradores da clínica. Sei que, de repente, eu estava esperando que aparecesse ali, em Cheverell Manor, não o investigador Adam Dalgliesh (por quem só não me apaixonei porque meu coração já pertence a Jean-Baptiste Adamsberg), mas Hercule Poirot ou Miss Marple.
Rhoda Gradwin é uma jornalista especializada em descobrir o podre de pessoas poderosas. Dona de uma cicatriz que corta seu rosto, ela resolve internar-se na clínica do famoso cirurgião plástico George Chandler-Powell. A operação é um sucesso - mas Rhoda nunca chega a ver seu rosto reconstruído, já que morre assassinada logo depois da intervenção. Todo mundo é suspeito: o médico, o médico-assistente e sua irmã acadêmica, a enfermeira-chefe, a governanta da clínica, a empregada maluquete, o casal de cozinheiros, a contadora. Por causa de uma frase do final do livro que eu li sem querer e, ironia, interpretei errado, descobri o assassino bem antes de Dalgliesh. Mas nem isso tirou a graça da trama e o envolvimento que eu senti com tudo aquilo. Atrás de mais P.D. James, pois.
quarta-feira, 14 de outubro de 2009
At large and at small
At large and at small
Anne Fadiman (Allen Lane, 2007)
Foi, acho, em 2002, que um amigo me disse: "Você vai adorar Ex-Libris." Não adorei: amei. É esse o livro que eu dou de presente para algumas pessoas especiais que, como eu, também adoram não apenas os livros, mas as palavras, a escrita. E há muito tempo eu andava de olho em blogs, na Amazon, nos lançamentos do mercado americano, para ver se encontrava algum outro título assinado por Anne Fadiman, de quem me tornei fã. Até que encontrei. Foi uma longa (ou, pelo menos, assim pareceu) espera até a Cultura entregar minha encomenda e outros demorados meses até que eu finalmente me dedicasse à obra - que li num minuto, voltando várias vezes aos ensaios que mais gostei.
Trata-se, como diz o subtítulo, de Confessions of a literary hedonist - e não tem como eu não invejar, em Anne Fadiman, sua escrita elegante, seu conhecimento literário, sua vida passada entre os livros, a forma singular como ela transforma até assuntos distantes de mim (o amor pelo Ártico, a canoagem, a devoção por Charles Lamb, de quem eu nunca tinha nem ouvido falar) em temas de interesse imediato. Se o Gênio da Lâmpada aparecesse em minha frente, agora, para me conceder três desejos, um deles certamente seria "quero escrever como e sobre o que Anne Fadiman escreve".
Em At large and at small, o ensaio de que mais gostei parte de um personagem - Procrustes, em inglês, que eu não conhecia, mesmo adorando mitologia grega - e relaciona sua prática cruel de tortura e assassinato ao que Anne Fadiman chama de "guerras culturais", a aparente necessidade das pessoas em politizar a arte. "Coffee" é um texto ótimo não apenas sobre o hábito de beber café (que eu retomei recentemente, graças à Nespresso), mas sobre as obras produzidas sob o efeito da cafeína. Em "Night owl", Anne Fadiman fala de si e de vários outros escritores que produzem melhor à noite. E tem ensaio sobre sorvete, sobre Samuel Taylor Coleridge, correspondência, mudanças de casa, a bandeira americana... Assuntos tão diferentes, abordagens idem, que só conseguem se transformar num livro tão bacana por causa da competência da autora.
Anne Fadiman (Allen Lane, 2007)
Foi, acho, em 2002, que um amigo me disse: "Você vai adorar Ex-Libris." Não adorei: amei. É esse o livro que eu dou de presente para algumas pessoas especiais que, como eu, também adoram não apenas os livros, mas as palavras, a escrita. E há muito tempo eu andava de olho em blogs, na Amazon, nos lançamentos do mercado americano, para ver se encontrava algum outro título assinado por Anne Fadiman, de quem me tornei fã. Até que encontrei. Foi uma longa (ou, pelo menos, assim pareceu) espera até a Cultura entregar minha encomenda e outros demorados meses até que eu finalmente me dedicasse à obra - que li num minuto, voltando várias vezes aos ensaios que mais gostei.
Trata-se, como diz o subtítulo, de Confessions of a literary hedonist - e não tem como eu não invejar, em Anne Fadiman, sua escrita elegante, seu conhecimento literário, sua vida passada entre os livros, a forma singular como ela transforma até assuntos distantes de mim (o amor pelo Ártico, a canoagem, a devoção por Charles Lamb, de quem eu nunca tinha nem ouvido falar) em temas de interesse imediato. Se o Gênio da Lâmpada aparecesse em minha frente, agora, para me conceder três desejos, um deles certamente seria "quero escrever como e sobre o que Anne Fadiman escreve".
Em At large and at small, o ensaio de que mais gostei parte de um personagem - Procrustes, em inglês, que eu não conhecia, mesmo adorando mitologia grega - e relaciona sua prática cruel de tortura e assassinato ao que Anne Fadiman chama de "guerras culturais", a aparente necessidade das pessoas em politizar a arte. "Coffee" é um texto ótimo não apenas sobre o hábito de beber café (que eu retomei recentemente, graças à Nespresso), mas sobre as obras produzidas sob o efeito da cafeína. Em "Night owl", Anne Fadiman fala de si e de vários outros escritores que produzem melhor à noite. E tem ensaio sobre sorvete, sobre Samuel Taylor Coleridge, correspondência, mudanças de casa, a bandeira americana... Assuntos tão diferentes, abordagens idem, que só conseguem se transformar num livro tão bacana por causa da competência da autora.
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