Fico à espera
Davide Cali e Serge Bloch (CosacNaify, 2007)
Traços delicados e um fio de linha vermelha: basta isso para formar as ilustrações que acompanham as frases muito simples deste livro, reveladoras de desejos prosaicos, mas nem por isso pouco intensos. "Fico à espera... de crescer... de que a chuva pare... do amor... do fim da guerra... de uma carta", dizem algumas páginas.
Creio que, na teoria, este seja um livro infantil - mas daquele tipo que a gente finge comprar pra sobrinha e na verdade compra pra gente, pra abrir de vez em quando e refletir sobre o que desejamos, o que esperamos. Como eu, hoje: à espera de melhorar, de voltar a acreditar nas pessoas, de que o justo prevaleça sobre o injusto (e de que eu entenda o que é justo ou injusto), de que passe a dor nas costas, de um dia com frio e sol, de força de vontade e, principalmente, de não desanimar.
sábado, 17 de abril de 2010
quinta-feira, 15 de abril de 2010
San Paolo
San Paolo - Desenhos e prosa da cidade
Vincenzo Scarpellini (Publifolha, 2009)
Volto meio embriagada do aniversário de uma amiga. Uma amiga recente, mas que conquistou um lugar grande e especial na minha vida, uma amiga que me faz ter inveja das amigas antigas dela, que aproveitaram sua presença por mais tempo do que eu.
Foi este um dos meus presentes, porque sabia que ela queria o livro há tempos. Trata-se de uma coletânea dos desenhos e textos que Vincenzo Sacarpellini, morto precocemente aos 41 anos, por causa de um câncer, publicou na Folha de S. Paulo, desenhos e textos tão delicados sobre lugares diversos da feia cidade de São Paulo. A Galeria do Rock, a Praça da Sé, o aeroporto de Congonhas - um lugar que, não sei por quê, adoro, ainda hoje, mesmo com o trânsito absurdo para chegar lá e a superlotação de aviões. A feia São Paulo, que no traço e nas palavras de Scarpellini, consegue ficar um pouco mais bonita.
segunda-feira, 12 de abril de 2010
The devil and Sherlock Holmes
The devil and Sherlock Holmes
David Grann (Doubleday, 2010)
Ao lado da minha cama, no chão, existe uma pasta com diversas matérias publicadas pela Vanity Fair no último ano: como não consigo ler tudo quando a revista chega (e é a única que eu assino), tiro as páginas com os textos que me interessam e guardo tudo para uma sonhada leitura futura. Pois com as matérias deste livro - são doze, nove delas editadas originalmente na The New Yorker - aconteceu o contrário: li tudo de uma vez, sei lá se porque em livro (na verdade, em Kindle) é melhor, sei lá se porque os temas são interessantes, ou se porque David Grann escreve muito bem.
A primeira matéria trata da morte suspeita de um inglês especialista em Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes. Depois vêm textos sobre um oceanógrafo que dedica a vida a encontrar uma lula-gigante, sobre um francês "especialista" em assumir outras identidades, um bombeiro que não se lembra do que aconteceu no 11 de setembro, o julgamento do que foi tida como a mais violenta gangue dentro das prisões americanas e outros, de temas tão variados. Meus preferidos: a história de um escritor que narra, em seu romance de estreia, um crime até então aparentemente insolúvel, acontecido na Polônia (e o caminho que levaram os policiais até ele) e a última reportagem, sobre o haitiano que comandava uma milícia do tipo esquadrão da morte, no Haiti, e ao mesmo tempo tinha ligações com a CIA.
Mais do que excelentes trabalhos de jornalismo investigativo, as histórias reunidas por Grann neste livro são, para mim, pequenas peças literárias. Não se trata do "new journalism" de Truman Capote e John Hersey, ou dos escritos de Joel Silveira, no Brasil. Temas interessantes, trabalho competente e muito bem-escrito; isso basta.
David Grann (Doubleday, 2010)
Ao lado da minha cama, no chão, existe uma pasta com diversas matérias publicadas pela Vanity Fair no último ano: como não consigo ler tudo quando a revista chega (e é a única que eu assino), tiro as páginas com os textos que me interessam e guardo tudo para uma sonhada leitura futura. Pois com as matérias deste livro - são doze, nove delas editadas originalmente na The New Yorker - aconteceu o contrário: li tudo de uma vez, sei lá se porque em livro (na verdade, em Kindle) é melhor, sei lá se porque os temas são interessantes, ou se porque David Grann escreve muito bem.
A primeira matéria trata da morte suspeita de um inglês especialista em Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes. Depois vêm textos sobre um oceanógrafo que dedica a vida a encontrar uma lula-gigante, sobre um francês "especialista" em assumir outras identidades, um bombeiro que não se lembra do que aconteceu no 11 de setembro, o julgamento do que foi tida como a mais violenta gangue dentro das prisões americanas e outros, de temas tão variados. Meus preferidos: a história de um escritor que narra, em seu romance de estreia, um crime até então aparentemente insolúvel, acontecido na Polônia (e o caminho que levaram os policiais até ele) e a última reportagem, sobre o haitiano que comandava uma milícia do tipo esquadrão da morte, no Haiti, e ao mesmo tempo tinha ligações com a CIA.
Mais do que excelentes trabalhos de jornalismo investigativo, as histórias reunidas por Grann neste livro são, para mim, pequenas peças literárias. Não se trata do "new journalism" de Truman Capote e John Hersey, ou dos escritos de Joel Silveira, no Brasil. Temas interessantes, trabalho competente e muito bem-escrito; isso basta.
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quinta-feira, 8 de abril de 2010
Paris é uma festa
Paris é uma festa
Ernest Hemingway (Bertrand Brasil, 2006)
Ando apaixonada pela Paris do início do século 20 e, se alguém me perguntasse, hoje, onde e em que época hipotética eu gostaria de ter vivido, diria que seria nessa Paris de Picasso e Matisse e Hemingway e Fitzgerald e Gertrude Stein (embora não me falte a certeza de que eu pertenço mesmo ao aqui e ao agora, e que qualquer outra época idealizada - o Rio de Janeiro dos anos 50-60, a Nova York da Round Table, a São Paulo modernista - seria de um sofrimento enorme pra mim). Mas no começo do século 20 Paris era, sim, uma festa, e todo mundo conhecia todo mundo, e se encontrava nos cafés, e o dinheiro era curto mas dava até pra passar férias na Espanha, de vez em quando na Suíça.
É o que conta Ernest Hemingway, que chegou à cidade depois de ter sido motorista de ambulância na Primeira Guerra Mundial e que, em Paris, deu início à carreira de escritor enquanto era correspondente de um jornal canadense. Morava com mulher e filho num apartamentozinho na margem esquerda do Sena e alugava um quarto num hotel, ali perto, para poder trabalhar em paz. Logo que chegou, ficou conhecendo Gertrude Stein, com quem manteve uma relação intensa de amizade até que um fato velado, ou mal-explicado (pelo menos no livro), fez com que se afastassem - acho que teve a ver com a homossexualidade da escritora.
Assim, entre confissões das apostas feitas no jóquei (e que levaram um bom dinheiro para o ralo), o excelente relato de seu método de trabalho e os planos de viagem para Pamplona, Madri e Valência, Hemingway vai falando não só da vida, mas de amigos como Sylvia Beach, dona da livraria Shakespeare and Company, Ford Madox Ford ("I always held my breath when I was near him in a closed room"), Ezra Pound e, principalmente, F. Scott Fitzgerald, com quem Hemingway empreendeu uma viagem das mais bizarras.
Ernest Hemingway (Bertrand Brasil, 2006)
Ando apaixonada pela Paris do início do século 20 e, se alguém me perguntasse, hoje, onde e em que época hipotética eu gostaria de ter vivido, diria que seria nessa Paris de Picasso e Matisse e Hemingway e Fitzgerald e Gertrude Stein (embora não me falte a certeza de que eu pertenço mesmo ao aqui e ao agora, e que qualquer outra época idealizada - o Rio de Janeiro dos anos 50-60, a Nova York da Round Table, a São Paulo modernista - seria de um sofrimento enorme pra mim). Mas no começo do século 20 Paris era, sim, uma festa, e todo mundo conhecia todo mundo, e se encontrava nos cafés, e o dinheiro era curto mas dava até pra passar férias na Espanha, de vez em quando na Suíça.
É o que conta Ernest Hemingway, que chegou à cidade depois de ter sido motorista de ambulância na Primeira Guerra Mundial e que, em Paris, deu início à carreira de escritor enquanto era correspondente de um jornal canadense. Morava com mulher e filho num apartamentozinho na margem esquerda do Sena e alugava um quarto num hotel, ali perto, para poder trabalhar em paz. Logo que chegou, ficou conhecendo Gertrude Stein, com quem manteve uma relação intensa de amizade até que um fato velado, ou mal-explicado (pelo menos no livro), fez com que se afastassem - acho que teve a ver com a homossexualidade da escritora.
Assim, entre confissões das apostas feitas no jóquei (e que levaram um bom dinheiro para o ralo), o excelente relato de seu método de trabalho e os planos de viagem para Pamplona, Madri e Valência, Hemingway vai falando não só da vida, mas de amigos como Sylvia Beach, dona da livraria Shakespeare and Company, Ford Madox Ford ("I always held my breath when I was near him in a closed room"), Ezra Pound e, principalmente, F. Scott Fitzgerald, com quem Hemingway empreendeu uma viagem das mais bizarras.
Paris é uma festa foi organizado pela última mulher do escritor e publicado em 1964, depois de sua morte - Hemingway se matou com um tiro, em 1961. Ano passado, talvez um pouco antes, um de seus netos relançou o livro, dessa vez com mudanças na ordem dos capítulos e com o acréscimo de informações que, segundo ele, ajudariam a melhorar a imagem de sua avó, a segunda mulher do escritor, que aparece no fim do volume. Eu não vi nada de absurdo na maneira como o autor tratou do fim de seu casamento; achei até elegante. E, de qualquer modo, o livro que Hemingway imaginou me parece bem melhor do que qualquer variação que tenha vindo depois dele.
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domingo, 4 de abril de 2010
Padre Cícero
Padre Cícero - Poder, fé e guerra no sertão
Lira Neto (Companhia das Letras, 2009)
Biografia boa é assim: imparcial. Padre Cícero foi santo? Foi enganador? Cabe ao leitor tirar suas conclusões, a partir do relato isento que Lira Neto faz da vida do religioso cearense. Tenho muita curiosidade por tipos que despertam tamanha devoção popular - mas admito que, na maioria das vezes, alimento uma impressão preconceituosa sobre eles: a manipulação fácil da fé alheia, o embuste, o interesse das pessoas que rodeiam o (às vezes, inocente) venerando.
Não acredito em milagres - não, pelo menos, no milagre atribuído ao padre, o de fazer hóstias se transformarem em sangue. Pelo que conta Lira Neto, dá pra ver que a história toda foi muito nebulosa, e muito envolvida na politicagem do Ceará de fins do século 19, praticamente uma terra de ninguém, onde prevalecia o coronelismo e a palavra do bispo tinha poder de lei. Diante desse panorama, é inegável a coragem de Padre Cícero, que peitou a todos em nome não só de sua crença, mas da vontade de ajudar o povo da região. Minha dúvida maior, mesmo depois de ter lido a biografia, é saber até que ponto ele foi manipulador, mesmo que no bom sentido - para conseguir, por exemplo, a criação do município de Juazeiro, ou na hora de aceitar bens e dinheiro que, depois de sua morte, foram doados à Igreja.
Entre as coisas que eu não sabia a respeito de Padre Cícero está o desconhecimento, dele, em relação à sua excomunhão - morreu sem saber que tinha sido banido da Igreja, ainda que, posteriormente, o processo tenha se revertido. Também era inédita, pra mim, a viagem dele à Itália, para pedir, se possível ao próprio Papa, que seu afastamento das funções de sacerdote fosse anulado. De resto, o livro é recheado de boas histórias, como a amizade com dois tipos mais que suspeitos da política local, as armações do clero cearense, o roubo dos paninhos que provariam o milagre das hóstias sangrentas. E Lira Neto ainda trata, num ótimo prefácio, do processo que a Igreja Católica instaurou, recentemente (por intermédio do hoje papa Bento XVI), para reabilitar um sacerdote que, por mais polêmico, pode ser muito útil na tentativa de reverter a cada vez maior perda de fiéis, país afora.
Lira Neto (Companhia das Letras, 2009)
Biografia boa é assim: imparcial. Padre Cícero foi santo? Foi enganador? Cabe ao leitor tirar suas conclusões, a partir do relato isento que Lira Neto faz da vida do religioso cearense. Tenho muita curiosidade por tipos que despertam tamanha devoção popular - mas admito que, na maioria das vezes, alimento uma impressão preconceituosa sobre eles: a manipulação fácil da fé alheia, o embuste, o interesse das pessoas que rodeiam o (às vezes, inocente) venerando.
Não acredito em milagres - não, pelo menos, no milagre atribuído ao padre, o de fazer hóstias se transformarem em sangue. Pelo que conta Lira Neto, dá pra ver que a história toda foi muito nebulosa, e muito envolvida na politicagem do Ceará de fins do século 19, praticamente uma terra de ninguém, onde prevalecia o coronelismo e a palavra do bispo tinha poder de lei. Diante desse panorama, é inegável a coragem de Padre Cícero, que peitou a todos em nome não só de sua crença, mas da vontade de ajudar o povo da região. Minha dúvida maior, mesmo depois de ter lido a biografia, é saber até que ponto ele foi manipulador, mesmo que no bom sentido - para conseguir, por exemplo, a criação do município de Juazeiro, ou na hora de aceitar bens e dinheiro que, depois de sua morte, foram doados à Igreja.
Entre as coisas que eu não sabia a respeito de Padre Cícero está o desconhecimento, dele, em relação à sua excomunhão - morreu sem saber que tinha sido banido da Igreja, ainda que, posteriormente, o processo tenha se revertido. Também era inédita, pra mim, a viagem dele à Itália, para pedir, se possível ao próprio Papa, que seu afastamento das funções de sacerdote fosse anulado. De resto, o livro é recheado de boas histórias, como a amizade com dois tipos mais que suspeitos da política local, as armações do clero cearense, o roubo dos paninhos que provariam o milagre das hóstias sangrentas. E Lira Neto ainda trata, num ótimo prefácio, do processo que a Igreja Católica instaurou, recentemente (por intermédio do hoje papa Bento XVI), para reabilitar um sacerdote que, por mais polêmico, pode ser muito útil na tentativa de reverter a cada vez maior perda de fiéis, país afora.
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