domingo, 4 de abril de 2010

Padre Cícero

Padre Cícero - Poder, fé e guerra no sertão
Lira Neto (Companhia das Letras, 2009)

Biografia boa é assim: imparcial. Padre Cícero foi santo? Foi enganador? Cabe ao leitor tirar suas conclusões, a partir do relato isento que Lira Neto faz da vida do religioso cearense. Tenho muita curiosidade por tipos que despertam tamanha devoção popular - mas admito que, na maioria das vezes, alimento uma impressão preconceituosa sobre eles: a manipulação fácil da fé alheia, o embuste, o interesse das pessoas que rodeiam o (às vezes, inocente) venerando.

Não acredito em milagres - não, pelo menos, no milagre atribuído ao padre, o de fazer hóstias se transformarem em sangue. Pelo que conta Lira Neto, dá pra ver que a história toda foi muito nebulosa, e muito envolvida na politicagem do Ceará de fins do século 19, praticamente uma terra de ninguém, onde prevalecia o coronelismo e a palavra do bispo tinha poder de lei. Diante desse panorama, é inegável a coragem de Padre Cícero, que peitou a todos em nome não só de sua crença, mas da vontade de ajudar o povo da região. Minha dúvida maior, mesmo depois de ter lido a biografia, é saber até que ponto ele foi manipulador, mesmo que no bom sentido - para conseguir, por exemplo, a criação do município de Juazeiro, ou na hora de aceitar bens e dinheiro que, depois de sua morte, foram doados à Igreja.

Entre as coisas que eu não sabia a respeito de Padre Cícero está o desconhecimento, dele, em relação à sua excomunhão - morreu sem saber que tinha sido banido da Igreja, ainda que, posteriormente, o processo tenha se revertido. Também era inédita, pra mim, a viagem dele à Itália, para pedir, se possível ao próprio Papa, que seu afastamento das funções de sacerdote fosse anulado. De resto, o livro é recheado de boas histórias, como a amizade com dois tipos mais que suspeitos da política local, as armações do clero cearense, o roubo dos paninhos que provariam o milagre das hóstias sangrentas. E Lira Neto ainda trata, num ótimo prefácio, do processo que a Igreja Católica instaurou, recentemente (por intermédio do hoje papa Bento XVI), para reabilitar um sacerdote que, por mais polêmico, pode ser muito útil na tentativa de reverter a cada vez maior perda de fiéis, país afora.

3 comentários:

K. disse...

me empresta, me empresta??

Isabel Pinheiro disse...

empresto, assim que eu achar aqui na balbúrdia de livros... :-)

andre barros parisi disse...

Curti sua sinópse do livro! Já aprendi Muito só lendo isso!Valeu!