A foto saiu fora de foco
Julio Cortázar, em Histórias de cronópios e de famas
Um cronópio vai abrir a porta da rua e ao enfiar a mão no bolso para pegar a chave o que tira é uma caixa de fósforos; então este cronópio fica muito aflito e começa a pensar que se em vez da chave ele encontra os fósforos, seria terrível que o mundo se houvesse deslocado de repente, e então se os fósforos estão no lugar da chave, pode acontecer que ele ache a carteira de dinheiro cheia de fósforos, e o açucareiro cheio de dinheiro, e o piano cheio de açúcar, e o catálogo do telefone cheio de música, e o armário cheio de assinantes, e a cama cheia de roupas, e as jarras cheias de lençóis, e os bondes cheios de rosas, e os campos cheios de bondes. Assim este cronópio fica horrivelmente aflito e corre para se olhar no espelho, mas como o espelho está um pouco de lado, o que ele enxerga é o porta-guarda-chuvas do vestíbulo, e suas desconfianças se confirmam e ele desata a soluçar, cai de joelhos e junta suas mãozinhas nem sabe para quê. Os famas vizinhos acodem para consolá-lo, e também as esperanças, mas passa-se muito tempo antes de que o cronópio saia de seu desespero e aceite uma xícara de chá, que olha e examina muito antes de beber, não vá acontecer que em lugar de uma xícara de chá seja um formigueiro ou um livro de Samuel Smiles.
sábado, 22 de setembro de 2007
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